Aula teórica 7

Limites de sucessões. Exemplos extra.
A unicidade do limite.
As propriedades algébricas dos limites. Exemplos.
A independência do limite relativamente a um número finito de ordens.
O limite de sucessões e a relação de ordem.

Material de estudo:

Limites de sucessões. Mais exemplos.

Relembremos da aula anterior a importante definição seguinte:
Definição: Diz-se que uma sucessão \(u_n\) converge para \(a\) (\(u_n\to a\)) se, dado um \(\varepsilon\gt 0\) arbitrário, existe \(p\in\mathbb{N}\) tal que \[n\gt p\; \Rightarrow\; |u_n-a|\lt \varepsilon.\]

Vimos alguns exemplos que ilustram este conceito em casos concretos. Os seguintes exemplos servem para perceberem o que é que falha na definição quando a afirmação "\(u_n\to a\)" é falsa.

Exemplos
  1. Mostremos que, segundo a definição de convergência atrás, é falso que \(\dfrac{1}{n^2}\to 1\) (vimos na aula anterior que \(\dfrac{1}{n^2}\to 0\)):
    Começemos por ver que condição tem que se impôr a \(n\) para que \(|u_n-a|<\varepsilon\) com \(a=1\) e \(u_n=\dfrac{1}{n^2}\): \[|u_n-a|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\; \left|\frac{1}{n^2}-1\right|\lt \varepsilon\; \Leftrightarrow\; 1-\frac{1}{n^2}\lt\varepsilon \;\Leftrightarrow\; \frac{1}{n^2}\gt 1-\varepsilon\;\Leftrightarrow\; n^2(1-\varepsilon)\lt 1.\] Reparem agora que se fôr fixado um \(\varepsilon\geqslant 1\) esta desigualdade é válida para qualquer natural \(n\). Mas, de acordo com a definição de limite, \(\varepsilon\) pode ser um positivo qualquer. Se, por exemplo, \(\varepsilon=\frac{1}{2},\) a desigualdade acima escreve-se, \[\frac{n^2}{2}\lt 1\;\Leftrightarrow\;n\lt \sqrt{2}\;\Leftrightarrow\; n=1.\] Ou seja, a desigualdade \(|u_n-a|\lt\varepsilon\), nesse caso, é apenas válida quando \(n=1\). Se a definição de limite se aplicasse aqui, esta desigualdade seria válida para infinitos valores de \(n\): todos os naturais a partir de alguma ordem \(p\).
  2. Consideremos a sucessão \(u_n=(-1)^n.\) Vamos investigar, baseados na definição de limite, se a afirmação "\(u_n\to 1\)" é verdadeira ou falsa. Consideremos \(a=1\). Então, \[|u_n-a|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\;|(-1)^n-1|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\; \begin{cases}0\lt\varepsilon, &\text {se } n \text{ é par,}\\2\lt\varepsilon, &\text {se } n \text{ é ímpar.} \end{cases}\] A primeira das desigualdades é satisfeita para qualquer natural \(n\) qualquer que seja \(\varepsilon>0\). Mas a segunda desigualdade, só é válida se o valor de \(\varepsilon\) fôr fixado maior que \(2\). Assim, por exemplo, se \(\varepsilon=1\), a desigualdade \(|u_n-a|\lt \varepsilon\) não se verifica para nenhum \(n\) ímpar. Como o conjunto dos naturais ímpares não é majorado, não existe nenhum valor \(p\) nas condições da definição e concluímos que a afirmação "\((-1)^n\to 1\)" é falsa.
    É possível adaptar este argumento para provar que esta sucessão, na realidade, não converge para nenhum número \(a\). Não o fazemos aqui, dado que esta conclusão pode ser retirada de um teorema geral que daremos à frente: o Teorema da convergência das subsucessões de sucessões convergentes.

A unicidade do limite

No exemplo 1. da secção anterior provámos que é falso que \(\frac{1}{n^2}\to 1\) depois de termos provado na aula passada que é verdadeiro que \(\frac{1}{n^2}\to 0.\) Podemos dizer que a veracidade da segunda afirmação implica a falsidade da primeira? Se pudesse haver mais do que um limite para a mesma sucessão a resposta a esta questão seria obviamente negativa. No entanto, temos o seguinte
Teorema (da unicidade do limite): Uma sucessão se tiver limite (isto é, se fôr convergente) ele é único.

