Aula teórica 9

Subsucessões. Os sublimites de uma sucessão.
Critério de convergência baseado em subsucessões..
Limites de sucessões definidas por recorrência.
A recta acabada: limites infinitos (início).

Material de estudo:

Subsucessões.

Prosseguimos o estudo da convergência de sucessões em \(\mathbb{R}.\;\) Na aula anterior vimos que, se constatarmos que uma dada sucessão é simultaneamente limitada e monótona, podemos deduzir imediatamente que ela é convergente (existe \(\;\lim u_n.\)) No entanto, se a sucessão em estudo fôr limitada mas não monótona (ou se não há certezas quanto à monotonia da sucessão) ela poderá ser convergente ou divergente. Nesse caso, uma ferramenta muito útil é o resultado que apresentamos nesta secção o qual usa o seguinte conceito:

Definição: Seja \(\;u_n\;\) uma sucessão. Designa-se por subsucessão de \(\;u_n,\;\) qualquer sucessão \(\;v_k\;\) que possa ser escrita como \[v_k=u_{n_k}\,,\quad \forall k\in\mathbb{N},\] onde \(n_k\) é uma sucessão de números naturais estritamente crescente.

Para entendermos o significado deste conceito, tomemos como exemplo a sucessão \(\;u_n=\dfrac{1}{n}:\;\) \[\frac{1}{1},\quad \frac{1}{2},\quad \frac{1}{3},\quad \frac{1}{4},\quad\frac{1}{5},\quad\frac{1}{6},\quad\frac{1}{7},\quad\frac{1}{8},\quad\dots\] Para \(n_k\) tomemos, por exemplo, a sucessão dos números naturais pares ordenados por ordem crescente e sem repetições, isto é, \(n_k=2k,\;k\in\mathbb{N}.\;\) Obtemos a subsucessão dos termos de ordem par de \(\;u_n:\;\) \(\;v_k=u_{2k}=\dfrac{1}{2k}:\) \[\frac{1}{2},\quad \frac{1}{4},\quad \frac{1}{6},\quad \frac{1}{8},\quad\frac{1}{10},\quad\frac{1}{12},\quad\frac{1}{14},\quad\frac{1}{16},\quad\dots\] Reparem que o que fizemos foi construir uma nova sucessão à custa de \(\;u_n\;\) selecionando uns termos, os que correspondem às ordens \(\;n=n_k,\;\) e desprezando os outros. O facto da sucessão das ordens selecionadas ser estritamente crescente e sem repetições significa que a ordenação dos termos na subsucessão respeita a ordenação com que esses mesmos termos apareciam na sucessão original \(\;u_n:\;\) por exemplo, \(\;\dfrac{1}{2}\;\) "aparece antes" de \(\;\dfrac{1}{4}\;\) em \(\;u_n\;\) e, por isso, o mesmo vai acontecer em \(\;v_k.\;\)

Outros exemplos para a mesma sucessão \(\;u_n\;\) do exemplo anterior:

Para simplificarmos os argumentos, muitas vezes substituimos a designação "subsucessão \(\;u_{n_k}\;\)", por uma mais intuitiva, desde que fique claro pelo contexto, qual é a subsucessão a que nos estamos a referir: por exemplo, em vez de \(\;u_{2k}\;\) (o primeiro exemplo acima), dizemos "a subsucessão \(\;u_n\;\) com \(\;n\; par.\)" De igual modo, em vez de dizermos a subsucessão \(\;u_{2k-1}\;\) (o segundo exemplo acima), dizemos "a subsucessão \(\;u_n\;\) com \(\;n\; ímpar.\)"

Para que não fiquem dúvidas sobre o conceito de subsucessão, diga porque que as duas sucessões abaixo não são subssucessões da sucessão \(u_n\) anterior:

(Subentenda (\(\dots\)) como os termos de ordem ímpar estritamente crescente, a partir do último valor escrito).

O critério de convergência de sucessões mais importante baseado nos estudo de subsucessões é o seguinte:

Teorema: Uma sucessão \(\;u_n\;\) é convergente sse todas as suas subsucessões são convergentes e têm o mesmo limite.

Nesse caso, \(\;\lim u_n\;\) é o limite comum de todas as subsucessões de \(\;u_n\;\).

Omitimos aqui a demonstração formal deste teorema mas, se pensarmos na definição de limite, este resultado é uma sua consequência natural: \(\;u_n\to a\;\) sse, dado \(\varepsilon\gt 0\), para todas as ordens suficientemente grandes \(\;|u_n-a|\lt \varepsilon\;\) incluindo todas as ordens selecionadas para formar qualquer subsucessão de \(\;u_n.\) Pode ver a demosntração nos textos de referência indicados no início.

