Aula teórica 8

Sucessões enquadradas:
O Teorema das sucessões enquadradas. Produtos de infinitésimos com sucessões limitadas.
Relação entre convergência, limitação e monotonia:
A limitação das sucessões convergentes. O teorema das sucessões monótonas e limitadas.

Material de estudo:

Sucessões enquadradas.

Na aula anterior vimos como o conhecimento das propriedades de convergência de classes de sucessões nos permitem tirar conclusões sobre a convergência de outras construídas a partir daquelas através de operações algébricas de soma, diferença, multiplicação e divisão. Nesta aula veremos mais resultados que nos permitem estudar a convergência de sucessões por vários meios.

O primeiro resultado desta aula está na sequência dos vistos na aula anterior que estabelecem a relação entre limites e a relação de ordem. Desta vez, contrariamente aos anteriores, a partir da convergência de certas sucessões os resultados permitem-nos concluir sobre a convergência de outras:

Teorema (das sucessões enquadradas): Sejam \(\;u_n,\,v_n,\,w_n\;\) três sucessões com as seguintes propriedades: para todo natural \(n,\) \[u_n\leqslant v_n\leqslant w_n\] e \[\lim u_n=\lim w_n=a.\] Então, a sucessão \(v_n\) é convergente e \[\lim v_n=a.\]

Demonstração:

A dupla desigualdade das hipóteses do teorema permite-nos afirmar que se \(u_n\) e \(w_n\) estão numa vizinhança de \(a\) então \(v_n\) também estará nessa mesma vizinhança: \[u_n,w_n\in V_{\varepsilon}(a)\;\Rightarrow\;a-\varepsilon\lt u_n\leqslant v_n\leqslant w_n\lt a+\varepsilon\; \Rightarrow\; v_n\in V_{\varepsilon}(a).\] Assim, como \(u_n\to a\) e \(v_n\to a\), dado um qualquer \(\varepsilon\gt 0\), existem ordens \(p,p'\) tais que, \[n\gt p\;\Rightarrow\; u_n \in V_{\varepsilon}(a)\;\wedge\; n\gt p'\;\Rightarrow\; w_n \in V_{\varepsilon}(a).\] Se \(q\) for o maior entre \(p\) e \(p'\), temos então, \[n\gt q\;\Rightarrow\; u_n,w_n \in V_{\varepsilon}(a)\;\Rightarrow\; v_n \in V_{\varepsilon}(a).\] Provámos que \(\lim v_n=a.\)

Exemplos.

  1. \(\;u_n=\dfrac{(-1)^n}{n^2}.\;\) Como \[\displaystyle -\frac{1}{n^2}\leqslant \dfrac{(-1)^n}{n^2}\leqslant\frac{1}{n^2}\] e, como \(\lim \dfrac{1}{n^2}=\lim \left(-\dfrac{1}{n^2}\right)=0\;\) (já vimos as sucessões tipo \(\dfrac{1}{n^p},\; p\gt 0\)), concluímos que \(u_n\) é convergente e que, \(\;\lim u_n=0.\)

  2. \(\;u_n=\dfrac{\operatorname{sen} n}{n}.\;\) Como, \[-\frac{1}{n}\leqslant\frac{\operatorname{sen} (n)}{n}\leqslant\frac{1}{n},\] e \(\;\lim\dfrac{1}{n}=\lim\left(-\dfrac{1}{n}\right)=0,\;\) concluímos que, \(u_n\) é convergente e \(\;\lim u_n=0.\)

  3. \(\;u_n=\dfrac{n^2+\cos(n^2+\sqrt{n})}{(n+1)^2}.\;\) Como, \[\frac{2n^2-1}{(n+1)^2}\leqslant\dfrac{2n^2+\cos(n^2+\sqrt{n})}{(n+1)^2}\leqslant\dfrac{2n^2+1}{(n+1)^2},\] e, \[\;\lim \dfrac{2n^2-1}{(n+1)^2}=\lim\dfrac{2n^2+1}{(n+1)^2}=2,\;\] concluímos que \(u_n\) é convergente e \(\;\lim u_n=2.\)

  4. \(\; u_n=\dfrac{n^3}{2n^3+n\cos (n)}.\;\) Como, \[\frac{n^3}{2n^3+n}\leqslant u_n\leqslant \frac{n^3}{2n^3-n}\quad \text{(atente ao sentido das desigualdades!)}\] e, como, \[\lim\frac{n^3}{2n^3+n}=\lim\frac{n^3}{2n^3-n}=\frac{1}{2},\] concluímos que \(u_n\) é convergente e \(\;\lim u_n=\dfrac{1}{2}.\)

Uma observação importante. Nos exemplos 2-4 usámos as funções trigonométricas seno e cosseno. Trata-se de duas funções com domínio \(\mathbb{R}\) e, portanto, podem ser aplicadas a qualquer número real. Mas, não confundam \(\cos (n\pi)\) (que é igual a \((-1)^n\)) com \(\cos (n)\) que, para valores \(n\in\mathbb{N}\), não toma nenhuns valores notáveis. Analogamente para o seno. Na realidade, tudo o que precisámos saber para estudar a convergência das sucessões acima é que, qualquer que seja \(x\in\mathbb{R},\;\) se tem \[-1\leqslant \operatorname{sen} x\leqslant 1,\qquad -1\leqslant \cos x\leqslant 1.\] Aliás, o procedimento é exactamente o mesmo quer se trate de \(\cos (n)\), como no exemplo 4, quer se trate, por exemplo, de \(\cos(n^2+\sqrt{n}),\;\) como no exemplo 3

