Aula teórica 10

Relação entre convergência, limitação e monotonia (conclusão):
O Teorema das sucessões monótonas e limitadas.
Limites de sucessões definidas por recorrência.

Material de estudo:

Os assuntos desta aula necessitam de um estudo apoiado na resolução de exercícios. A ficha 3 das aulas práticas tem vários exercícios sobres este assunto, os quais se aconselha que façam todos. Nos exercícios resolvidos sobre sucessões disponibilizados em Sucessões, os exercícios 10, 11 e 12 são particularmente úteis para esta parte da matéria.

Relação entre convergência, limitação e monotonia (conclusão): o teorema das sucessões monótonas e limitadas.

Vimos na aula anterior que sucessões convergentes são sempre limitadas e que sucessões limitadas nem sempre são convergentes. Por outro lado, é óbvio que a condição de monotonia não garante que uma sucessão seja limitada (por exemplo, \(\;u_n=n\;\)) e, portanto, que seja convergente (relembre que se não for limitada não pode ser convergente). Também é óbvio que nem todas as sucessões convergentes são monótonas (por exemplo, \(\;u_n=\frac{(-1)^n}{n}.\))

Então, de que forma poderemos usar a monotonia no estudo da convergência de uma sucessão se ela, por si só não garante a convergência? A resposta a essa questão é o seguinte importante resultado, o qual é uma consequência direta do Axioma do supremo:
Teorema (das sucessões monótonas e limitadas): Qualquer sucessão monótona e limitada é convergente.

Demonstração

Trata-se, como dissemos, de uma importante consequência direta do Axioma do supremo. Expliquemos o argumento para o caso de uma sucessão \(u_n\) majorada e crescente (logo, também minorada e, portanto, limitada). Para o caso de \(u_n\) ser minorada e decrescente é análogo e sugere-se que o faça como exercício:

Pelo axioma do supremo, existe \(a=\sup u_n\in\mathbb{R}.\;\) Vejamos que este é o limite da sucessão \(u_n.\) Dado que, por definição de supremo, \(a\) é o menor dos majorantes, dado \(\varepsilon\gt 0\), o número \(a-\varepsilon\) não pode ser um majorante da sucessão \(u_n\), isto é, existe pelo menos um termo \(u_p\gt a-\varepsilon.\;\) Mas sendo a sucessão \(u_n\) crescente, então, para todo \(n\gt p\) temos \(a-\varepsilon\lt u_p\leqslant u_n\leqslant a,\;\) e, portanto, \(u_n\in V_{\varepsilon}(a),\;\) ou seja, \(\;|u_n-a|\leqslant \varepsilon.\;\) Fica provado que \(u_n\to a.\)

Portanto, temos,

Atenção! repetimos o que já dissemos atrás: uma sucessão convergente é sempre limitada mas pode não ser monótona, como se pode ver pelo exemplo \(\;u_n=\dfrac{(-1)^n}{n}.\)

Este teorema é particularmente útil quando temos uma sucessão para a qual não conhecemos a expressão do termo geral, mas com a ajuda do método de indução matemática, conseguimos provar que ela é monótona e limitada. É o que acontece com as sucessões definidas por recorrência como veremos na secção seguinte.

Limites de sucessões por recorrência

Temo-nos concentrado, até agora, no estudo da convergência de sucessões quando é dada expressão do seu termo geral. Vimos, no entanto, que uma sucessão também pode ser definida por recorrência. Nestes casos, temos primeiro que estabelecer a existência do limite e, só depois, podemos proceder ao cálculo desse limite. Isto, porque temos que usar resultados que à partida, pressupõem a sua existência. Ilustramos o procedimento com um exemplo:
Seja, \(\;u_n\;\) a sucessão dada por recorrência por \[\begin{cases} u_1=2\, &\\ u_{n+1}=2+\dfrac{u_n}{3}\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] A ideia é usar a expressão de recorrência para obter uma equação em \(\;a=\lim u_n.\;\) Para garantir que esse limite existe, temos primeiro que usar o teorema das sucessões monótonas e limitadas. Temos então que recorrer ao método de indução matemática, pelo menos num dos passos da resolução. Dividimos esta resolução em três passos:
  1. Provamos que \(\;u_n\;\) é limitada. Mais específicamente que \[\forall n\in\mathbb{N},\quad 2\leqslant u_n\lt 3.\] Esta é a proposição \(P(n)\) que queremos provar por indução matemática.
    Para \(\;n=1:\quad\) \(2\leqslant u_1 \lt 3\;\Leftrightarrow\; 2\leqslant 2\lt 3\quad\) e, portanto \(P(1)\) é verdadeira.
    \(P(n)\Rightarrow P(n+1):\quad\) Admitamos que, para algum \(n\), a hipótese \(P(n)\) é verdadeira. Então, \[2\leqslant u_n\lt 3\quad\Leftrightarrow\quad 2+\frac{2}{3}\leqslant 2+\frac{u_n}{3}\lt 2+\frac{3}{3} \quad\Leftrightarrow\quad\frac{8}{3}\leqslant u_{n+1}\lt 3\quad\Rightarrow\quad 2\leqslant u_{n+1}\lt 3.\] A última dupla desigualdade é a tese \(P(n+1)\), concluindo assim a demonstração por indução. (Repare que a última passagem não é uma equivalência. Porquê?)
  2. Provamos agora que \(u_n\) é monótona: \[u_{n+1}-u_n=\left(2+\frac{u_n}{3}\right)-u_n=\frac{6-2u_n}{3}=\frac{2(3-u_n)}{3}\lt 0,\] em virtude da primeira parte. Logo, para todo \(\;n\in\mathbb{N},\;\) \(\;u_{n+1}\lt u_n,\;\) ou seja, \(\;u_n\;\) é decrescente.
  3. Temos então, usando o teorema das sucessões monótonas e limitadas: \[\left. \begin{aligned} &\text{Pelo passo 1, \(u_n\) é limitada}\;\\ &\text{Pelo passo 2, \(u_n\) é monótona}\; \end{aligned}\right\} \quad\Rightarrow\quad \text{\(u_n\) é convergente.} \] Seja então \(\;a=\lim u_n.\;\) Então, como \(\;u_{n+1}\;\) é uma subsucessão de \(\;u_n\;\) (na próxima aula veremos este conceito) e, portanto, \(\;\lim u_{n+1}=\lim u_n,\;\) ambos os membros da expressão que dá \(\;u_{n+1}\;\) em função de \(\;u_n\;\) são sucessões convergentes e, portanto, podemos escrever, usando as propriedades algébricas dos limites: \[\lim u_{n+1}=\lim\left(2+\dfrac{u_n}{3}\right)\quad\Leftrightarrow\quad a=2+\dfrac{a}{3}\quad\Leftrightarrow\quad \frac{6-2a}{3}=0\quad\Leftrightarrow\quad a=3.\] Conclusão:\(\;\lim u_n=3.\)
Podíamos pôr a seguinte questão: não poderíamos atalhar e passar directamente ao cálculo do limite no passo 3? Será que o "seu cálculo" não provaria a sua existência? A resposta é NÃO! Para se convencerem disso basta considerarem como exemplo a sucessão \(u_n\) dada por recorrência por, \[\begin{cases} u_1=-1\, &\\ u_{n+1}=-u_n\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\]

Punhamos a hipótese de existir o limite \(\;a=\lim u_n.\;\) Então, procedendo como no passo 3 do exemplo anterior teríamos \[\lim u_{n+1}=-\lim u_n\quad\Leftrightarrow\quad a=-a\quad\Leftrightarrow\quad 2a=0\quad\Leftrightarrow\quad a=0.\] Será que provámos que \(\;\lim u_n=0?\;\) A resposta é: obviamente não! Na realidade, reparem que a sucessão dada não é senão a sucessão \(\;u_n=(-1)^n,\;\) a qual já sabemos ser divergente, ou seja, não existe limite de \(\;u_n\;\).

O procedimento exemplificado atrás permite-nos abordar o problema do estudo da convergência de certas sucessões dadas por recorrência, isto é, na forma, \[\begin{cases} u_1=b\, &\\ u_{n+1}=f(u_n)\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] em que \(b\) é um real e \(f\) é uma função, ambos dados. No entanto, o problema pode ser mais intrincado do que o exemplo atrás. Consideremos um exemplo particularmente interessante por ser uma forma de aproximar \(\sqrt{2}\) por uma sucessão de racionais \(u_n.\) Trata-se da sucessão \(\;u_n\;\) definida por recorrência por \[\begin{cases} u_1=2\, &\\ u_{n+1}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] Não consituindo nenhuma prova, podemos contudo averiguar primeiro, se \(\;u_n\;\) tiver limite \(L\) qual é que ele terá que ser: \[L=\frac{L}{2}+\frac{1}{L}\quad\Leftrightarrow\quad L^2=2\quad \Leftrightarrow\quad L=\pm\sqrt{2}.\] É muito fácil ver, por indução, que \(u_n\gt 0,\) para qualquer \(n\in\mathbb{N}.\) Logo, a existir limite de \(u_n\), ele terá que ser \(\sqrt{2}.\) Podemos ver agora, que de facto, para todo \(n\in\mathbb{N}\) se tem \(u_n\geqslant \sqrt{2}:\) \[u_{n+1}-\sqrt{2}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}-\sqrt{2}=\frac{u_n^2+2-2\sqrt{2}u_n}{2u_n}=\frac{(u_n-\sqrt{2})^2}{2u_n}\geqslant 0.\] Daqui resulta a monotonia: \[u_{n+1}-u_n=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}-u_n=\frac{u_n^2+2-2u_n^2}{2u_n}=\frac{2-u_n^2}{2u_n}\leqslant 0.\] Logo, \(u_n\) é decrescente e, logo, majorada. Como já tínhamos visto que é minorada, concluímos que \(u_n\) é monótona e limitada, e portanto é convergente. Logo, \(\lim u_n=\sqrt{2}.\)