Definição: Seja \(\;u_n\;\) uma sucessão. Designa-se por sublimite de \(\;u_n,\;\) o limite de qualquer subsucessão de \(\;u_n.\)

O teorema anterior tem então a seguinte consequência útil:

\(\;u_n\;\) tem, pelo menos, dois sublimites diferentes \(\;\Rightarrow\;\) \(\;u_n\;\) é divergente.

Este resultado, permite-nos justificar de forma simples a divergência nos exemplos seguintes:

Questão: bastará ver que uma sucessão tem apenas um sublimite em \(\mathbb{R}\) para concluirmos que ela é convergente? Por outras palavras: no resultado anterior será válida a equivalência em vez da implicação? A resposta a esta questão é negativa como se pode ver no seguinte exemplo: No entanto, temos a seguinte consequência útil do teorema enunciado atrás:
Uma sucessão \(\;u_n\;\) é convergente sse as duas subsucessões \(\;u_{2k}\;\) e \(\;u_{2k-1}\;\) são convergentes e têm o mesmo limite.
Exemplos:

Limites de sucessões por recorrência

Temo-nos concentrado, até agora, no estudo da convergência de sucessões quando é dada expressão do seu termo geral. Vimos, no entanto, que uma sucessão também pode ser definida por recorrência. Nestes casos, temos primeiro que estabelecer a existência do limite e, só depois, podemos proceder ao cálculo desse limite. Isto, porque temos que usar resultados que à partida, pressupõem a sua existência. Ilustramos o procedimento com um exemplo:
Seja, \(\;u_n\;\) a sucessão dada por recorrência por \[\begin{cases} u_1=2\, &\\ u_{n+1}=2+\dfrac{u_n}{3}\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] A ideia é usar a expressão de recorrência para obter uma equação em \(\;a=\lim u_n.\;\) Para garantir que esse limite existe, temos primeiro que usar o teorema das sucessões monótonas e limitadas. Temos então que recorrer ao método de indução matemática, pelo menos num dos passos da resolução. Dividimos esta resolução em três passos:
  1. Provamos que \(\;u_n\;\) é limitada. Mais específicamente que \[\forall n\in\mathbb{N},\quad 2\leqslant u_n\lt 3.\] Esta é a proposição \(P(n)\) que queremos provar por indução matemática.
    Para \(\;n=1:\quad\) \(2\leqslant u_1 \lt 3\;\Leftrightarrow\; 2\leqslant 2\lt 3\quad\) e, portanto \(P(1)\) é verdadeira.
    \(P(n)\Rightarrow P(n+1):\quad\) Admitamos que, para algum \(n\), a hipótese \(P(n)\) é verdadeira. Então, \[2\leqslant u_n\lt 3\quad\Leftrightarrow\quad 2+\frac{2}{3}\leqslant 2+\frac{u_n}{3}\lt 2+\frac{3}{3} \quad\Leftrightarrow\quad\frac{8}{3}\leqslant u_{n+1}\lt 3\quad\Rightarrow\quad 2\leqslant u_{n+1}\lt 3.\] A última dupla desigualdade é a tese \(P(n+1)\), concluindo assim a demonstração por indução. (Repare que a última passagem não é uma equivalência. Porquê?)
  2. Provamos agora que \(u_n\) é monótona: \[u_{n+1}-u_n=\left(2+\frac{u_n}{3}\right)-u_n=\frac{6-2u_n}{3}=\frac{2(3-u_n)}{3}\lt 0,\] em virtude da primeira parte. Logo, para todo \(\;n\in\mathbb{N},\;\) \(\;u_{n+1}\lt u_n,\;\) ou seja, \(\;u_n\;\) é decrescente.
  3. Temos então, usando o teorema das sucessões monótonas e limitadas: \[\left. \begin{aligned} &\text{Pelo passo 1, \(u_n\) é limitada}\;\\ &\text{Pelo passo 2, \(u_n\) é monótona}\; \end{aligned}\right\} \quad\Rightarrow\quad \text{\(u_n\) é convergente.} \] Seja então \(\;a=\lim u_n.\;\) Então, como \(\;u_{n+1}\;\) é uma subsucessão de \(\;u_n\;\) e, portanto, \(\;\lim u_{n+1}=\lim u_n,\;\) ambos os membros da expressão que dá \(\;u_{n+1}\;\) em função de \(\;u_n\;\) são sucessões convergentes e, portanto, podemos escrever, usando as propriedades algébricas dos limites: \[\lim u_{n+1}=\lim\left(2+\dfrac{u_n}{3}\right)\quad\Leftrightarrow\quad a=2+\dfrac{a}{3}\quad\Leftrightarrow\quad \frac{6-2a}{3}=0\quad\Leftrightarrow\quad a=3.\] Conclusão:\(\;\lim u_n=3.\)
Podíamos pôr a seguinte questão: não poderíamos atalhar e passar directamente ao cálculo do limite no passo 3? Será que o "seu cálculo" não provaria a sua existência? A resposta é NÃO! Para se convencerem disso basta considerar como exemplo a sucessão \(u_n\) dada por recorrência por, \[\begin{cases} u_1=-1\, &\\ u_{n+1}=-u_n\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\]