Os exemplos 1 e 2 sugerem uma forma de usar este teorema numa situação prática muito comum. Em cada um desses exemplos, a sucessão em estudo era o produto de uma sucessão que tende para zero, ou seja, um infinitésimo com uma sucessão limitada. Reparem que esta sucessão limitada, \((-1)^n\), no exemplo 1, \(\operatorname{sen}(n)\), no exemplo 2, não tem que ser convergente (se o fosse bastaria aplicar o teorema das propriedades algébricas dos limites visto na aula anterior). De um modo geral, suponhamos que \(u_n\to 0\) e que \(v_n\) é limitada, ou seja, existem constantes \(m,M\) tais que, para todo \(n\in\mathbb{N},\;\) \(m\leqslant v_n\leqslant M.\;\) Se \(u_n\geqslant 0\) (caso contrário, consideramos \(|u_n|\)) temos então, \[mu_n\leqslant u_nv_n\leqslant Mu_n,\] e, pelo teorema das sucessões enquadradas, concluímos que \(\lim u_nv_n=0.\) Ou seja, temos o seguinte resultado:

Corolário: Se \(\lim u_n=0\) e \(v_n\) é uma sucessão limitada, então \(\lim u_nv_n=0.\)
De notar que este resultado apenas se aplica a infinitésimos. Por exemplo, se \(u_n>0\) e \(\lim u_n=1\) e sabemos que \(v_n\) é divergente, mesmo sendo limitada, podemos concluir que, necessariamente, \(w_n=u_nv_n\) é divergente. De facto, se esta sucessão fosse convergente, então, pelo teorema das propriedades algébricas dos limites, \(v_n=\dfrac{w_n}{u_n}\) seria convergente.

Relação entre convergência, limitação e monotonia

É já sabido que uma sucessão pode ser limitada e não ser convergente: por exemplo, a sucessão \(u_n=(-1)^n.\;\) Mas, por outro lado, temos o seguinte resultado importante:
Teorema: Qualquer sucessão convergente é limitada.

Demonstração

Se \(\lim u_n=a,\;\) então tomando, por exemplo, \(\varepsilon=1,\;\) existe \(p\) tal que, para todo \(n\gt p\) temos \(u_n\in V_{1}(a),\;\) ou seja, \(a-1\lt u_n\lt a+1.\;\) Então, podemos separar o conjunto dos termos da sucessão em dois subconjuntos: \[\{u_n:n\in\mathbb{N}\}=\{u_1,u_2,\dots,u_p\}\cup\{u_{p+1},u_{p+2},\dots\}\] Por um lado, \(\;\{u_{p+1},u_{p+2},\dots\}\subset \left]a-1,a+1\right[.\;\) Por outro, o conjunto \(\{u_1,u_2,\dots,u_p\}\) é finito e, logo, é limitado. Ora, a união de dois conjuntos limitados é um conjunto limitado. Conclusão: o conjunto dos termos da sucessão \(u_n\) é limitado, ou seja, \(u_n\) é uma sucessão limitada.
Este resultado é uma implicação, não uma equivalência: \[u_n \text{ é convergente }\;\Rightarrow\; u_n \text{ é limitada.}\] Como qualquer implicação, esta afirmação é equivalente à sua contra-recíproca: \[u_n \text{ não é limitada }\;\Rightarrow\; u_n \text{ não é convergente. }\] È nesta forma que este resultado é usado como ferramenta para o estudo da convergência de sucessões. Assim, por exemplo, qualquer uma das seguintes sucessões pode ser classificada como divergentes depois de visto que se tratam de sucessões não limitadas: Embora a limitação de uma sucessão não implique a sua convergência, temos, no entanto,
Teorema: Qualquer sucessão limitada e monótona é convergente.

Demonstração

Trata-se de uma importante consequência direta do Axioma do supremo. Expliquemos o argumento para o caso de uma sucessão \(u_n\) majorada e crescente (logo, também minorada e, portanto, limitada). Para o caso de \(u_n\) ser minorada e decrescente é análogo e sugere-se que o faça como exercício:

Pelo axioma do supremo, existe \(a=\sup u_n\in\mathbb{R}.\;\) Vejamos que este é o limite da sucessão \(u_n.\) Dado que, por definição de supremo, \(a\) é o menor dos majorantes, dado \(\varepsilon\gt 0\), o número \(a-\varepsilon\) não pode ser um majorante da sucessão \(u_n\), isto é, existe pelo menos um termo \(u_p\gt a-\varepsilon.\;\) Mas sendo a sucessão \(u_n\) crescente, então, para todo \(n\gt p\) temos \(a-\varepsilon\lt u_p\leqslant u_n\leqslant a,\;\) e, portanto, \(u_n\in V_{\varepsilon}(a).\;\) Fica provado que \(u_n\to a.\)

Portanto, temos,

Atenção: Uma sucessão convergente é sempre limitada mas pode não ser monótona. Por exemplo, \(u_n=\dfrac{(-1)^n}{n}.\)

Este teorema é particularmente útil quando temos uma sucessão para a qual não conheçemos a expressão do termo geral, mas com a ajuda do método de indução matemática, conseguimos provar que ela é monótona e limitada. É o que acontece com as sucessões definidas por recorrência. Veremos alguns exemplos na próxima aula.