Demonstração:
Sejam \(a,a'\) limites da mesma sucessão \(u_n\). Seja \(\varepsilon>0\) arbitrário. De acordo, com a definição de limite, existem ordens \(p, p'\) tais que \[ n\gt p \;\Rightarrow\; |u_n-a| \lt \varepsilon\;\quad\text{ e simultaneamente, }\quad n\gt p' \;\Rightarrow\; |u_n-a'| \lt \varepsilon. \] Então, se \(q\) fôr o maior entre \(p\) e \(p'\), temos que \[ n\gt q \;\Rightarrow\; |u_n-a| \lt \varepsilon\;\wedge\; |u_n-a'| \lt \varepsilon. \] Se considerarmos \(a\not= a'\), o valor de \(\varepsilon\) pode ser escolhido suficientemente pequeno para que seja impossível a conjunção das últimas duas desigualdades. Basta, para isso que seja menor que a metade da distância entre \(a\) e \(a'\) (pois, nesse caso, a intersecção de vizinhanças \(V_{\varepsilon}(a)\cap V_{\varepsilon}(a')\) é vazia). Confirmação (é uma aplicação da desigualdade triangular): se a conjunção daquelas desigualdades fosse verdadeira, então, para \(\varepsilon\lt \frac{|a-a'|}{2}\) teríamos, \[|a-a'|=|(a-u_n)+(u_n-a')|\lt |u_n-a|+|u_n-a'|\lt 2\varepsilon\lt |a-a'|\] o que é absurdo.
Conclusão: \(a=a'\) e, portanto, o limite é único.

Só agora, podemos falar no limite de uma sucessão no singular e representamo-lo por, \(\lim u_n.\) Temos então que é equivalente escrevermos \(u_n\to a\) ou \(\lim u_n =a.\)

Exemplo: As duas expressões seguintes representam o mesmo conceito: \[\frac{1}{n^2}\to 0\quad\text{ e }\quad\lim\frac{1}{n^2}=0.\]

Propriedades algébricas dos limites

São descritas no seguinte teorema:
Teorema (propriedades algébricas dos limites): Sejam \(u_n,v_n\) duas sucessões convergentes. Então,

Veja que este teorema estabelece que a convergência de \(u_n\) e \(v_n\) implica a convergência das sucessões \(u_n+v_n,\;\) \(u_n-v_n,\;\) \(u_n\cdot v_n,\;\) e \(\;\frac{u_n}{v_n}\;\) (esta última, nas condições referidas).

Demonstração (para um dos casos):
Vejamos a sucessão soma, a titulo de exemplo. Seja \(a=\lim u_n\) e \(b=\lim v_n\). Da desigualdade triangular temos a implicação, \[|(u_n+v_n)-(a+b)|=|(u_n-a)+(v_n-b)|\leqslant |u_n-a|+|v_n-b|.\] Ora, dado \(\varepsilon>0\), existe \(p\) tal que, para \(n\gt p\) se tem \(|u_n-a|\lt\varepsilon/2\) e \(|v_n-b|\lt\varepsilon/2.\) Da desigualdade da linha acima, deduz-se então, \[n\gt p\;\Rightarrow\; |(u_n+v_n)-(a+b)|\lt \varepsilon,\] ou seja, \(\lim (u_n+v_n)=a+b=\lim u_n+\lim v_n.\)
Este teorema permite-nos usar alguns limites conhecidos para obter outros à custa de somas, diferenças, produtos e quocientes de sucessões. Nos exemplos seguintes, além do limite da sucessão constante, \(\lim c=c,\) usam-se os seguintes importantes limites: \[\lim \frac{1}{n^p}=0,\;\text{ se } p>0,\qquad\qquad \lim c^n=0,\;\text{ se } |c|\lt 1. \] O primeiro limite pode ser obtido directamente da definição de limite do mesmo modo que para o caso particular \(p=2,\;\) que considerámos na última aula. O segundo é mais fácil obtê-lo como consequência do teorema das sucessões enquadradas que será dado na próxima aula.