Punhamos a hipótese de existir o limite \(\;a=\lim u_n.\;\) Então, procedendo como no passo 3 do exemplo anterior teríamos \[\lim u_{n+1}=-\lim u_n\quad\Leftrightarrow\quad a=-a\quad\Leftrightarrow\quad 2a=0\quad\Leftrightarrow\quad a=0.\] Será que provámos que \(\;\lim u_n=0?\;\) A resposta é: obviamente não! Na realidade, reparem que a sucessão dada não é senão a sucessão \(\;u_n=(-1)^n,\;\) a qual já sabemos ser divergente, ou seja, não existe limite de \(\;u_n\;\).

O procedimento exemplificado atrás permite-nos abordar o problema do estudo da convergência de certas sucessões dadas por recorrência, isto é, na forma, \[\begin{cases} u_1=b\, &\\ u_{n+1}=f(u_n)\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] em que \(b\) é um real e \(f\) é uma função, ambos dados. No entanto, o problema pode ser mais intrincado do que o exemplo atrás. Consideremos um exemplo particularmente interessante por ser uma forma de aproximar \(\sqrt{2}\) por uma sucessão de racionais \(u_n.\) Trata-se da sucessão \(\;u_n\;\) definida por recorrência por \[\begin{cases} u_1=1\, &\\ u_{n+1}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}\,, & n\in\mathbb{N}\,. \end{cases}\] Não consituindo nenhuma prova, podemos contudo averiguar primeiro, se \(\;u_n\;\) tiver limite \(L\) qual é que ele terá que ser: \[L=\frac{L}{2}+\frac{1}{L}\quad\Leftrightarrow\quad L^2=2\quad \Leftrightarrow\quad L=\pm\sqrt{2}.\] É muito fácil ver, por indução, que \(u_n\gt 0,\) para qualquer \(n\in\mathbb{N}.\) Logo, a existir limite de \(u_n\), ele terá que ser \(\sqrt{2}.\) Podemos ver agora, que de facto, para todo \(n\in\mathbb{N}\) se tem \(u_n\geqslant \sqrt{2}:\) \[u_{n+1}-\sqrt{2}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}-\sqrt{2}=\frac{u_n^2+2-2\sqrt{2}u_n}{2u_n}=\frac{(u_n-\sqrt{2})^2}{2u_n}\geqslant 0.\] Daqui resulta a monotonia: \[u_{n+1}-u_n=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n}-u_n=\frac{u_n^2+2-2u_n^2}{2u_n}=\frac{2-u_n^2}{2u_n}\leqslant 0.\] Logo, \(u_n\) é decrescente e, logo, majorada. Como já tínhamos visto que é minorada, concluímos que \(u_n\) é monótona e limitada, e portanto é convergente. Logo, \(\lim u_n=\sqrt{2}.\)

A recta acabada \(\overline{\mathbb{R}}\). Limites infinitos (início).

Estendemos agora o conceito de convergência de sucessões no seguinte sentido:

O conceito para as sucessões que temos considerado convergentes, isto é com limite real, permanecerá inalterado. No entanto, agora, algumas das sucessões que classificávamos de divergentes, passarão a ter limite. É claro que este limite não pode ser um número real, porque, como afirmámos, o conceito de limite real permanecerá inalterado, e portanto, as sucessões que não tinham limite real continuarão a não o ter.

Assim, temos que introduzir dois objectos que não são números e que corresponderão aos novos limites: \(-\infty\) e \(+\infty.\) Estes satisfazem as relações de ordem seguintes com os reais: \[\forall x\in\mathbb{R},\quad x\gt -\infty\quad \text{ e }\quad x\lt +\infty.\] O conjunto \[\overline{\mathbb{R}}=\mathbb{R}\cup\{-\infty,+\infty\}\] designa-se por recta acabada.

Em \(\overline{\mathbb{R}}\) qualquer conjunto é minorado e majorado, uma vez que \(-\infty\) e \(+\infty\) serão respectivamente minorante e majorante de qualquer conjunto. Na realidade, teremos \[\max\overline{\mathbb{R}}=\sup\overline{\mathbb{R}}=\sup\mathbb{R}=+\infty,\qquad \min\overline{\mathbb{R}}=\inf\overline{\mathbb{R}}=\inf\mathbb{R}=-\infty,\] não existindo \(\max\mathbb{R}\) nem \(\min\mathbb{R},\) como é evidente.

Na próxima aula veremos como definimos os limites infinitos de forma a que ose resultados dados anteriormente sobre limites de sucessões se generalizam de forma natural aos limites na recta acabada. Por exemplo, o teorema das sucessões monótonas e limitadas deixará de ter a componente "limitada" e passará a ser simplesmente, "qualquer sucessão monótona tem limite em \(\overline{\mathbb{R}}.\)"