Material de estudo:
Vimos na aula anterior que sucessões convergentes são sempre limitadas e que sucessões limitadas nem sempre são convergentes. Por outro lado, é óbvio que a condição de monotonia não garante que uma sucessão seja limitada (por exemplo, \(\;u_n=n\;\)) e, portanto, que seja convergente (relembre que se não for limitada não pode ser convergente). Também é óbvio que nem todas as sucessões convergentes são monótonas (por exemplo, \(\;u_n=\frac{(-1)^n}{n}.\))
Então, de que forma poderemos usar a monotonia no estudo da convergência de uma sucessão se ela, por si só não garante a convergência? A resposta a essa questão é o seguinte importante resultado, o qual é uma consequência direta do Axioma do supremo:Teorema (das sucessões monótonas e limitadas): Qualquer sucessão monótona e limitada é convergente.
Demonstração
Trata-se, como dissemos, de uma importante consequência direta do Axioma do supremo. Expliquemos o argumento para o caso de uma sucessão \(u_n\) majorada e crescente (logo, também minorada e, portanto, limitada). Para o caso de \(u_n\) ser minorada e decrescente é análogo e sugere-se que o faça como exercício:
Pelo axioma do supremo, existe \(a=\sup u_n\in\mathbb{R}.\;\) Vejamos que este é o limite da sucessão \(u_n.\) Dado que, por definição de supremo, \(a\) é o menor dos majorantes, dado \(\varepsilon\gt 0\), o número \(a-\varepsilon\) não pode ser um majorante da sucessão \(u_n\), isto é, existe pelo menos um termo \(u_p\gt a-\varepsilon.\;\) Mas sendo a sucessão \(u_n\) crescente, então, para todo \(n\gt p\) temos \(a-\varepsilon\lt u_p\leqslant u_n\leqslant a,\;\) e, portanto, \(u_n\in V_{\varepsilon}(a),\;\) ou seja, \(\;|u_n-a|\leqslant \varepsilon.\;\) Fica provado que \(u_n\to a.\)
Atenção! repetimos o que já dissemos atrás: uma sucessão convergente é sempre limitada mas pode não ser monótona, como se pode ver pelo exemplo \(\;u_n=\dfrac{(-1)^n}{n}.\)
Este teorema é particularmente útil quando temos uma sucessão para a qual não conhecemos a expressão do termo geral, mas com a ajuda do método de indução matemática, conseguimos provar que ela é monótona e limitada. É o que acontece com as sucessões definidas por recorrência como veremos na secção seguinte.
Punhamos a hipótese de existir o limite \(\;a=\lim u_n.\;\) Então, procedendo como no passo 3 do exemplo anterior teríamos \[\lim u_{n+1}=-\lim u_n\quad\Leftrightarrow\quad a=-a\quad\Leftrightarrow\quad 2a=0\quad\Leftrightarrow\quad a=0.\] Será que provámos que \(\;\lim u_n=0?\;\) A resposta é: obviamente não! Na realidade, reparem que a sucessão dada não é senão a sucessão \(\;u_n=(-1)^n,\;\) a qual já sabemos ser divergente, ou seja, não existe limite de \(\;u_n\;\).
O procedimento exemplificado atrás permite-nos abordar o problema do estudo da convergência de certas sucessões dadas por recorrência, isto é, na forma, \[\begin{cases} u_1=b\, &\\ u_{n+1}=f(u_n)\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] em que \(b\) é um real e \(f\) é uma função, ambos dados. No entanto, o problema pode ser mais intrincado do que o exemplo atrás. Consideremos um exemplo particularmente interessante por ser uma forma de aproximar \(\sqrt{2}\) por uma sucessão de racionais \(u_n.\) Trata-se da sucessão \(\;u_n\;\) definida por recorrência por \[\begin{cases} u_1=2\, &\\ u_{n+1}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] Não consituindo nenhuma prova, podemos contudo averiguar primeiro, se \(\;u_n\;\) tiver limite \(L\) qual é que ele terá que ser: \[L=\frac{L}{2}+\frac{1}{L}\quad\Leftrightarrow\quad L^2=2\quad \Leftrightarrow\quad L=\pm\sqrt{2}.\] É muito fácil ver, por indução, que \(u_n\gt 0,\) para qualquer \(n\in\mathbb{N}.\) Logo, a existir limite de \(u_n\), ele terá que ser \(\sqrt{2}.\) Podemos ver agora, que de facto, para todo \(n\in\mathbb{N}\) se tem \(u_n\geqslant \sqrt{2}:\) \[u_{n+1}-\sqrt{2}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}-\sqrt{2}=\frac{u_n^2+2-2\sqrt{2}u_n}{2u_n}=\frac{(u_n-\sqrt{2})^2}{2u_n}\geqslant 0.\] Daqui resulta a monotonia: \[u_{n+1}-u_n=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}-u_n=\frac{u_n^2+2-2u_n^2}{2u_n}=\frac{2-u_n^2}{2u_n}\leqslant 0.\] Logo, \(u_n\) é decrescente e, logo, majorada. Como já tínhamos visto que é minorada, concluímos que \(u_n\) é monótona e limitada, e portanto é convergente. Logo, \(\lim u_n=\sqrt{2}.\)