Aulas teóricas 21, 22, e 23.

Extremos locais.

Material de estudo:

Extremos locais

Uma das principais aplicações da derivada é o estudo de funções, nomeadamente a determinação e classificação de mínimos e máximos de funções.

Seja \(f:D\to \mathbb{R}\) e \(x_0\in D.\) Diz-se que

Em qualquer um dos casos atrás, \(f(x_0)\) diz-se um extremo de \(f\), e \(x_0\) um ponto de extremo (ou extremante ou maximizante ou minimizante)

O adjectivo "estrito" pode ainda ser aplicado quando, nestas definições os símbolos \(\leqslant\) e \(\geqslant\) são substituidos por \(\lt\) e \(\gt\), respectivamente.

É evidente que "extremo absoluto" \(\Rightarrow\) "extremo local".

Exemplo 1: \(\;f(x)=1-|x|\;\) tem máximo absoluto, logo também local, em \(x=0\), porque \(f(x)\leqslant 1\), para todo \(x\in\mathbb{R},\;\) e \(\;f(0)=1\).

Exemplo 2: \(\;f(x)=x^2+1\;\) tem mínimo absoluto, logo também local, em \(x=0\), porque \(f(x)\geqslant 1\), para todo \(x\in\mathbb{R},\;\) e \(\;f(0)=1\).

Exemplo 3: \(\;f(x)=x\;\) com domínio \([0,1]\) tem mínimo absoluto, logo também local, em \(x=0\), e máximo absoluto, logo também local, em \(x=1,\) porque \(0\leqslant f(x)\leqslant 1\), para todo \(x\in[0,1],\;\) \(\;f(0)=0\;\) e \(\;f(1)=1\).

Exemplo 4: \(\;f(x)=\arccos x\;\) (relembrar: \(D=[-1,1]\)) tem mínimo absoluto, logo também local, em \(x=1\), e máximo absoluto, logo também local, em \(x=-1,\) porque \(0\leqslant\arccos x\leqslant\pi\), para todo \(x\in[-1,1],\;\) \(\;\arccos (1)=0\;\) e \(\;\arccos(-1)=\pi\).

Exemplo 5: \(\;f(x)=\operatorname{arctg} x\;\) (relembrar: \(D=\mathbb{R}\)) apesar de ser limitada, não tem extremos, dado que é estritamente crescente em \(\mathbb{R}\) (o seu contradomínio é o intervalo aberto \(]-\pi/2,\pi/2[\)). No entanto, no intervalo \([0,+\infty[,\) tem mínimo absoluto em \(x=0,\) igual a \(\operatorname{arctg} 0=0.\)

Precisamos de ferramentas para estudar os extremos locais com base nas derivadas. O primeiro resultado nesse sentido é o seguinte:
Teorema Se \(f\) é diferenciável em \(a,\) então, \[f \text{ tem extremo local em }a\quad\Rightarrow \quad f'(a)=0.\]

Por palavras:

Os pontos de extremo no domínio de diferenciabilidade são pontos críticos da função.

Demonstração:

Vamos demonstrar para o caso em que \(f\) tem um máximo local em \(a\). O caso do mínimo fica como exercício. Como existe \(\varepsilon\gt 0,\) tal que \(f(x)-f(a)\leqslant 0,\;\) para todo \(\;x\in ]a-\varepsilon,a+\varepsilon[,\) temos, para as derivadas laterais esquerda e direita: \[f'_e(a)=\lim_{x\to a^-}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\geqslant 0,\qquad f'_d(a)=\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\leqslant 0.\] Logo, como, por hipótese, \(f\) é diferenciável em \(a\) temos que ter necessariamente, \[0\leqslant f'_e(a)=f'_d(a)\leqslant 0,\] e, portanto, \(f'(a)=0.\)

Observações importantes:

  1. O teorema é uma implicação, não uma equivalência! Ou seja, se \(f\) for diferenciável em \(a\), a condição \(f'(a)=0\) não implica que \(f\) tenha um extremo local em \(a\). Ou seja,
    Pode haver pontos críticos em que a função não tem extremo.

    Exemplo 6.

    A função \(f(x)=x^3\), \(D_f=\mathbb{R}\) é diferenciável em todos os pontos e \(f'(0)=0\). No entanto, \(f\) não tem extremo local em \(x=0\), uma vez que é estritamente crescente.

    Na realidade temos que perceber o que é que o teorema permite concluir e o que não permite concluir. A implicação \(\Leftarrow\) é falsa, como se viu. No entanto, pelas propriedades lógicas da implicação, é verdade que \[ f'(a)\not=0\quad\Rightarrow\quad f\;\text{ não tem extremo local em }\;a.\] Por isso, este teorema permite-nos justificar, no exemplo 11 atrás, que a função não pode ter extremos locais quando consideramos o domínio \(D=\mathbb{R}\).

  2. O teorema exige, à partida, que a função seja diferenciável no ponto que estamos a considerar. Ou seja, o teorema nada diz no caso em que não existe \(f'(a)\) finita. Na realidade,
    Uma função \(f\) pode ter extremos locais em pontos onde \(f\) não é diferenciável (não existe \(f'(a)\) em \(\mathbb{R}\)).

    Essa "não diferenciabilidade" pode decorrer, simplesmente de estarmos a considerar um ponto não interior ao domínio da função. É o que acontece atrás, com os exemplos 9 e 10. Repare que nestes exemplos, embora existam mínimo e máximo locais (e absolutos), não existem pontos críticos.

    No entanto, é possível que estejamos a considerar um ponto interior ao domínio e, nesse caso, essa "não diferenciabilidade" pode ter várias outras justificações:

    Exemplo 7. \(\;f(x)=H(x)-x^2=\begin{cases}1-x^2,& x\geqslant 0\\ -x^2,& x\lt 0 \end{cases}.\quad\) Esta função tem máximo absoluto (logo, local) em \(x=0:\) \(f(0)=1.\;\) Mas, neste ponto, \(f\) não é contínua e, portanto, não é diferenciável.

    Exemplo 8. \(f(x)=|x|\) no domínio \(D_f=\mathbb{R}\) tem \(\min f(x)=f(0)=0\) (mínimo absoluto, logo, relativo). No entanto, não existe nenhum ponto onde \(f'(0)=0.\) Neste caso, o extremo relativo ocorre num ponto do interior do domínio, mas \(f\) não é diferenciável nesse ponto.

    Este é também o caso do exemplo 7. Outro exemplo pode ser \(f(x)=\sqrt{|x|}\) (verifique!).

Isto significa que, no estudo dos extremos da função \(f\), a condição \(f'(x)=0\) só serve para identificar candidatos a pontos de extremo no interior do domínio, onde \(f\) é diferenciável, os quais ainda têm que ser analisados por outros processos para podermos concluir se é ou não extremo. À parte destes ainda temos que analisar os pontos nos extremos do domínio (Exemplos 9 e 10) e aqueles que, sendo interiores ao domínio, não são contudo pontos de diferenciabilidade de \(f\), uma vez que \(f\) pode ter aí extremos relativos (Exemplos 7, 13 e 14).

Em seguida, vamos estudar os Teoremas de Rolle, Lagrange e Cauchy. Depois de, nas aulas anteriores, termos estudado o conceito de derivada e termos visto as suas propriedades locais, ou seja, aquelas que só dependendem da derivada num ponto, e suas implicações para uma vizinhança deste ponto (relação com continuidade, extremos relativos) e regras de cálculo de derivadas, vamos agora aplicar esse conceito ao estudo de funções. Esse estudo é baseado nas consequências daqueles três teoremas os quais, por esse motivo, são por vezes designados pelos Teoremas Fundamentais do Cálculo Diferencial. Não vamos insistir nesta designação para não haver confusão com o Teorema Fundamental do Cálculo que veremos mais adiante, relacionado com o Integral.

O Teorema de Rolle

Neste capítulo vamos considerar intervalos do tipo \([a,b]\) em que subentendemos sempre que \(a\lt b\) são dois números reais (logo, finitos).

O seguinte resultado é consequência do Teorema de Weierstrass, juntamente com o teorema da aula anterior que relaciona extremos locais com pontos críticos:

Teorema de Rolle. Seja \(f\) uma função contínua em \(\left[a,b\right]\) e diferenciável em \(\left]a,b\right[\).
Se \(f(a)=f(b)\), então existe \(c\in\left]a,b\right[\) tal que, \[f'(c)=0\,.\]

Demonstração

Como \(f\) é contínua em \([a,b],\) pelo Teorema de Weierstrass, existem \(\;m=\min f([a,b])\;\) e \(\,M=\max f([a,b])\).