Exemplos:

  1. \(\;\lim\left(2+\dfrac{1}{n^3}\right)\left(\dfrac{1}{3^n}+1\right)=\left(\lim 2+\lim \dfrac{1}{n^3}\right)\left(\lim\left(\dfrac{1}{3}\right)^n+\lim 1\right)=(2+0)(0+1)=2.\)

  2. \(\;\lim\dfrac{n+3}{2n+1}=\lim\dfrac{1+3/n}{2+1/n}=\dfrac{\lim 1+\lim 3/n}{\lim 2+\lim 1/n}=\dfrac{1+0}{2+0}=\dfrac{1}{2}.\)

  3. \(\;\lim\dfrac{(2n+1)^3}{2n^3+1}=\lim\dfrac{(2+1/n)^3}{2+1/n^3}=\dfrac{(\lim 2+\lim 1/n)^3}{\lim 2+\lim 1/n^3}=\dfrac{(2+0)^3}{2+0}=4.\)

  4. \(\;\lim\left(\left(-\dfrac{1}{2}\right)^n+3\right)\left(\dfrac{1}{\sqrt{n}}+1\right)=3\;\) (justificar)

  5. \(\;\lim\dfrac{3+2^{-n}}{4+3^{-n}}=\dfrac{3}{4}\;\) (justificar)

  6. \(\;\lim\dfrac{3+2^n}{4+3^n}=\lim \left(\dfrac{2}{3}\right)^n\dfrac{3\cdot 2^{-n}+1}{4\cdot 3^{-n}+1}=0\cdot 1=0\;\) (justificar)

Independência do limite relativamente a um número finito de ordens

Tem-se então o seguinte
Teorema: Se \(u_n, v_n\) são duas sucessões tais que existe uma ordem \(N\) para a qual, para todo \(n\gt N,\;\) \(u_n=v_n\), então \(u_n\) é convergente sse \(v_n\) é convergente e, nesse caso, \[\lim u_n=\lim v_n.\]

Por outras palavras, se uma sucessão difere de outra apenas para um número finito de ordens, então são ambas convergentes ou ambas divergentes. Em caso de convergência, os limites coincidem.

Trata-se de mais uma consequência directa da definição.

Exemplos

  1. As sucessões \(u_n=\cos(n!\pi)\) e \(v_n=1\) diferem apenas quando \(n=1\): \(u_1=-1\;\) enquanto \(v_1=1\). Logo, tal como a sucessão constante \(v_n\), a sucessão \(u_n\) é convergente e \(\lim u_n=\lim v_n=1.\)

  2. A sucessão \(u_n=\begin{cases}(-1)^n, & n\leqslant 1000\\ 2^{-n}, & n\gt 1000 \end{cases}\;\) coincide com a sucessão \(v_n=2^{-n},\;\) excepto quando \(n\leqslant 1000, \;\) ou seja, para um número finito de ordens \(n\). Logo, tal como \(v_n,\;\) a sucessão \(u_n\;\) é convergente e \(\lim u_n=\lim v_n=0.\)

  3. A sucessão \(u_n=\begin{cases} 2^{-n}& n\leqslant 1000\\ (-1)^n, & n\gt 1000 \end{cases}\;\) coincide com a sucessão \(v_n=(-1)^n,\;\) excepto quando \(n\leqslant 1000, \;\) ou seja, para um número finito de ordens \(n\). Logo, tal como \(v_n,\;\) a sucessão \(u_n\;\) é divergente.

O limite e a relação de ordem

Temos dois resultados enunciados no seguinte
Teorema: Sejam \(u_n, v_n\) duas sucessões tais que \(\lim u_n=a\) e \(\lim v_n=b.\)

Demonstração

Para a primeira afirmação, basta aplicar a definição de limite a \(u_n\to a\) e \(v_n\to b.\) Escolhendo para ambos um \(\varepsilon\gt 0\) menor que metade da distância entre \(a\) e \(b\) (\(\varepsilon\lt (b-a)/2\)), temos que \(V_{\varepsilon}(a)\cap V_{\varepsilon}(b)=\emptyset\) (verifique!). Como a partir de certa ordem \(N\) temos \(u_n\in V_{\varepsilon}(a)\) e \(v_n\in V_\varepsilon(b)\) temos necessariamente que \(u_n\lt v_n.\)

A justificação da segunda afirmação deixa-se como exercício.

Observação importante: Repare que a primeira afirmação é enunciada com a relação de ordem estrita "\(\lt,\)" enquanto que a segunda é enunciada com a relação de ordem "\(\leqslant\)". Vejamos porque é que tem que ser assim: