Aulas teóricas 18 a 20

Funções definidas em intervalos: propriedades globais da continuidade.
O Teorema de Bolzano (ou do valor intermédio). Aplicações.
Teorema da continuidade da função inversa:
Consequência: continuidade das raizes e trigonométricas inversas.
O Teorema de Wierstrass.

DIFERENCIABILIDADE:
Derivada de uma função num ponto. Derivadas laterais.
A recta tangente.
Continuidade das funções diferenciáveis.
Regras de derivação:
-Derivadas de funções elementares.
-Derivada da soma, produto e quociente
-Derivada da função composta.
-Derivada da função inversa. Derivada das trigonométricas inversas.

Funções contínuas em intervalos. Propriedades globais da continuidade

Material de estudo:

Estudamos agora propriedades que são consequências da continuidade de uma função em todo um intervalo e, portanto, não basta a continuidade em torno de um ponto.

Os grandes teoremas desta secção são:

  • O Teorema de Bolzano (ou do valor intermédio)
  • O Teorema de Weierstrass
  • O Teorema da continuidade da função inversa
  • Estes resultados estão expostos no texto [AB], páginas 60-66, e qualquer um deles é muito importante. Para verem exercícos onde eles se aplicam, recomendo os exercícios resolvidos da lista [CG]. Numa ficha das aulas práticas há problemas semelhantes.

    Começemos por referir que usamos a expressão "a função \(f\) é contínua num conjunto \(A\subset D_f\)" para dizer que \(f\) é contínua em todos os pontos \(a\in A.\)

    Exemplo 1 A função de Heaviside \[\; H(x)=\begin{cases}0, & x\lt 0\\ 1, & x\geqslant 0 \end{cases}\;\] não é uma função contínua porque não é contínua no ponto \(0\in D_f.\,\) No entanto, \(H\) é contínua em cada um dos seguintes subconjuntos do seu domínio \(\mathbb{R}\): \[\left]-\infty,0\right[,\qquad \left]0,+\infty\right[,\qquad \left]-\infty,0\right[\cup\left]0,+\infty\right[=\mathbb{R}\setminus \{0\}.\]

    Vamo-nos dedicar agora a propriedades que resultam da continuidade de uma função num intervalo contido no seu domínio. Recordemos que os intervalos formam um tipo muito especial de conjuntos. Em particular, é de observar que os intervalos são os únicos conjuntos com a seguinte propriedade:

    Um conjunto \(I\subset\mathbb{R}\) é um intervalo sse, dados \(a,b\in I\) arbitrários, todos os pontos entre \(a\) e \(b\) pertencem a \(I.\)

    De facto, nesta parte da matéria, esta é a forma mais conveniente de entender o conceito de intervalo.

    Teorema de Bolzano (ou do valor intermédio)

    Trata-se de um resultado aplicável a intervalos do tipo \(\;I=\left[a,b\right],\;\) com \(\;a\lt b\;\) reais (portanto, finitos), também conhecidos com intervalos fechados e limitados.

    Teorema de Bolzano (ou do valor intermédio). Seja Então, qualquer que seja \(k\) estritamente compreendido entre \(f(a)\) e \(f(b)\), existe \(c\in\left]a,b\right[\) tal que \[f(c)=k.\]

    É mais uma aplicação do Axioma do supremo.

    Vamos supôr, para simplificar ideias, que \(f(a)\lt f(b)\) (pode ver, como exercício, o caso \(f(a)\gt f(b)\)). Tome-se, de acordo com o enunciado, \(k\) tal que \(f(a)\lt k\lt f(b)\).

    Defina-se \(A\) como conjunto de todos os pontos \(x\in I\) tais que \[f(x)\lt k\,.\] Então,

  • \(A\not=\emptyset\): de facto, pela forma como \(k\) foi escolhido, \(a\in A\);
  • \(A\) é majorado: de facto, \(b\) é um majorante de \(A\) (porque \(A\subset \left[a,b\right]\)).
  • Logo, pelo axioma do supremo, existe \[c=\sup A.\]

    Verifiquemos agora, que \(c\in\left]a,b\right[\) e que, \(f(c)=k.\)

    Por definição de supremo, existe uma sucessão \(x_n\in A\) tal que \(x_n\to c\). Mas \(f(x_n)\lt k\), por definição de \(A\), e logo, por continuidade, teremos \[k\gt f(x_n)\to f(c),\] donde concluimos \[f(c)\leqslant k.\] Isto exclui, em particular, a possibilidade \(c=b\), pelo que \(c\lt b\). Mas, por definição de \(A\) e do supremo, temos \[x\in\left]c,b\right[\quad\Rightarrow\quad x\notin A\quad \Rightarrow\quad f(x)\geqslant k\] donde concluimos que \[f(c^+)\geqslant k.\] Combinando os resultados anteriores e usando a continuidade em \(c\), \[k\leqslant f(c^+)=f(c)\leqslant k,\] pelo que, concluimos que \[f(c)=k,\] e, portanto \(c\not=a\), ou seja, \(c\in\left]a,b\right[\).

    Em seguida enunciamos duas consequências que fornecem duas formas úteis de aplicar o teorema de Bolzano. A dedução da primeira com base no teorema anterior é imediata. A segunda é uma forma de reescrever a primeira:

    Corolário 1

    Uma função \(f\) contínua em todos os pontos entre dois pontos \(a,b\in D_f\) tais que que \(f(a)\) e \(f(b)\) têm sinais diferentes, tem necessariamente um zero entre \(a\) e \(b\).

    Corolário 2

    Uma função \(f\) contínua em todos os pontos entre dois pontos \(a,b\in D_f\) tal que não se anula em nenhum ponto entre \(a\) e \(b\) não muda de sinal nesse intervalo.

  • O primeiro resultado é muito útil para detectar zeros de funções e obter intervalos onde sabemos eles estarem o que pode ser muito conveniente para se obter estimativas sobre esses zeros.
  • A segunda propriedade é a que nos permite, por exemplo, construir tabelas de sinais de uma função contínua. Assim, se forem detectados todos os zeros de uma função contínua, sabemos que entre eles a função tem sinal fixo.
  • Repare que são ambas consequências da continuidade global. Se houver, pelo menos, um ponto em \(I=\left[a,b\right]\) onde a função não seja contínua, ou se o domínio não é um intervalo, então, aqueles resultados são falsos em geral:

    Exemplo 2. \(f:[-1,1]\to \mathbb{R}\) dada por \(f(x)=-1\) se \(x\in\left[-1,0\right[\), e \(f(x)=1\) se \(x\in [0,1]\). Apesar de \(f(-1)\lt 0\lt f(1)\), não existe \(c\in\left]-1,1\right[\) tal que \(f(c)=0.\) Neste caso, o resultado referido anteriormente não é aplicável porque \(f\) não é contínua em \(I\).

    Exemplo 3. \(f:[-1,1]\setminus\{0\}\to \mathbb{R}\) dada por \(f(x)=\dfrac{1}{x}\), para cada \(x\in D_f\). Apesar de \(f(-1)\lt 0\lt f(1)\), não existe \(c\in D_f\) tal que \(f(c)=0.\) Neste caso, o resultado referido anteriormente não se verifica porque, apesar de \(f\) ser contínua (isto significa, contínua em \(D_f\)!), o domínio de \(f\) não é um intervalo.

    Ponto fixo de uma função \(f\): é qualquer valor \(c\in D_f\) que satisfaz, \[f(c)=c.\] De forma equivalente, é qualquer zero da função \(g\) definida por \[g(x)=f(x)-x.\]

    Para mais ilustrações de aplicações do Teorema de Bolzano (ou dos seus corolários), apresentam-se os seguintes exemplos:

    Exemplo 4. A equação \(e^x+\sqrt{x}=2\) tem, pelo menos, uma solução em \(\left]0,1\right[\). De facto, se \(f(x)=e^x+\sqrt{x}\), então \(f\) é contínua em \(I=[0,1]\), e além disso, \(f(0)=1\), \(f(1)=e+1\gt 2\) e, portanto, \[f(0)\lt 2\lt f(1).\] Logo, o Teorema de Bolzano permite-nos concluir o resultado.

    Exemplo 5. Seja \(f:\mathbb{R}\to \mathbb{R}\) dada por \(f(x)=e^x-2.\) Então, \(f\) tem dois pontos fixos em \(\mathbb{R}\). Ou seja, a equação \(f(x)=x\) tem duas soluções. De facto, sendo \(f\) contínua em \(\mathbb{R}\), o mesmo acontecerá com a função \(g(x)=f(x)-x.\;\) Além disso, \[\;g(-2)=e^{-2}\gt 0,\qquad g(0)=-1\lt 0\;,\qquad g(2)=e^2-4\gt 0\,\] e o Corolário 1 (ou o Teorema de Bolzano) permite-nos concluir que \(g\) tem, pelo menos, um zero em \(\left]-2,0\right[\) e, pelo menos, um zero em \(\left]0,2\right[\), ou seja, \(f\) tem, pelo menos, um ponto fixo em cada um destes intervalos.

    NOTA: Para já, não podemos dizer se o número de pontos fixos de \(f\) é exactamente 2. Para isso, teremos que estudar os intervalos de monotonia da função \(g\), o que será feito com base no estudo do sinal da derivada de \(g\).

    Exemplo 6. O polinómio \(x^7-x^4+3\) tem contradomínio \(\mathbb{R}\). De facto, seja \(f(x)=x^7-x^4+3,\;\) a qual é contínua em \(\mathbb{R}\). Então, \[\lim_{x\to -\infty}f(x)=-\infty\,,\qquad \lim_{x\to +\infty}f(x)=+\infty. \qquad \text{(Verifique!)}\] Logo, dado um real arbitrário \(k\), existe sempre um \(a\lt 0\), tal que \(f(a)\lt k,\;\) e um \(b\gt 0,\;\) tal que \(f(b)\gt k.\;\) O teorema de Bolzano permite-nos concluir que existe, pelo menos, um \(c\in\left]a,b\right[\) tal que \(f(c)=k\). Logo, \(k\in C_f\). Como \(k\) é um número real qualquer, concluimos que \(C_f=\mathbb{R}.\)

    NOTA: Este é um caso particular do seguinte resultado que se recomenda que demonstre, generalizando o raciocínio deste exemplo:

  • Qualquer polinómio de grau ímpar tem, pelo menos um zero.
  • Exemplo 7. Seja \(f:\mathbb{R}\to \mathbb{R}\) contínua, tal que \(\displaystyle\lim_{x\to -\infty}f(x)=0\;\) e \(\;\displaystyle\lim_{x\to +\infty}f(x)=2\). Então, podemos concluir a) e b) seguintes:

    (a)\(\quad\left]0,2\right[\subset C_f\).

    (b)   Com a hipótese adicional de \(f\) ser estritamente crescente podemos concluir que \(C_f=\left]0,2\right[\).

    (Mostre como exercício que estas afirmações são verdadeiras usando o teorema de Bolzano e vendo o exemplo anterior)

    Este resultado é um caso particular da seguinte proposição cuja demonstração segue os mesmos passos usados para deduzir (a) e (b):

    Proposição. Seja \(f\) uma função contínua no intervalo aberto \(\left]a,b\right[\subset\mathbb{R},\;\) tal que existem \(f(a^+)\not=f(b^-)\) em \(\overline{\mathbb{R}}\). Então, \[\left]f(a^+),f(b^-)\right[\subset f\left(\left]a,b\right[\right)\quad\text{ se }\quad f(a^+)\lt f(b^-),\qquad \text{ ou }\qquad \left]f(b^-),f(a^+)\right[\subset f\left(\left]a,b\right[\right)\quad\text{ se }\quad f(a^+)\gt f(b^-).\] Se \(f\) é estritamente monótona, então a relação \(\subset\) é substituida por igualdade em ambos os casos.

    Esta proposição é útil para estudar contradomínios de funções contínuas em intervalos:

    Exemplo 8. Estudar o contradomínio da função \(f:\mathbb{R}\to \mathbb{R}\) definida por, \[ f(x)=\begin{cases} \operatorname{arctg}\frac{1}{x},& x\lt 0\\ x^2, & x\geqslant 0. \end{cases}\]

    Como, \[\lim_{x\to -\infty}f(x)=0,\quad\text{ e }\quad f(0^-)=\lim_{x\to 0^-}\operatorname{arctg}\frac{1}{x}=-\frac{\pi}{2},\] e como \(f\) é contínua e estritamente decrescente em \(\;\left]-\infty,0\right[,\;\) concluímos que \(\;f(\left]-\infty,0\right[)=\left]-\dfrac{\pi}{2},0\right[.\;\)

    Como, por outro lado, \[f(0^+)=f(0)=0,\quad\text{ e }\quad \lim_{x\to +\infty}f(x)=+\infty,\]

    como \(f\) é contínua e estritamente crescente em \(\;\left]0,+\infty\right[\;\) concluímos que \(\;f(\left[0,+\infty\right[)=\left[0,+\infty\right[.\;\)

    Concluindo: \[C_f=f(\left]-\infty,0\right[)\cup f(\left[0,+\infty\right[)=\left]-\dfrac{\pi}{2},0\right[\cup \left[0,+\infty\right[=\left]-\dfrac{\pi}{2},+\infty\right[.\]

    Se \(f\) é contínua num intervalo \(I,\) então, dados \(k,l\in f(I),\) pelo teorema de Bolzano temos que todos os valores entre \(k\) e \(l\) pertencem a \(f(I).\) Relembrando a caracterização dos intervalos dada no início deste guia de estudo, isto é o mesmo que dizer que \(f(I)\) é também um intervalo. Temos então a seguinte proposição que pode ser vista como outra forma de enunciar o Teorema de Bolzano:

    Proposição. Funções contínuas transformam intervalos em intervalos, ou seja, se o domínio é um intervalo \(I,\) também a sua imagem \(f(I)\) será um intervalo.

    Podemos então dizer que, se \(I\) é um intervalo então, \[f\text{ é contínua em }I\quad\Rightarrow\quad f(I)\text{ é um intervalo.}\] Será que a recíproca desta afirmação é verdadeira? Ou seja, será que se \(I\) for um intervalo e \(f(I)\) for um intervalo podemos concluir que \(f\) é contínua em \(I\)? A resposta é não! Um contraexemplo:

    Exemplo 9. A função \(\;f(x)=\begin{cases} x, & 0\leqslant x\leqslant 1\\ x-1, &1\lt x\leqslant 2\end{cases}\quad\) satisfaz \(f([0,2])=[0,1]\) e, no entanto, não é contínua em \([0,2].\)

    No entanto, com uma condição extra já fica verdadeira:

    Proposição. Seja \(I\) um intervalo. Então, \[f \hbox{ é estritamente monótona em }I\; \text{ e }\;f(I)\text{ é um intervalo }\quad\Rightarrow\quad f\text{ é contínua em }I.\]

    Vamos supôr que \(I\) é um intervalo aberto: \(I=]a,b[.\) Vamos também admitir que \(f\) é estritamente crescente. O caso estritamente decrescente deixa-se como exercício.

    Como \(f\) é estritamente crescente em \(I,\) dado \(c\in I\) existem \(f(c^-)\) e \(f(c^+)\) e são finitos: \[f(c^-)=\sup f(]a,c[),\quad f(c^+)=\inf f(]c,b[).\]

    Por absurdo, vamos supôr que \(f\) não era contínua em \(c.\) Então teria de ocorrer \(f(c^-)\lt f(c^+).\) Escolhendo um \(k\not=f(c)\) tal que, \(f(c^-)\lt k\lt f(c^+)\), ter-se-ia \(k\notin f(]a,c[)\cup\{f(c)\}\cup f(]c,b[)=f(I).\) Teríamos então \(f(a^+)\lt k \lt f(b^-)\) tal que \(k\notin f(I)\) o que é absurdo dadas as hipóteses e a caracterização dos intervalos do início deste guia de estudo aplicado ao intervalo \(f(I)=]f(a^+),f(b^-)[.\)

    O Teorema da continuidade da função inversa

    Portanto, vimos:

    1. \[ \left. \begin{aligned} &I \text{ é um intervalo}\\ &f \text{ é contínua em }I\quad \end{aligned} \right\}\quad\Rightarrow\quad f(I) \text{ é um intervalo.} \]
    2. \[ \left. \begin{aligned} &I \text{ é um intervalo}\\ &f \text{ é estritamente monótona em }I\quad\\ &f(I) \text{ é um intervalo}\qquad \end{aligned} \right\}\quad\Rightarrow\quad f \text{ é contínua em }I. \]

    Vejamos como combinando estas duas afirmações se obtem um resultado muito importante para o estudo da continuidade de algumas funções:

    HIPÓTESES: \(f\) é contínua e estritamente monótona num intervalo \(I\)

    TESE: \(f^{-1}\) é uma função contínua em \(J=f(I).\)

    Deduzimos então:

    Teorema (da continuidade da função inversa):

    Se \(f\) é contínua e estritamente monótona no intervalo \(I\) então \(f^{-1}\) é contínua no intervalo \(J=f(I).\)
    Aplicações deste teorema:

    Já falámos na potência \(x^a\) com \(a\) natural. O caso \(a\) racional positivo, ou seja, \(a=p/q\), com \(p,q\) naturais, pode ser definido por \(x^{p/q}=\sqrt[q]{x^p}.\;\) Também fica definido para expoente racional negativo por \(x^{-a}=\dfrac{1}{x^a.}\,\) No entanto, fica por definir \(x^a\) quando \(a\) é um número irracional. Uma forma de definir \(x^a\), para \(x\geqslant 0\) e \(a\in\mathbb{R}\) qualquer é \[ x^a=e^{a\ln x} \] (Observação: A exponencial \(e^x\) pode ser definida pelo limite \(e^x=\lim \left(1+\frac{x}{n}\right)^n.\))
    Como, para qualquer \(a\in\mathbb{R},\) a definição dada de \(f(x)=x^a\) é através da composta da exponencial com o produto \(a\ln x\), ambas contínuas nos seus domínios, concluímos que também

    Se juntarmos estes resultados aos vistos nas últimas aulas, concluímos que A partir destas funções formam-se outras usando somas, diferenças, produtos, quocientes e composições daquelas funções. As novas funções assim obtidas são também contínuas em virtude dos teoremas da aula anterior.

    O Teorema de Weierstrass

    Uma das aplicações importantes do Cálculo é o estudo de extremos (mínimos e máximos) de funções. Recordemos que, para uma função \(f\) definida em \(I\) dizemos que:

    onde \(\min\) e \(\max\) referem-se ao mínimo e máximo de um conjunto como definidos nas primeiras aulas da disciplina. Da mesma forma, temos o supremo e ínfimo da função \(f\), \(\sup f(I)\) e \(\inf f(I),\) respectivamente.

    Exemplo 1.: \(\;f(x)=1+x^2\) com \(I=\mathbb{R}.\;\) \(f\) tem mínimo em \(x=0\): \(\min f(\mathbb{R})=f(0)=1.\) No entanto, não tem máximo, uma vez que a função não é majorada.

    Exemplo 2.: Novamente \(\;f(x)=1+x^2\;\) mas agora com \(I=[-1,1].\;\) \(f\) tem mínimo em \(x=0\): \(\min f(I)=f(0)=1,\;\) e tem máximo em \(x=-1\) e \(x=1\): \(\;\max f(I)=f(-1)=f(1)=2.\)

    Exemplo 3.: \(\;f(x)=\dfrac{1}{x}\;\) em \(I=\mathbb{R}^+.\;\) \(f(I)=\mathbb{R}^+\) e, por isso, \(f\) não tem mínimo nem máximo em \(I.\)

    Exemplo 4.: \(\;f(x)=\dfrac{1}{x}\;\) em \(I=]0,1].\;\) \(f(I)=[1,+\infty[\) e, por isso, \(f\) não tem máximo em \(I.\) Tem mínimo em \(x=1\): \(\min f(I)=f(1)=1.\)

    Exemplo 5.: \(\;f(x)=\dfrac{1}{x}\;\) em \(I=[1,2].\;\) \(f(I)=[\frac{1}{2},1]\) e \(f\) tem mínimo em \(x=2\): \(\min f(I)=f(2)=\frac{1}{2},\;\) e máximo em \(x=1\): \(\max f(I)=f(1)=1\)

    Exemplo 6.: \(\;f(x)=\operatorname{tg}x\;\) em \(I=\left]-\dfrac{\pi}{2},\dfrac{\pi}{2}\right[.\;\) Como \(f(I)=\mathbb{R},\;\) podemos concluir que \(f\) não tem mínimo nem máximo em \(I.\)

    Em cada um destes exemplos, a função \(f\) é contínua em \(I.\) No entanto, constatamos que, mesmo assim, tudo pode acontecer no que respeita à existência de mínimo e máximo de \(f\) em \(I\). Vemos mesmo no exemplo 6. que \(I\) pode ser um intervalo limitado e, no entanto, \(f\) pode não possuir mínimo nem máximo nesse intervalo. Na realidade, o que é que podemos dizer, com o que foi visto até agora, sobre a relação entre continuidade e existência de minorantes e majorantes da função? Apenas a seguinte afirmação, a qual resulta directamente da definição de limite e de continuidade (rever estas!):

    Se \(f\) é contínua no ponto \(a,\) então, existe uma vizinhança de \(a,\;\) \(V_{\delta}(a),\;\) tal que \(f\) é limitada em \(\;V_{\delta}(a)\cap D_f\).
    Mas se, por hipótese \(f\) é contínua num intervalo do tipo \(I=[a,b]\) com \(a,b\) finitos, podemos dizer mais. Repare que nos exemplos 2. e 5. em que \(I=[a,b]\) com \(a,b\in\mathbb{R}\), a função \(f\) tem simultaneamente mínimo e máximo em \(I.\) Isto não é por acaso. Na realidade temos o seguinte importante teorema:

    Teorema de Weierstrass. Seja \(I\) um intervalo limitado e fechado, isto é, \(I=[a,b]\;\) com \(a\leqslant b\;\) finitos. Se \(f\) é contínua em \(I\) então \(f\) tem máximo e mínimo em \(I\).

    A demonstração consiste em duas partes distintas:

    Parte 1: \(\;f(I)\;\) é um conjunto limitado (minorado e majorado)

    Começemos por notar que, em virtude da afirmação atrás sobre a relação de continuidade num ponto e a limitação da função, sabemos que existe \(\delta>0\) tal que \(f\) é limitada em \([a,a+\delta[\) e em \(]b-\delta,b].\;\) Provemos que também é limitada em \([a+\delta,b-\delta]:\)

    É mais uma aplicação do Axioma do supremo. Considere o conjunto \(A\in I\) formado por todos os pontos \(x\in I\) tais que \[f \text{ é limitada em } [a,x].\] Então, \(A\not=\emptyset\) (\(a\in A\)), e \(A\) é majorado (\(b\) é um majorante). Logo, pelo Axioma do Supremo, \[\text{existe }\, s=\sup A\in [a,b]\]

    A estratégia da prova consiste em mostrar que \(s=b:\) se fizermos isto, provamos que \(f\) é limitada em \([a,b-\delta]\) e, portanto, em \([a,b]\), em virtude do que foi dito acima.

    Façamo-lo por absurdo: vamos supôr que, contrariamente ao que queremos provar, \(s\lt b.\) Como \(s\in I\), \(f\) é contínua em \(s\) e, logo, existiria \(\varepsilon>0\) tal que \(f\) era limitada em \(]s-\varepsilon,s+\varepsilon[\). Mas então \(f\) seria limitada em \([a,s+\varepsilon]\) o que é absurdo porque isto iria contradizer o facto de \(s\) ser o supremo de \(A.\)

    Temos então, em virtude do Axioma do Supremo, que existem \(\inf f(I)\) e \(\sup f(I)\). Para provar que existe \(\min f(I)\) e \(\max f(I)\) temos que prosseguir para a:

    Parte 2: \(\;\inf f(I)\in f(I)\;\) e \(\;\sup f(I)\in f(I).\;\)

    Vamos apenas provar a existência do \(\max f(I).\) O caso do \(\min f(I)\) deixa-se como exercício.

    Seja \(M=\sup f(I)\). Admitamos, por absurdo, que \(M\notin f(I)\). Isto é equivalente a dizer que \(f(x)\not=M\), para todo \(x\in [a,b]\). Nesse caso, a função \[g(x)=\frac{1}{M-f(x)}\] é uma função contínua e estritamente positiva em \([a,b].\) Logo, é majorada em \([a,b],\) pela Parte 1. Ou seja, existe \(K>0\) tal que, para todo \(x\in[a,b]\) \[g(x)\lt K\quad\Longleftrightarrow\quad \frac{1}{M-f(x)}\lt K\quad\Longleftrightarrow\quad f(x)\lt M-\frac{1}{K}.\] Mas isto é impossível, porque nesse caso \(M\) não seria o menor dos majorantes de \(f(I)\) o que iria contradizer a definição de supremo. Ora, esta contradicção surgiu por admitirmos que \(M\notin f(I).\). Conclusão: \(\sup f(I)=M\in f(I).\)

    Exemplo 7. Consideremos a função \(f(x)=\ln(1+\frac{1}{x}).\;\) Se \(I=[a,b],\;\) com \(\;0\lt a\lt b\lt +\infty,\;\) então sabemos que existem \(\min f(I)\) e \(\max f(I),\) dado que, nesses intervalos fechados e limitados, \(f\) é contínua (por ser a composta do logaritmo com uma função racional).

    Exemplo 8. Neste exemplo abordamos um tipo de situação que se pode descrever da seguinte forma:

    Suponhamos que é dito que uma função \(f\) é contínua num intervalo \(I\) que não é fechado ou/e limitado. Nada podemos então dizer sobre a existência de \(\min f(I),\) e \(\max f(I).\) No entanto, é dada uma ou mais hipóteses suplementares que compensam, de alguma forma, o facto de \(I\) não cumprir as hipóteses do Teorema de Weierstrass e pede-se para provar que existe \(\max f(I),\) por exemplo. Este problema resolve-se, mostrando que é possível escolher um intervalo fechado e limitado \(I'\subset I\) tal que, para pontos \(x\) fora deste intervalo, \(f(x)\lt \max f(I')\) e, portanto, na realidade, \(\max f(I)=\max f(I').\)

    Um exemplo concreto: Seja \(\;I=[0,+\infty[\;\) e suponhamos que \(f:I\to \mathbb{R}\) é contínua e é dito que \(\;f(0)\gt 0\;\) e \(\;\displaystyle\lim_{x\to +\infty}f(x)=0.\;\) Questão: existirá necessariamente \(\max f(I)\)? A resposta é sim! Para o provar notemos que, pela definição de limite, existe \(R\gt 0\) tal que, para todo \(x\gt R\) se tem \(f(x)\lt f(0).\) Apliquemos o teorema de Weierstrass ao intervalo fechado e limitado \(I'=[0,R]\) o qual garante a existência de \(\max f(I').\;\) Mas, como \(0\in I',\) temos que para \(x\gt R,\) \(f(x)\lt f(0)\leqslant \max f(I').\;\) Fica provado que, de facto \(\max f(I')=\max f(I).\)


    Diferenciabilidade

    Material de estudo:

    A derivada de uma função num ponto

    Vamos definir um dos conceitos mais importantes desta disciplina: a derivada de uma função num ponto. Aliás, o próprio nome de "Cálculo Diferencial" está relacionado com este conceito, uma vez que "diferencial" é um termo que aparece sempre associado ao conceito de derivada. Geometricamente, queremos determinar o declive da recta tangente ao gráfico de \(f\) no ponto de abcissa \(a\), ou seja, no ponto \((a,f(a))\). Também podemos interpretar como a velocidade instantânea em \(x=a\) se \(x\) representar o tempo e \(f(x)\) o deslocamento.

    A razão incremental \[\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\] dá o declive da recta secante que passa pelos pontos do gráfico de abcissas \(x\) e \(a\), ou seja, os pontos \((x,f(x))\) e \((a,f(a))\). Interpretando novamente \(x\) como o tempo e \(f(x)\) como o deslocamento, a razão incremental representa a velocidade média do corpo durante o tempo decorrido entre \(a\) e \(x\). Se quisermos passar à velocidade instantânea em \(x=a\) não podemos obviamente substituir \(x\) por \(a\) na razão incremental: o resultado seria \(\frac{0}{0}.\) O processo correcto será o de passagem ao limite quando \(x\to a.\)

    Para uma visualização geométrica de como neste processo de passagem ao limite as rectas secantes se vão aproximando da recta tangente em \(x=a\) aconselho que usem a App do Geo Gebra no fim destas notas.

    Na nossa definição vamos supôr que \(a\in D_f\) é tal que existe um intervalo \(]a-\varepsilon,a+\varepsilon[\subset D_f\). Neste caso diz-se que \(a\) é um ponto interior a \(D_f.\) Por exemplo, o conjunto dos pontos interiores a \([-1,1]\) é \(]-1,1[.\)

    Temos entãoa definição:

    Definição: Seja \(f\) uma função de domínio \(D\) e \(a\) um ponto interior a \(D.\) Designa-se por derivada de \(f\) no ponto \(a\) o seguinte limite se este existir em \(\overline{\mathbb{R}}:\) \[f'(a)=\lim_{x\to a}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}.\] Portanto, \(\;D_1=D_{f'}\,,\;\) e usaremos os dois símbolos indiferentemente.
    A seguinte expressão obtida por mudança de variável \(x=a+h\) é equivalente à definição em cima:
    \[f'(a)=\lim_{h\to 0}\frac{f(a+h)-f(a)}{h}.\]

    Visualização da definição de derivada

    Veja na seguinte aplicação do GeoGebra como, quando o ponto do gráfico Q de coordenadas \((x,f(x))\) se aproxima do ponto P de coordenadas \(\;(a,f(a)),\;\) a recta secante que passa por P e Q, representada a amarelo, se aproxima da recta tangente ao gráfico no ponto P representada a verde. O comprimento do segmento vertical a azul dá o declive de cada uma das secantes. Veja como esse declive se aproxima do declive da recta tangente, o qual é igual a \(f'(a).\)

    Clicando aqui abre uma nova janela no browser com a applet

    Vejamos uns primeiros exemplos de derivadas:

    Exemplos.

    Exemplo 9: \(\;f(x)=mx+b\;\) com \(m,b\) constantes. Então, em cada \(a\in\mathbb{R}:\) \[f'(a)=\lim_{x\to a}\frac{(mx+b)-(ma+b)}{x-a}=\lim_{x\to a}\frac{m(x-a)}{x-a}=m\] Logo, \(D_1=\mathbb{R}\) e a função derivada é dada por \(f'(x)=m,\) para todo \(x\in D_1.\)

    Exemplo 10: \(\;f(x)=x^2.\;\) Então, em cada \(a\in \mathbb{R},\) \[f'(a)=\lim_{x\to a}\frac{x^2-a^2}{x-a}=\lim_{x\to a}\frac{(x-a)(x+a)}{x-a}=\lim_{x\to a}(x+a)=2a.\] Logo, \(D_1=\mathbb{R}\) e a função derivada é dada por \(f'(x)=2x,\) para cada \(x\in D_1.\)

    Exemplo 11: \(\;f(x)=\sqrt{x}.\;\) Então, em cada \(a\) interior ao domínio da raiz quadrada, isto é, \(a\in \mathbb{R}^+,\) \[f'(a)=\lim_{x\to a}\frac{\sqrt{x}-\sqrt{a}}{x-a}=\lim_{x\to a}\frac{x-a}{(x-a)(\sqrt{x}+\sqrt{a})}=\lim_{x\to a}\frac{1}{\sqrt{x}+\sqrt{a}}=\frac{1}{2\sqrt{a}}.\] Logo, \(D_1=\mathbb{R}^+\) e a função derivada é dada por \(f'(x)=\dfrac{1}{2\sqrt{x}},\) para cada \(x\in D_1.\)

    A seguir exemplifica-se um caso em que a derivada num ponto existe mas é infinita:

    Exemplo 12: \(\;f(x)=\sqrt[3]{x}.\;\) Vejamos a derivada no ponto específico \(a=0:\) \[f'(0)=\lim_{x\to a}\frac{\sqrt[3]{x}-\sqrt[3]{0}}{x-0}=\lim_{x\to 0}\frac{x^{1/3}}{x}=\lim_{x\to a}\frac{1}{x^{2/3}}=+\infty.\]

    Este resultado não é de estranhar, uma vez que a recta tangente na origem ao gráfico desta função é uma recta vertical.

    Logo, \(0\notin D_1,\;\) ou seja, \(\;f\;\) não é diferenciável em \(\;0\;\) apesar de aí ter derivada.


    Derivadas laterais

    O estudo da diferenciabilidade de uma função num ponto, requer por vezes que analizemos separadamente a existência do limite da razão incremental à esquerda e à direita do ponto, se a função fôr dada por expressões diferentes à esquerda e à direita do ponto. Por isso, é útil a seguinte
    Definição: Definem-se as derivadas laterais esquerda e direita de \(f\) em \(a\), como, respectivamente, \[f'_{e}(a)=\lim_{x\to a^-}\frac{f(x)-f(a)}{x-a},\qquad f'_{d}(a)=\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)-f(a)}{x-a},\] se existirem.
    Temos então,
    Teorema: Seja \(a\) um ponto interior a \(D_f.\) Então \(f\) é diferenciável em \(a\) sse existem \(f'_e(a)\) e \(f'_d(a)\) em \(\mathbb{R}\) e são iguais. Nesse caso, \[f'(a)=f'_e(a)=f'_d(a).\]

    Exemplo 13. \(\;f(x)=|x|.\;\) Para \(x\lt 0,\) \(f'(x)=-1,\) e, para \(x\gt 0,\) \(f'(x)=1.\;\) Em \(x=0,\) temos, \[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-} -1=-1,\qquad f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+} 1=1.\] Logo, como \(f'_e(0)\not=f'_d(0),\) concluímos que \(f\) não é diferenciável em \(0.\) Portanto, \(D_1=\mathbb{R}\setminus \{0\}\) (no entanto, veja que é contínua em \(0\)).

    Exemplo 14. \(\;f(x)=x|x|.\;\) Para \(x\lt 0,\) \(f'(x)=-2x,\) e, para \(x\gt 0,\) \(f'(x)=2x.\;\) Em \(x=0,\) temos, \[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{x|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-} |x|=0,\qquad f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{x|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+} |x|=0.\] Logo, como \(f'_e(0)=f'_d(0)=0,\) concluímos que \(f\) é diferenciável em \(0,\) e \(f'(0)=0.\) Portanto, \(D_1=\mathbb{R}\).

    Exemplo 15. \(\;f(x)=\sqrt{|x|}.\;\) Para \(x\lt 0,\) \(f'(x)=-\frac{1}{2\sqrt{x}},\) e, para \(x\gt 0,\) \(f'(x)=\frac{1}{2\sqrt{x}}.\;\) Em \(x=0,\) temos, \[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{\sqrt{|x|}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-}\frac{1}{-\sqrt{|x|}}=-\infty,\qquad f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{\sqrt{|x|}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+}\frac{1}{\sqrt{|x|}}=+\infty.\] Logo, como \(f'_e(0)\not=f'_d(0),\) concluímos que \(f\) não tem derivada em \(0\) (nem finita nem infinita). Logo, não é diferenciável em \(0,\) e \(D_1=\mathbb{R}\setminus \{0\}\).

    Exemplo 16. Considere a seguinte função definida "por ramos": \[f(x)=\begin{cases} \dfrac{\pi x}{2}, & x\leqslant 0,\\ x\operatorname{arctg}\dfrac{1}{x},& x\gt 0 \end{cases}\] Começemos por ver que, como \(f(0^-)=f(0)=f(0^+)=0,\) sabemos que \(f\) é contínua em \(0.\) Vejamos se é diferenciável em \(0.\) Para isso, calculemos as derivadas laterais: \[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{\frac{\pi x}{2}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-}\dfrac{\pi}{2}=\dfrac{\pi}{2},\qquad f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{x\operatorname{arctg}\frac{1}{x}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+}\operatorname{arctg}\frac{1}{x}=\dfrac{\pi}{2}.\] Como \(f_e'(0)=f_d'(0)=\dfrac{\pi}{2},\) concluímos que \(f\) é diferenciável em \(0\) com \(f'(0)=\dfrac{\pi}{2}.\)

    Para os restantes pontos aplicam-se as regras de derivação dadas adiante.

    Observação importante: Não confundir \[f_d'(a)=\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\quad\text{com}\quad f'(a^+)=\lim_{x\to a^+}f'(x).\] São dois conceitos diferentes que podem não coincidir! Do mesmo modo, para \(f_e'(a)\) e \(f'(a^-).\) Apresenta-se um contraexemplo para ilustrar este facto:

    Exemplo 17 Considere a função, \[f(x)=\begin{cases} x^2\cos\dfrac{1}{x}, & x\not=0,\\ 0,& x=0. \end{cases}\] Então, \[f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{x^2\cos\frac{1}{x}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+}x\cos\frac{1}{x}=0,\quad \text{(por enquadramento!)}\] Do mesmo modo, pode ver que \(f'_e(0)=0.\) Concluímos que \(f'(0)=0.\)
    Vejamos agora \(f'(0^+)\) e \(f'(0^-).\) Para isso, temos que calcular \(f'(x)\) nos outros pontos. Para isso aplicamos as regras de derivação que são dadas à frente (já conhecidas do Ensino Secundário): para \(x\not=0,\) \[f'(x)=2x\cos \frac{1}{x}+\operatorname{sen}\frac{1}{x}.\] Já sabemos que não existe o limite desta expressão quando \(\;x\to 0^+,\;\) e, por isso, concluímos que não existe \(\;f'(0^+).\;\) De igual modo, para \(\;f'(0^-).\) Ou seja, \[\text{existe }f'(0)\text{ mas não existe } \lim_{x\to 0} f'(x).\] Ou seja ainda, \(f\) é diferenciável em \(0\) mas \(f'\)não é contínua em \(0\)!

    A recta tangente

    Relembrando a interpretação geométrica da derivada dada atrás, a recta tangente ao gráfico de \(f\) no ponto de abcissa \(a,\) será a recta que passa pelo ponto \((a,f(a))\) e tem declive \(m=f'(a).\) Ou seja,
    A recta tangente ao gráfico de \(f\) no ponto de abcissa \(a\) (ou, mais simplesmente, "em \(a\)") é a recta de equação, \[y=f(a)+f'(a)(x-a).\]
    Para \(x\) "muito próximo de \(a\)" esta recta dá uma aproximação dos valores de \(f(x).\;\) Mais à frente justificaremos esta afirmação com mais precisão.

    Exemplo 18. Recta tangente ao gráfico de \(f(x)=\operatorname{sen}x\) no ponto \(a=0:\) \[y=f(0)+f'(0)(x-0)=x.\] Num ponto arbitrário \(a\in \mathbb{R},\) a recta tangente será \[y=\operatorname{sen}a+\cos a(x-a).\]

    Veja, na seguinte App do GeoGebra a recta tangente em cada ponto do domínio da função tangente. Deslize o ponto ao longo do gráfico para obter a recta tangente em cada ponto do domínio da função. Esta App também mostra a função derivada \(f'.\) Também permite visualizar a interpretação da derivada \(f'(a)\) como o declive da recta tangente em \(a\).





    Continuidade das funções diferenciáveis

    Uma propriedade muito importante das funções diferenciáveis é dada pelo seguinte
    Teorema (da continuidade das funções diferenciáveis):

    Se \(f\) é diferenciável em \(a\) então \(f\) é contínua em \(a\)

    Demonstração

    Seja \(a\in D_1.\) Então, para cada \(x\in D\setminus\{a\}\) temos \[f(x)=f(a)+\frac{f(x)-f(a)}{x-a}(x-a).\] Mas, \[\lim_{x\to a}\left(f(a)+\frac{f(x)-f(a)}{x-a}(x-a)\right)=f(a)+f'(a)\cdot 0=f(a),\] e, portanto, \[\lim_{x\to a}f(x)=f(a),\] donde se segue a continuidade de \(f\) em \(a\).
    Reparemos que este teorema afirma: \[\hbox{diferenciabilidade em } a \quad\Rightarrow\quad \hbox{ continuidade em } a.\] Portanto, não é uma equivalência como aliás se pode ver com o exemplo 13 atrás.
    Mas, usando as regras da lógica, o teorema anterior é equivalente afirmar \[\hbox{não continuidade em } a \quad\Rightarrow\quad \hbox{ não diferenciabilidade em } a,\] o que dá um método prático para estabelecer a não diferenciabilidade em muitos casos. Tome-se o seguinte exemplo:

    Exemplo 19 A função de Heaviside \(\; H(x)=\begin{cases}0, & x\lt 0\\ 1, & x\geqslant 0 \end{cases}\quad\) não é contínua no ponto \(a=0.\) Concluímos imediatamente que \(H\) não é diferenciável em \(a=0.\) Então, \(D_1=\mathbb{R}\setminus\{0\}\) e a função derivada será \(H'(x)=0,\) para todo \(x\in D_1.\)

    Observação importante: Uma função \(f\) pode ser diferenciável num ponto \(a\) (e portanto, contínua nessse ponto) e, no entanto, \(f'\) não ser contínua em \(a.\;\) Ver exemplo 17.

    Regras de derivação

    Derivadas de algumas funções elementares

    Apresentam-se aqui algumas deduções. Repare que as derivadas da exponencial, logaritmo e funções trigonométricas são consequência dos limites notáveis introduzidos numa aula anterior. Na realidade esses limites notáveis não são mais do que derivadas em determinados pontos: \[\lim_{h\to 0}\frac{e^h-1}{h}=1\quad\Leftrightarrow\quad f'(0)=\lim_{h\to 0}\frac{e^{0+h}-e^0}{h}=1,\quad\text{ com }f(x)=e^x.\] \[\lim_{h\to 0}\frac{\ln(1+h)}{h}=1\quad\Leftrightarrow\quad f'(1)=\lim_{h\to 0}\frac{\ln(1+h)-\ln 1}{h}=1,\quad\text{ com }f(x)=\ln x.\] \[\lim_{h\to 0}\frac{\operatorname{sen} h}{h}=1\quad\Leftrightarrow\quad f'(0)=\lim_{h\to 0}\frac{\operatorname{sen} (0+h)-\operatorname{sen} 0}{h}=1,\quad\text{ com }f(x)=\operatorname{sen} x.\]

  • Derivada da função exponencial: \(f(x)=e^x\), com \(D=\mathbb{R}\). Fixe-se \(a\in\mathbb{R}\). Então, \[\lim_{h\to 0}\frac{e^{a+h}-e^a}{h}=e^a\cdot\lim_{h\to 0}\frac{e^{h}-1}{h}=e^a\] Logo, para qualquer real \(a\), \[f'(a)=e^a.\] Logo, o domínio de diferenciaabilidade de \(f\) é \(\mathbb{R}\) e a sua função derivada \(f'\) coincide com a própria função \(f\): \(f'(x)=f(x)=e^x\), para todo \(x\in\mathbb{R}\).
  • Derivada da função logaritmo: \(f(x)=\ln x\), com \(D=\mathbb{R}^+\). Fixe-se \(a\gt 0.\) Então, \[ \lim_{h\to 0}\frac{\ln(a+h)-\ln a}{h}=\lim_{h\to 0}\frac{\ln\left(\frac{a+h}{a}\right)}{h} =\frac{1}{a}\lim_{h\to 0}\frac{\ln\left(1+\frac{h}{a}\right)}{\frac{h}{a}}=\frac{1}{a}\,. \] Logo, para qualquer real \(a\), \[f'(a)=\dfrac{1}{a}.\] Logo, o domínio de diferenciabilidade de \(f\) é \(\mathbb{R}^+\) e \((\ln x)'=\dfrac{1}{x}\), para todo \(x\in\mathbb{R}^+\).
  • Derivada da função seno: seja \(f(x)=\operatorname{sen} x\) com domínio \(D=\mathbb{R}\). Então, para um real arbitrário \(a\), usando igualdades trigonométricas: \[\lim_{x\to 0}\frac{\operatorname{sen}(x)-\operatorname{sen} a}{x-a} =\lim_{x\to 0}\frac{2\operatorname{sen}\left(\frac{x-a}{2}\right)\cos\left(\frac{x+a}{2}\right)}{x-a}=\cos a.\] Logo, para qualquer real \(a\), \[f'(a)=\cos a.\] Ou seja, o domínio de diferenciabilidade de \(\operatorname{sen} x\) é \(\mathbb{R}\) e \((\operatorname{sen}x)'=\cos x\).
  • Derivada da função cosseno: seja \(f(x)=\cos x\) com domínio \(D=\mathbb{R}\). Então, para um real arbitrário \(a\), pode-se provar de uma forma semelhante: \[f'(a)=-\operatorname{sen}a\,.\] Ou seja, o domínio de diferenciabilidade de \(\cos x\) é \(\mathbb{R}\) e \((\cos x)'=-\operatorname{sen}x\).
  • Derivadas da soma, diferença, produto e quociente

    As regras de derivação para operações algébricas entre funções estão sintetizadas no seguinte teorema:
    Teorema (derivadas de operações algébricas com funções) Sejam \(f,g\) duas funções diferenciáveis no ponto \(a\). Então \(\;f\pm g,\;\) \(\;fg,\;\) \(\;\dfrac{f}{g}\;\) (se \(g(a)\not=0\)), são diferenciáveis em \(a\) e,

    Observação: uma consequência deste teorema é que ficamos a saber que somas, diferenças, produtos, quocientes de funções diferenciáveis nos seus domínios são funções diferenciáveis, excepto para o quociente em que é preciso excluir os pontos onde o denominador se anaula.
    A demonstração decorre faciçmente da definição de derivada.

    Saem deste teorema, como casos particulares, as regras seguintes,

    Exemplo 20. Se \(\;f(x)=x^2+\operatorname{sen}x,\;\) então, \(\;f'(x)=2x+\cos x,\;\) com \(\;D_1=D=\mathbb{R}.\)

    Exemplo 21. Se \(\;f(x)=x^2\operatorname{sen}x\cos x,\;\) então \[f'(x)=2x\operatorname{sen}x\cos x+x^2(\operatorname{sen}x\cos x)'=2x\operatorname{sen}x\cos x+x^2(-\operatorname{sen}^2x+\cos^2 x)\] com \(\;D_1=D=\mathbb{R}.\)

    Exemplo 22. Se \(\;f(x)=\displaystyle\frac{1}{\ln x},\;\) então, \(\;\displaystyle f'(x)=-\frac{1}{x\ln^2 x}\;\) com \(\;D_1=D=\mathbb{R}^+\setminus\{1\}\)

    Como consequência das derivadas vistas na aula anterior e do teorema acima, resulta a regra de derivação de mais uma função elementar importante:

    Exemplo 23. Regra de derivação da função tangente

    Para todo o \(\;x\in D_1=D_{\operatorname{tg}}=\mathbb{R}\setminus\{\frac{\pi}{2}+k\pi : k\in\mathbb{Z}\},\;\) temos, \[(\operatorname{tg}x)'=\left(\frac{\operatorname{sen }x}{\cos x}\right)'=\frac{(\operatorname{sen }x)'\cos x-\operatorname{sen }x (\cos x)'}{\cos^2 x} =\frac{\cos^2 x+\operatorname{sen }^2x}{\cos^2 x}=\frac{1}{\cos^2 x}.\] Alternativamente, da penúltima expressão podemos também obter a seguinte igualdade que irá ser fundamental mais à frente: \[(\operatorname{tg}x)'=1+\operatorname{tg}^2 x\,.\] Como as outras funções elementares que temos vindo a estudar o domínio de diferenciabilidade da função tangente coincide com o próprio domínio da função.

    Outras funções trigonométricas:

    Exemplo 24. cotangente: Para todo o \(x\in D_1=D=\mathbb{R}\setminus\{k\pi : k\in\mathbb{Z}\},\) \[(\operatorname{cotg}x)'=\left(\frac{\cos x}{\operatorname{sen} x}\right)'=-\frac{1}{\operatorname{sen}^2 x}=-(1+\operatorname{cotg}^2x)\]

    Exemplo 25. secante: Para todo \(x\in D_1=D=\mathbb{R}\setminus\{\frac{\pi}{2}+k\pi : k\in\mathbb{Z}\},\;\) temos, \[(\operatorname{sec}x)'=\left(\frac{1}{\cos x}\right)'=\frac{\operatorname{sen }x}{\cos^2 x} =\operatorname{tg}x\sec x.\]

    Exemplo 26. cossecante: Para todo \(x\in D_1=D=\mathbb{R}\setminus\{k\pi : k\in\mathbb{Z}\},\;\) temos, \[(\operatorname{cosec}x)'=\left(\frac{1}{\operatorname{sen} x}\right)'=-\frac{\cos x}{\operatorname{sen}^2x}=-\operatorname{cotg}x\operatorname{cosec}x.\]

    Derivada da função composta

    Esta regra é um resultado extremamente importante para o cálculo de derivadas. Na realidade, todos as funções que aparecem ao longo desta disciplina serão construidas à custa das funções elementares dadas, não só através de somas, diferenças, produtos e quocientes entre essas funções, mas também através de suas compostas e funções inversas.

    Relembrando que, para cada \(x\in D_g\) tal que \(g(x)\in D_f\) se tem, por definição de função composta \[(f\circ g)(x)=f(g(x)),\] temos o seguinte teorema:

    Teorema (derivada da função composta)

    Se \(g\) é diferenciável em \(a\) e \(f\) é diferenciável em \(b=g(a),\) então, \(f\circ g\) é diferenciável em \(a\) e \[(f\circ g)'(a)=f'(g(a))g'(a).\]

    Não apresentaremos aqui a demonstração completa deste teorema, a qual pode ser vista nas referências no início deste guia de estudo, mas sim uma dedução simples para o caso em que \(g(x)\not= g(a)\) numa vizinhança de \(a:\)
    Da seguinte expressão evidente, \[\frac{f(g(x))-f(g(a))}{x-a}=\frac{f(g(x))-f(g(a))}{g(x)-g(a)}\cdot\frac{g(x)-g(a)}{x-a},\] fazendo \(x\to a\), atendendo à continuidade de \(g\), temos \(g(x)\to b=g(a),\) e uma vez que, \[\lim_{x\to a}\frac{f(g(x))-f(g(a))}{g(x)-g(a)}=\lim_{y\to b}\frac{f(y)-f(b)}{y-b}=f'(b)=f'(g(a)),\] temos o resultado pretendido.

    Muitas vezes aplica-se este resultado nos domínios respectivos:

    Se \(g\) é diferenciável em \(D_g\) e \(f\) diferenciável em \(D_f\), então \(f\circ g\) é diferenciável em \(D_{f\circ g}\) e \[(f(g(x))'=f'(g(x))g'(x).\]

    Exemplo 27. Se \(f(x)=\operatorname{sen}x\) e \(g(x)\) uma função diferenciável em \(D_g\), temos que \(D_{f\circ g}=D_g\), e o domínio de diferenciabilidade de \(f\circ g\) coincide com \(D_g\). \[(\operatorname{sen}g(x))'=\cos g(x)g'(x)\]

    Por exemplo, se \(g(x)=x^3\), teremos \[(\operatorname{sen} (x^3))'=\cos(x^3)(x^3)'=\cos(x^3)3x^2.\]

    Exemplo 28. Seja \(f\) uma função positiva e diferenciável em \(x\). Então, dado que \((\ln x)'=\frac{1}{x},\) temos que, \[(\ln(f(x)))'=\frac{f'(x)}{f(x)}.\]

    Exemplo 29. Usando o teorema da função composta de forma iterada: \[(\operatorname{sen}(e^{x+\ln x}))'=\cos(e^{x+\ln x})(e^{x+\ln x})'=\cos(e^{x+\ln x})e^{x+\ln x}(x+\ln x)'=\cos(e^{x+\ln x})e^{x+\ln x}\left(1+\frac{1}{x}\right).\]

    Terminamos a aula com uma consequência do teorema da função composta e das derivadas da exponencial e logaritmo:

    Exemplos 30. Derivadas das funções hiperbólicas:

    Do teorema da derivada da função composta temos: \((e^{-x})'=e^{-x}(-x)'=-e^{-x}.\;\) Com esta derivada e o teorema das derivadas das operações algébricas com funções, deduzimos: \[(\operatorname{senh}x)'=\left(\frac{e^x-e^{-x}}{2}\right)'=\cosh x,\qquad (\operatorname{cosh}x)'=\left(\frac{e^x+e^{-x}}{2}\right)'=\operatorname{senh}x.\]

    Derivada de \(f(x)^{g(x)}\):

    Seja \(f\) é uma função positva. Relembremos que,
    \[f(x)^{g(x)}=e^{g(x)\ln(f(x))}.\]
    e estamos em condições de calcular \(\left(f(x)^{g(x)}\right)'\):

    Exemplo 31. \[\begin{aligned}\left((1+\operatorname{sen}x)^{\cos x}\right)'&=\left(e^{\cos x \ln(1+\operatorname{sen} x)}\right)'= e^{\cos x \ln(1+\operatorname{sen} x)}(\cos x \ln(1+\operatorname{sen} x))'\\ &=(1+\operatorname{sen}x)^{\cos x}\left(-\operatorname{sen}x \ln(1+\operatorname{sen} x)+\frac{\cos^2 x}{1+\operatorname{sen} x}\right)\end{aligned}\]

    Podemos então demonstrar o seguinte resultado bem vosso conhecido:

  • Derivada da potência: Seja \(f(x)=x^a\) onde \(a\) é um real qualquer e \(x>0\). Então, \[f'(x)=(x^a)'=(e^{a\ln x})'=e^{a\ln x}(a\ln x)'=x^a \frac{a}{x}=ax^{a-1}.\]

    Observação: este resultado, no caso de \(a=n\) ser um número natural, pode ser obtido por indução. Para \(n=1\), temos \(x'=1\). Agora, admitamos a hipótese, \(\;(x^n)'=nx^{n-1}\;\). Então, \[(x^{n+1})'=(xx^{n})'=x^{n}+x(x^{n})'=x^n+xnx^{n-1}=(n+1)x^n,\] que é precisamente a tese de indução.
  • Mais exemplos de derivadas de funções compostas:

    Exemplos 32. \(\displaystyle\left(e^{1+\operatorname{tg}x}\right)'=\frac{e^{1+\operatorname{tx}x}}{\cos^2 x}\;,\qquad \left(e^{\frac{1}{x}}\right)'=-\frac{e^{\frac{1}{x}}}{x^2}.\)

    Exemplos 33. \(\displaystyle\left(a^x\right)'=\left(e^{x\ln a}\right)'=(\ln a)e^{x\ln a}=(\ln a)a^x\;,\quad a>0\;,\qquad \left(\log_a x\right)'=\left(\frac{\ln x}{\ln a}\right)'=\frac{1}{(\ln a)x}\,.\)

    Exemplos 34. \(\displaystyle\left(\operatorname{sen}(x^2)\right)'=2x\cos(x^2)\;,\qquad\left(\cos\frac{1}{x^2}\right)'=\frac{2}{x^3}\operatorname{sen}\frac{1}{x^2}\;.\)

    Exemplos 35. \(\displaystyle\left(\operatorname{senh}(\ln x)\right)'=\cosh(\ln x)\frac{1}{x}\;,\qquad \left(\cosh(\operatorname{sen}^2 x)\right)'=\operatorname{senh}(\operatorname{sen}^2x)2\operatorname{sen}x\cos x.\)

    Exemplos 36. Ilustrações da derivada da composta da potência \(x^a\) com uma função \(u(x)\), \[\left(u^a\right)'=au^{a-1}u'.\]

    Por exemplo:

    \[\left(\cos^3(\sqrt{x})\right)'=3\cos^2(\sqrt{x})\left(\cos (\sqrt{x})\right)'= 3\cos^2(\sqrt{x})\left(-\operatorname{sen}(\sqrt{x})\right)\left(\sqrt{x}\right)'= -\frac{3\cos^2\left(\sqrt{x}\right)\operatorname{sen}\left(\sqrt{x}\right)}{2\sqrt{x}},\] \[\left(\operatorname{tg}^4(\cos x)\right)'=4\operatorname{tg}^3(\cos x)\left(\operatorname{tg}(\cos x)\right)'= 4\operatorname{tg}^3(\cos x)\left(1+\operatorname{tg}^2(\cos x)\right)(-\operatorname{sen}x),\] \[\left(\sqrt{1+\ln^2x}\right)'=\frac{1}{2\sqrt{1+\ln^2x}}(1+\ln^2x)'=\frac{1}{2\sqrt{1+\ln^2x}}\frac{2\ln x}{x}=\frac{\ln x}{x\sqrt{1+\ln^2x}}.\]

    Exemplos 37. Casos \(\left(f(x)^{g(x)}\right)'\): \[(x^x)'=\left(e^{x\ln x}\right)'=e^{x\ln x}(x\ln x)'=x^x(\ln x+1)\,.\] \[\left((\sqrt{x})^{x^5}\right)'=\left(e^{x^5\ln \sqrt{x}}\right)'=e^{x^5\ln \sqrt{x}}\left(x^5\ln \sqrt{x}\right)'= (\sqrt{x})^{x^5}\frac{1}{2}(x^5\ln x)'=(\sqrt{x})^{x^5}\frac{5x^4\ln x+x^4}{2}\,.\]

    Derivada da função inversa

    Já vimos que \[f\;\text{ é injectiva e contínua num intervalo } I\quad\Rightarrow\quad f^{-1}\;\text{ é contínua no intervalo } J=f(I).\]

    Podemos enunciar um resultado correspodente para a diferenciabilidade dando, simultaneamente, uma expressão ("regra") para o cálculo da derivada da função inversa:
    Teorema (da derivada da função inversa): Seja \(f\) injectiva e contínua no intervalo \(I.\;\) Seja \(a\) um ponto interior a \(I.\;\) Se \(f\) é diferenciável em \(a,\) com \(f'(a)\not=0,\;\) então, \(\;f^{-1}\;\) é diferenciável em \(\;b=f(a)\;\) e \[(f^{-1})'(b)=\frac{1}{f'(a)}=\frac{1}{f'(f^{-1}(b))}.\]

    Fazendo a mudança de variável \(\;y=f(x)\;\Leftrightarrow\; x=f^{-1}(y),\;\) para \(\;y\in f(I),\;\) temos que, se \(\;y\to b\;\) então \(\;x\to a,\;\) já que \(\;f^{-1}\;\) é contínua em \(\;b=f(a).\;\) Por outro lado, de \(\;f'(a)\not=0,\;\) temos numa vininhança de \(a,\;\) \(f(x)\not=f(a)\;\Leftrightarrow\; y\not=b.\;\) Logo, \[\lim_{y\to b}\frac{f^{-1}(y)-f^{-1}(b)}{y-b}=\lim_{x\to a}\frac{x-a}{f(x)-f(a)}=\frac{1}{f'(a)},\] já que \(\;f'(a)\not=0.\)

    Não constituindo uma demonstração, mas se soubéssemos de antemão que \(\;f^{-1}\;\) era diferenciável, podíamos muito simplesmente deduzir a regra de derivação da função inversa a partir da regra de derivação da função composta: da derivação da igualdade \[f(f^{-1}(y))=y,\] no ponto \(\;y=b=f(a),\;\) obteríamos, pela regra de derivação da função composta, \[f'(f^{-1}(b))(f^{-1})'(b)=1\] donde sai imediatamente o resultado do teorema.

    Repare que, se \(f(x)\) satisfizer as condições do teorema em todos os pontos \(x\in I\), teremos:

  • \(\left.\begin{aligned}&f\;\text{ é injectiva, diferenciável e com }f'\not=0 \text{ num intervalo aberto } I\end{aligned}\right. \quad\Rightarrow\quad f^{-1}\;\text{ é diferenciável em } J=f(I),\)
    e, além disso, para todo \(y\in J\), \[\left(f^{-1}\right)'(y)=\frac{1}{f'(f^{-1}(y))}.\]
  • Apliquemos este resultado ao cálculo de funções inversas de funções elementares:

  • Função logaritmo.
  • Já deduzimos a derivada desta função directamente da definição. No entanto, pode-se também deduzir essa mesma derivada encarando a função logaritmo como a inversa da exponencial. Fazêmo-lo aqui como uma ajuda à compreensão de como se usa o Teorema da derivada da função inversa. Se, \[y=f(x)=e^x, \;\text{ com }\;D_f=\mathbb{R}\,,\quad C_f=\mathbb{R}^+\] então, \[x=f^{-1}(y)=\ln y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R}^+\,,\quad C_{f^{-1}}=\mathbb{R}\] Verifique que \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema com \(I=\mathbb{R}\) em todos os pontos. Logo, podemos usar a expressão atrás, levando em conta que \(f'(x)=(e^x)'=e^x,\): \[(\ln y)'=\frac{1}{e^{\ln y}}=\frac{1}{y}.\]
  • Funções raiz.
  • O resultado que vamos deduzir, também já o conhecemos: pode ser obtido pela regra da derivada de \(f^g\). No entanto, pela mesma razão que o logaritmo, apresentamos aqui uma dedução alternativa: Seja \(p\in\mathbb{N}\) e, \[y=f(x)=x^p, \;\text{ com }\;D_f=\mathbb{R}^+\,,\quad C_f=\mathbb{R}^+.\] Consideramos apenas \(x\gt 0\), para que \(f\) seja injetiva, quer para \(p\) ímpar, quer para \(p\) par. Então, \[x=f^{-1}(y)=\sqrt[p]{y}=y^{1/p},\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R}^+\,,\quad C_{f^{-1}}=\mathbb{R}^+.\] Então, atendendo a que \(f\) satisfaz todos os requisitos do teorema em todos os pontos de \(I=\mathbb{R}^+\), e que, \(f'(x)=px^{p-1}\) teremos então, \[\left(\sqrt[p]{y}\right)'=\frac{1}{px^{p-1}}=\frac{1}{p(y^{1/p})^{p-1}}=\frac{1}{p}y^{\frac{1}{p}-1}.\]
  • Inversas trigonométricas
  • Seja, \[y=f(x)=\operatorname{sen}x, \;\text{ com }\;D_f=\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right]\,,\quad C_f=\left[-1,1\right].\] Então, \[x=f^{-1}(y)=\operatorname{arcsen} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\left[-1,1\right],\quad C_{f^{-1}}=\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right]\,.\] Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\) e, portanto, \(\displaystyle J=\left]-1,1\right[\). Sendo assim, teremos para cada \(-1\lt y\lt 1,\) \[\left(\operatorname{arcsen}y\right)'=\frac{1}{(\operatorname{sen}x)'}=\frac{1}{\cos x}=\frac{1}{\cos(\operatorname{arcsen}y)} =\frac{1}{\sqrt{1-y^2}}.\] A última igualdade resulta de \(\operatorname{sen}^2x+\cos^2x=1\), fazendo a substituição \(x=\operatorname{arcsen}y\): \[y^2+\cos^2(\operatorname{arcsen}y)=1.\] Daqui sai o resultado, entrando em linha de conta que \(\cos(\operatorname{arcsen}y)\gt 0\) uma vez que \(\operatorname{arcsen}y\in\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[.\)

    Seja agora, \[y=f(x)=\cos x, \;\text{ com }\;D_f=\left[0,\pi\right]\,,\quad C_f=\left[-1,1\right].\] Então, \[x=f^{-1}(y)=\arccos y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\left[-1,1\right],\quad C_{f^{-1}}=\left[0,\pi\right]\,.\] Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left]0,\pi\right[\) e, portanto, \(\displaystyle J=\left]-1,1\right[\). Sendo assim, teremos para cada \(-1\lt y\lt 1,\) \[\left(\arccos y\right)'=\frac{1}{(\cos x)'}=\frac{1}{-\operatorname{sen} x}=-\frac{1}{\operatorname{sen}(\arccos y)} =-\frac{1}{\sqrt{1-y^2}},\] pela mesma razão apontada anteriormente (verifique!).

    Seja agora, \[y=f(x)=\operatorname{tg}x, \;\text{ com }\;D_f=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\,,\quad C_f=\mathbb{R}.\] Então, \[x=f^{-1}(y)=\operatorname{arctg} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R},\quad C_{f^{-1}}=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\,.\] Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\) e, portanto, \(\displaystyle J=\mathbb{R}\). Sendo assim, teremos para cada qualquer \(y\in\mathbb{R},\) \[\left(\operatorname{arctg}y\right)'=\frac{1}{(\operatorname{tg}x)'}=\frac{1}{1+\operatorname{tg}^2x}=\frac{1}{1+y^2}.\]

  • Inversas hiperbólicas
  • É possível deduzir as derivadas das inversas das funções hiperbólicas mesmo sem deduzir aquelas inversas explicitamente.

    Seja, \[y=f(x)=\operatorname{senh}x=\frac{e^x-e^{-x}}{2}, \;\text{ com }\;D_f=\mathbb{R}\,,\quad C_f=\mathbb{R}.\] Então, \[x=f^{-1}(y)=\operatorname{argsh} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R},\quad C_{f^{-1}}=\mathbb{R}\,.\] Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(\displaystyle I=\mathbb{R}\) e, portanto, \(\displaystyle J=\mathbb{R}\). Sendo assim, teremos para qualquer \(y\in\mathbb{R},\) \[\left(\operatorname{argsh}y\right)'=\frac{1}{(\operatorname{senh}x)'}=\frac{1}{\cosh x}=\frac{1}{\cosh(\operatorname{argsh}y)} =\frac{1}{\sqrt{1+y^2}}.\] Deduza a última igualdade, através de um procedimento análogo ao que usou no caso das funções circulares seno e cosseno mas agora usando \(\cosh^2x-\operatorname{senh}^2x=1\).

    Para o cosseno hiperbólico, temos \[\cosh x=\frac{e^x+e^{-x}}{2}, \;\text{ com }\;D_{\cosh}=\mathbb{R}\,,\quad C_{\cosh}=\left[1,+\infty\right[.\] Repare que é uma função par, estritamente crescente em \(\mathbb{R}^+\) (veremos mais tarde), \(f(0)=1\), \(\;\displaystyle\lim_{x\to+\infty}f(x)=+\infty.\) Tal como fizemos para o cosseno, para inverter temos que considerar uma restrição a um intervalo onde a função seja injectiva. Consideraremos então \[y=f(x)=\cosh x, \;\text{ com }\;D_f=\left[0,+\infty\right[\,,\quad C_f=\left[1,+\infty\right[.\] Então, \[x=f^{-1}(y)=\operatorname{argch} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\left[1,+\infty\right[,\quad C_{f^{-1}}=\left]0,+\infty\right[\,.\] Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left[0,+\infty\right[\) e, portanto, \(\displaystyle J=\left]1,+\infty\right[\). Sendo assim, teremos para cada \(y> 1,\) \[\left(\operatorname{argch} y\right)'=\frac{1}{(\cosh x)'}=\frac{1}{\operatorname{senh} x}=\frac{1}{\operatorname{senh}(\operatorname{argch} y)} =\frac{1}{\sqrt{y^2-1}}.\]

    Podemos agora combinar com o teorema da função composta:

    Exemplos. \[\left(e^{\operatorname{arcsen}x}\right)'=\frac{e^{\operatorname{arcsen}x}}{\sqrt{1-x^2}},\quad x\in\left]-1,1\right[,\qquad \left(\operatorname{arctg}(\sqrt{x})\right)'=\frac{\frac{1}{2\sqrt{x}}}{1+(\sqrt{x})^2}=\frac{1}{2\sqrt{x}(1+x)},\quad x\gt 0.\]

    Em geral, \[\left(\operatorname{arctg}u(x)\right)'=\frac{u'(x)}{1+u^2(x)}\;\qquad \left(\operatorname{arcsen}u(x)\right)'=\frac{u'(x)}{\sqrt{1-u^2(x)}}\;\qquad \left(\arccos u(x)\right)'=-\frac{u'(x)}{\sqrt{1-u^2(x)}}\]