Interpretação geométrica: No gráfico de uma função nas condições do teorema, entre dois pontos com a mesma ordenada há pelo menos um ponto de tangente horizontal.

Se eliminarmos a hipótese de \(f\) ser diferenciável, a conclusão do teorema poderá ser falsa. Vejam, por exemplo, os exemplos \(\;x^{2/3}\;\) e \(\;1-|x|.\;\) Em ambos os casos, \(\;f(-1)=f(1)=0,\;\) mas não existe nenhum ponto \(c\) onde \(f'(c)=0.\)

Consequências importantes:

Os seguintes corolários resultam facilmente do Teorema de Rolle. Obtenha-os:

Corolário 1. Entre dois zeros de uma função diferenciável \(f(x)\) num intervalo há pelo menos um zero da derivada \(f'(x)\).

Corolário 2. Um função \(f(x)\) diferenciável num intervalo no qual a derivada não possui zeros, não pode ter mais do um zero nesse intervalo.

EXEMPLOS DE APLICAÇÂO:

Exemplo 9. Mostre que, se \(f\) é duas vezes diferenciável (isto é, \(f''=(f')'\) existe e é finita em todos os pontos de \(\mathbb{R}\)), e tem 3 zeros, então \(f''\) tem, pelo menos, um zero.
Resposta: Se \(f(r_1)=f(r_2)=f(r_3)=0\), com \(r_1\lt r_2\lt r_3\), então, pelo teorema de Rolle (ou pelo Corolário 1), existem \(s_1\in\left]r_1,r_2\right[\) e \(s_2\in\left]r_2,r_3\right[\) tais que \(f'(s_1)=f'(s_2)=0\). Aplicando uma segunda vez o mesmo resultado, concluimos que existe (pelo menos) um zero de \(f''\) em \(\left]s_1,s_2\right[.\)

Exemplo 10. Justifique que a equação \(e^x=3x\) tem exactamente 2 soluções.
Vemos separadamente:
(i) Teorema de Bolzano: tem, pelo menos 2 soluções:
Resposta: Seja \(f(x)=e^x-3x.\) Então \(\displaystyle\lim_{x\to -\infty}f(x)=\lim_{x\to +\infty}f(x)=+\infty\), \(f(1)\lt 0\). Logo, existem \(c_1\lt 1\) e \(c_2\gt 1\), tais que \(f(c_1)=f(c_2)=0\)
(ii) Teorema de Rolle: não tem mais do que duas soluções:
Resposta: Consideramos a mesma função \(f\). É diferenciável em \(\mathbb{R}\) e \(f'(x)=e^x-3.\) Então \(f'(x)=0\) sse \(x=\ln 3\), portanto apenas uma solução. Pelo Corolário 2, \(f\) tem no máximo duas soluções: uma em \(\;\left]-\infty,\ln 3\right[\;\) e outra em \(\;\left]\ln 3,+\infty\right[.\;\)

O Teorema de Lagrange

O seguinte teorema resulta directamente do Teorema de Rolle:

Teorema de Lagrange. Seja \(f\) uma função contínua em \(\left[a,b\right]\) e diferenciável em \(\left]a,b\right[\).
Então existe \(c\in\left]a,b\right[\) tal que, \[f'(c)=\frac{f(b)-f(a)}{b-a}\,.\]

A demonstração é um exercício que se sugere que façam: basta aplicar o Teorema de Rolle, não à função \(f(x)\) mas sim à função \[g(x)=f(x)-mx\,, \quad\text{com a constante}\quad m=\dfrac{f(b)-f(a)}{b-a}.\] Repare que o ponto \(c\) que o Teorema de Rolle garante para a função \(g\), satisfaz o Teorema de Lagrange para a função \(f.\)

Esta demonstração é muito instrutiva e, ela própria, indica uma interpretação do Teorema de Lagrange: o que se está a fazer é subtrair uma recta de forma a que a recta secante ao gráfico que passava nos pontos \((a,f(a))\) e \((b,f(b))\) fique horizontal para a função \(g(x)\). Grosso modo, o Teorema de Lagrange é a "forma oblíqua" do Teorema de Rolle.

Veja uma ilustração na seguinte App do GeoGebra. Clique no campo "tangente" e deslize os pontos A e B sobre o gráfico para ver, em cada intervalo, a recta de declive \(m\) que une os pontos extremos nesse intervalo, e a recta tangente no ponto \(c\) cuja existência é assegurada pelo Teorema de Lagrange:

Interpretação geométrica: Nas condições do teorema de Lagrange, existe um ponto no interior do intervalo em que o declive da recta tangente ao gráfico nesse ponto é igual ao declive da recta secante que passa pelos pontos extremos do gráfico \(A=(a,f(a))\), \(B=(b,f(b))\) .

É também sugestiva a seguinte interpretação física: se \(x\) fôr o tempo decorrido e \(f(x)\) o espaço percorrido por um corpo até ao instante \(x\), então haverá pelo menos um instante em que a velocidade instantânea iguala a velocidade média em todo o percurso.

A importância deste teorema fica bem visível com as suas consequências seguintes:

Corolário 3. Se \(f\) é uma função diferenciável num intervalo I e, para todo \(x\in I\), \(f'(x)=0\), então \(f\) é uma função constante nesse intervalo.

Corolário 4. Se \(f,g\) são duas funções diferenciáveis num intervalo \(I\) e, para todo o \(x\in I\), \(f'(x)=g'(x)\) então \(f-g\) é constante nesse intervalo.

Corolário 5. Seja \(f\) uma função contínua em \(\left[a,b\right]\) e diferenciável em \(\left]a,b\right[\).
  Se para todo o \(x\in\left]a,b\right[\), \(f'(x)\gt 0\), então \(f\) é estritamente crescente em \(\left[a,b\right]\).
  Se para todo o \(x\in\left]a,b\right[\), \(f'(x)\lt 0\), então \(f\) é estritamente decrescente em \(\left[a,b\right]\).

O corolário 3 obtem-se aplicando o Teorema de Lagrange a qualquer intervalo fechado \([x_1,x_2]\) contido em \(I\). Repare que estamos nas condições de aplicação do Teorema de Lagrange. Como a condição \(f'(x)=0\) em todos os pontos de \(I\), implica que, para aquele intervalo se tenha \(\;\frac{f(x_2)-f(x_1)}{x_2-x_1}= 0\;\) , concluimos que \(f(x_1)=f(x_2)\). Logo, \(f\) é constante em \(I\).

O corolário 4 obtem-se do primeiro aplicando-o à função \(h(x)=f(x)-g(x)\) (Exercício).

O corolário 5 obtem-se aplicando o Teorema de Lagrange a qualquer intervalo \([x_1,x_2]\) contido em \([a,b]\). Com a condição \(f'(x)\gt 0\) para todo \(x\in]a,b[\), obtem-se \(\;\frac{f(x_2)-f(x_1)}{x_2-x_1}\gt 0\;\) e, portanto, \(f(x_2)\gt f(x_1)\). Para o outro caso é semelhante.

Os dois primeiro corolários são fundamentais no estudo de funções e veremos mais adiante a sua importância no Cálculo Integral. O terceiro é a justificação matemática da ideia que os alunos já têm de que derivada positiva implica função estritamente crescente enquanto que derivada negativa implica função estritamente decrescente. Este resultado só pode ser obtido com a aplicação do teorema de Lagrange. A ideia geométrica com base na interpretação do declive da recta tangente serve para termos alguma intuição sobre o assunto mas não para justificar a afirmação.

OBSERVAÇÕES:

1. No corolário 3, se o domínio não for um intervalo, então o resultado pode falhar. Por exemplo, \[f(x)=\frac{|x|}{x}\,,\qquad D_f=\mathbb{R}\setminus\{0\}.\] Então, \(f'(x)=0\), para todo \(x\in D_f\) e, no entanto, \(f\) não é constante em \(D_f\).

2. A mesma observação para o corolário 4. O mesmo exemplo serve, porque, se considerarmos a função constante \(g(x)=0\) em \(\mathbb{R}\), temos \(f'(x)=g'(x)=0\), para todo \(x\in D_f\), e, no entanto, \(f-g=f\), logo, não é uma função constante.

3. Para o corolário 5 é válida uma observação semelhante: Se \(D_f\) não é um intervalo, o corolário 5 pode falhar. Um exemplo: \[f(x)=\frac{1}{x},\qquad D_f=\mathbb{R}\setminus \{0\}.\]

Neste caso, \(f'(x)=-\dfrac{1}{x^2}\lt 0\), para todo \(x\in D_f\), e no entanto, \(f\) não é decrescente!. Basta, por exemplo, ver que \(f(1)\gt f(-1)\). No entanto, é estritamente decrescente em cada um dos intervalos \(\left]-\infty,0\right[\) e \(\left]0,+\infty\right[\).

4. No corolário 5, nas condições indicadas, temos as implicações num só sentido:

  • \(f'\gt 0\;\) em \(\;]a,b[\quad\Rightarrow \quad f\) é estritamente crescente em \(\left]a,b\right[\).
  • \(f'\lt 0\;\) em \(\;]a,b[\quad\Rightarrow \quad f\) é estritamente decrescente em \(\left]a,b\right[\).
  • A implicação recíproca \(\Leftarrow\) é falsa em geral. Veja, por exemplo, \(f(x)=x^3\). É estritamente crescente em \(\mathbb{R}\), mas \(f'(0)=0.\) No entanto, nas condições dos corolários as seguintes implicações são válidas:

  • \(f\) é crescente (estritamente ou não) em \([a,b]\quad\Rightarrow\quad f'\geqslant 0\;\) em \(\;\left]a,b\right[\).
  • \(f\) é decrescente (estritamente ou não) em \([a,b]\quad\Rightarrow\quad f'\leqslant 0\;\) em \(\;\left]a,b\right[\).
  • Estas afirmações resultam da aplicação directa da própria definição de derivada e não do Teorema de Lagrange. Exercício: obtenha-as, começando por estudar o sinal da razão incremental \(\displaystyle\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\), em cada um dos dois casos.

    Intervalos de monotonia e extremos

    O corolário 5 (3.8.36 em [AB]), permite-nos, estudando o sinal da derivada, identificar intervalos contidos no domínio da função onde a função é estritamente monótona. Estes intervalos designam-se por intervalos de monotonia. A identificação destes intervalos e dos extremos relativos e absolutos forma uma parte fundamental do estudo de uma função. Na próxima aula veremos outra ferramenta para averiguar se \(f\) tem ou não um extremo relativo num ponto específico recorrendo à segunda derivada: a concavidade da função. No entanto, se os intervalos de monotonia já tiverem sido identificados, e se a função for contínua nesse ponto, é possível decidir se é ponto de máximo, de mínimo ou se não é extremo, sem usar a segunda derivada, recorrendo à seguinte consequência do corolário 5,

    Corolário 6 Seja \(f\) contínua num intervalo \(I\) e \(a\) um ponto interior a \(I\).
     Se \(f'\lt 0\) em \(]a-\varepsilon, a[\) e \(f'\gt 0\) em \(]a, a+\varepsilon[\), então \(f\) tem mínimo relativo em \(a\).
     Se \(f'\gt 0\) em \(]a-\varepsilon, a[\) e \(f'\lt 0\) em \(]a, a+\varepsilon[\), então \(f\) tem máximo relativo em \(a\).

    Repare que este resultado não requer que \(f\) seja diferenciável no ponto \(a\). Um exemplo disto é a função \(f(x)=|x|\). Temos \(f'(x)=-1\lt 0\) se \(x\lt 0\), e \(f'(x)=1>0\) se \(x>0\). Como \(f\) é contínua em \(\mathbb{R}\), podemos, de acordo com este resultado, concluir que \(f\) tem um mínimo relativo em \(a=0\) (obviamente é também absoluto).

    No entanto, é importante que \(f\) seja contínua em \(a\). Veja o seguinte exemplo: \[f(x)=\begin{cases} -x &\text{se }\; x\lt 0\,,\\ x+1&\text{se }\; x\geqslant 0\,. \end{cases}\]

    Temos, \(\;f'(x)=\begin{cases} -1 &\text{se }\; x\lt 0\,,\\ 1&\text{se }\; x\gt 0\,,\quad \end{cases}\) não sendo \(f\) diferenciável no ponto \(0\). Como \(f(0)=1\gt f(0^-)=0\), concluimos que \(f\) não tem mínimo relativo em \(0\). Neste caso, a conclusão do corolário 6, não é aplicável porque \(f\) não é contínua em \(a=0\).

    Exemplos

    Exemplo 11. \(f(x)=x^4-8x^2=x^2(x^2-8)\,,\quad D_f=\mathbb{R}\).
      Mínimo relativo e absoluto em \(x=2\) e \(x=-2\), \(f(2)=f(-2)=-16\); máximo relativo, não absoluto, em \(x=0\), \(f(0)=0\). Contradomínio: \(C_f=[-16,+\infty[\).

    Exemplo 12. \(f(x)=e^{|x|}\,,\quad D_f=\mathbb{R}\).
      Mínimo relativo e absoluto em \(x=0\), \(f(0)=1\) (\(f\) contínua, não diferenciável em \(0\), usou-se o corolário 6). Contradomínio: \(C_f=[1,+\infty[.\)

    Exemplo 13. \(f(x)=\begin{cases} \operatorname{arctg}\dfrac{1}{|x|} &\text{se }\; x\not= 0\,,\\ \dfrac{\pi}{2}&\text{se }\; x= 0\,, \end{cases}\quad D_f=\mathbb{R}\).
      Máximo relativo e absoluto em \(x=0\), \(f(0)=\dfrac{\pi}{2}\) (\(f\) contínua, não diferenciável em \(0\), corolário 6). Contradomínio: \(C_f=\left]0,\dfrac{\pi}{2}\right].\)

    Exemplo 14. \(f(x)=\dfrac{e^x}{x}\), \(\quad D_f=\mathbb{R}\setminus\{0\}\).
      Mínimo relativo, não absoluto em \(x=1,\) \(f(1)=e\). Contradomínio: \(\left]-\infty,0\right[\cup \left[e,+\infty\right[.\)

    Aplicação a estimativas de funções

    Começe por compreender o exemplo 3.8.33 da página 77 de [AB]. Aqui o que se está a fazer é fixar um ponto base \(a\) (no caso do exemplo é \(a=0\)) e aplicar o Teorema de Lagrange ao intervalo \([a,x]\) no caso \(x\gt a\), ou ao intervalo \([x,a]\) no caso \(x\lt a\), onde \(x\) varia no domínio da função.

    Este exemplo ilustra um tipo de aplicações no qual se obtém estimativas (desigualdades) sobre funções a partir das derivadas dessas funções. Para esse tipo de aplicações podemos reescrever o Teorema de Lagrange da seguinte forma:

  • Seja \(f\) contínua num intervalo \(I\) e diferenciável em todos os seus pontos interiores. Seja \(a\in I\). Então, para cada \(x\in I\), existe \(c_x\) entre \(a\) e \(x\) (\(c_x\in\left]a,x\right[\) se \(x\gt a\), ou \(c_x\in \left]x,a\right[\) se \(x\lt a\)), tal que \[f(x)=f(a)+f'(c_x)(x-a).\]
  • Repare que \(c_x\) depende de \(x\) (daí a notação) e que o teorema só afirma a sua existência e não como se pode calcular. Além disso, poderá haver mais do que um valor possível para \(c_x\).
    Em geral, para simplificar a notação, usamos simplesmente o símbolo \(c\) em vez de \(c_x\). Esta última notação só foi usada para realçar a dependência de \(c\) na variável \(x\).

    Exemplos

    Exemplo 15. Provar que \(e^x\gt 1+x\), para qualquer \(x\gt 0\).

      Aplica-se o T. Lagrange a \(f(x)=e^x\), escolhendo para ponto base \(a=0\). Temos então que existe \(c\in\left]0,x\right[\), tal que \[e^x=e^0+e^c(x-0)\quad \Leftrightarrow\quad e^x=1+e^cx\,.\]   Como \(c\gt 0\) e nesse caso \(e^c\gt 1\), temos então, \[e^x>1+x.\] Também é verdade que \(e^x\gt 1+x,\) para \(x\lt 0\). Faça como exercício.
    (Reparem que \(y=1+x\) é a equação da recta tangente em \(x=0\) e, portanto, essencialmente estamos a dizer que todo o gráfico de \(e^x\) está acima dessa recta.)

    Exemplo 16. Provar que \(\operatorname{tg} x\gt x\), para todo \(x\in \left]0,\pi/2\right[\).

      Aplica-se o T. Lagrange a \(f(x)=\operatorname{tg} x\), escolhendo para ponto base \(a=0\). Seja \(0\lt x\lt \dfrac{\pi}{2}\). Como, \((\operatorname{tg}x)'=1+\operatorname{tg}^2 x\), temos então que existe \(c\in\left]0,x\right[\), tal que \[\operatorname{tg} x=\operatorname{tg} 0+(1+\operatorname{tg}^2 c)(x-0)\quad \Leftrightarrow\quad \operatorname{tg} x=(1+\operatorname{tg}^2 c)x\,.\]

       Temos então que, para \(x\in \left]0,\pi/2\right[,\) \[\operatorname{tg} x\gt x.\] Note que, se \(x\in \left]-\pi/2,0\right[\) temos \(\operatorname{tg} x\lt x.\) Reparem que \(y=x\) é a equação da recta tangente em \(x=0\) e, portanto, essencialmente estamos a dizer que o gráfico de \(\operatorname{tg} x\) está acima dessa recta se \(x\in\left]0,\pi/2\right[\), e abaixo dessa recta se \(x\in\left]-\pi/2,0\right[\). Nestas condições dizemos que \(0\) é um ponto de inflexão de \(f(x)\).

    Exemplo 17. Provar que, \(\arccos x\lt 1-x\), para todo \(x\in \left]0,1\right[\).

      Aplica-se o T. Lagrange a \(f(x)=\arccos x\), escolhendo para ponto base \(a=0\). Temos então que existe \(c\in\left]0,x\right[\), tal que \[\arccos x=\arccos 0-\frac{1}{\sqrt{1-c^2}}(x-0)\quad \Leftrightarrow\quad \arccos x=1-\frac{x}{\sqrt{1-c^2}}\,.\]   Mas, \(\displaystyle 0\lt\sqrt{1-c^2}\lt 1 \;\Rightarrow\;\frac{1}{\sqrt{1-c^2}}\gt 1 \;\Rightarrow\; -\frac{1}{\sqrt{1-c^2}}\lt -1\,,\;\) e, portanto, da igualdade anterior, \[\arccos x\lt 1-x.\]

    Como mais um exemplo, veja o exercício resolvido 6. da lista [RLC].

    O Teorema de Cauchy

    Teorema de Cauchy. Sejam \(f,g\) duas funções contínuas em \(\left[a,b\right]\), diferenciáveis em \(\left]a,b\right[\), e \(g'(x)\not=0\), para todo \(x\in \left]a,b\right[.\)
    Então existe \(c\in\left]a,b\right[\) tal que, \[\frac{f'(c)}{g'(c)}=\frac{f(b)-f(a)}{g(b)-g(a)}\,.\]

    Faça a demonstração como exercício, aplicando o Teorema de Rolle à função, \[h(x)=f(x)-mg(x)\qquad\text{com}\qquad m=\frac{f(b)-f(a)}{g(b)-g(a)}.\]

  • Uma das aplicações mais úteis do Teorema de Cauchy é um resultado que nos permite alargar consideravelmente o universo de limites que sabemos calcular (e logo das funções que conseguimos estudar). O objectivo é calcular \[\lim_{x\to a}\frac{f(x)}{g(x)}\] nos casos em que resulta numa indeterminação \(\dfrac{0}{0}\) ou \(\dfrac{\infty}{\infty}.\)
  • Observação importante: Aqui neste ponto enquadra-se o guia de estudo sobre a Regra de Cauchy já publicado anteriormente o qual deverá ser revisto agora. Relembremos a sua formulação e a sua demonstração como ilustração da aplicação do Teorema de Cauchy.

    Vamos deduzi-la para um dos casos possíveis. Sejam \(f,g\) contínuas em \([a,b]\), diferenciáveis em \(\left]a,b\right[\) e \(g'(x)\not=0\) neste intervalo. Além disso, suponhamos que, \[f(a)=g(a)=0.\] Assim, vamos ter um caso \(\dfrac{0}{0}\). Seja, \(x\in]a,b].\;\) Apliquemos o teorema de Cauchy ao intervalo \([a,x]\): existe \(c_x\in \left]a,x\right[\), tal que, \[ \frac{f'(c_x)}{g'(c_x)}=\frac{f(x)-f(a)}{g(x)-g(a)}=\frac{f(x)}{g(x)}\,. \] Suponhamos, como hipótese adicional, que existe \(b\in \overline{\mathbb{R}}\), tal que, \[b=\lim_{x\to a^+}\frac{f'(x)}{g'(x)}\,.\] Como \(x\to a^+\), e como \(a\lt c_x\lt x\), temos também \(c_x\to a^+\) e, concluimos que, \[\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim_{x\to a^+}\frac{f'(c_x)}{g'(c_x)}=b.\]

    Reparem que a conclusão só foi possível com a hipótese adicional da existência do \(\displaystyle\lim_{x\to a^+}\frac{f'(x)}{g'(x)}\). Sem esta hipótese, como veremos de seguida, não é possível assegurar sequer a existência do limite pretendido.

    Se \(f,g\) não forem definidas em \(a\) mas \(\displaystyle\lim_{x\to a^+}f(x)=\lim_{x\to a^+}g(x)=0\), podemos aplicar a conclusão anterior aos prolongamentos por continuidade ao ponto 0, \(F,G\), e obtemos o mesmo resultado, uma vez que \(\displaystyle \lim_{x\to a^+}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim_{x\to a^+}\frac{F(x)}{G(x)}.\)

    É fácil adaptar a demonstração atrás para provar o resultado correspondente para \(x\to a^-\) e, logo, resultando o caso \(x\to a\).

    Teorema: Regra de Cauchy (ou de l'Hôpital). Seja \(I\) um intervalo, \(a\in I\), e \(f,g\) funções diferenciáveis em \(I\setminus\{a\}\) onde \(g'(x)\not=0\). Se

  • \(\displaystyle\lim_{x\to a}f(x)=\lim_{x\to a}g(x)=0\)
  • ou

  • \(\displaystyle\lim_{x\to a}f(x)=\pm\infty,\qquad \lim_{x\to a}g(x)=\pm\infty\)
  • e se existe \(\displaystyle\lim_{x\to a}\frac{f'(x)}{g'(x)}\), em \(\overline{\mathbb{R}}\), então, \[\lim_{x\to a}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim_{x\to a}\frac{f'(x)}{g'(x)}\,.\]

  • A Regra de Cauchy é válida para os casos \(x\to a^+\) e \(x\to a^-\) desde que as hipóteses de diferenciabilidade e de \(g'\not=0\) sejam satisfeitas em intervalos \(]a,b[\;(a\lt b)\) e \(]b,a[\;(b\lt a)\), respectivamente, com a hipótese de existência do limite de \(\dfrac{f'}{g'}\) quando \(x\to a^+\) e \(x\to a^-\).
  • A Regra de Cauchy é válida para os casos \(x\to +\infty\) e \(x\to -\infty\) desde que as hipóteses de diferenciabilidade e de \(g'\not=0\) sejam satisfeitas em intervalos \(]a,+\infty[\) e \(]-\infty,a[\), respectivamente, com a hipótese de existência do limite de \(\dfrac{f'}{g'}\) quando \(x\to +\infty\) e \(x\to -\infty\).
  • Exemplo 18. Calcular, se existir, \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\frac{1-\cos x}{x^2}\).

    Sejam \(f(x)=1-\cos x\;\) e \(\;g(x)=x^2\). Temos que \(f(0)=g(0)=0\), são diferenciáveis em \(\mathbb{R}\) e \(g'(x)\not=0\) se \(x\not=0\). Podemos aplicar então o resultado anterior se existir o limite \(\;\displaystyle\lim_{x\to 0}\frac{f'(x)}{g'(x)}\), o que vamos averiguar: \[\lim_{x\to 0}\frac{f'(x)}{g'(x)}=\lim_{x\to 0}\frac{\operatorname{sen}x}{2x}=\frac{1}{2}.\] Concluimos que o limite pedido existe e é dado por \[\lim_{x\to 0}\frac{1-\cos x}{x^2}=\frac{1}{2}.\]