Aula teórica 6

Sucessões. Sucessões por recorrência. Sucessões monótonas. Sucessões minoradas, majoradas e limitadas. O limite de sucessões (início)

Material de estudo:

Sucessões.

Relembrem do Ensino Secundário a definição
Definição: Designa-se por sucessão qualquer função de domínio \(\mathbb{N}\).

Considere-se então uma sucessão \(u:\mathbb{N}\rightarrow \mathbb{R}\). Em vez de usarmos a notação habitual para o valor de uma função em \(n\), \(u(n)\), usamos o símbolo \(u_n\). Para cada natural \(n\), o valor \(u_n\) designa-se por termo de ordem \(n\) da sucessão. Por conveniência adoptamos uma certa imprecisão de linguagem ao referirmo-nos à sucessão \(u\) (uma função) como o seu termo geral \(u_n\) (números). Assim, por exemplo, dizemos "a sucessão \(u_n=1+3n\)" ou "a sucessão \(v_n=n^3\)".

O conjunto dos termos da sucessão \(u\) é então o conjunto de números reais: \[\{u_n: n\in\mathbb{N}\}\]

Importa não confundir uma sucessão com o conjunto dos seus termos: quando nos referimos a um conjunto não estamos a impôr nenhuma ordem aos seus elementos (por exemplo,\(\{1,2\}=\{2,1\}\)). No entanto, os termos de uma sucessão estão ordenados de acordo com \(n\): \[u_1,\;u_2,\;u_3,\;u_4,\;u_5,\;\dots\] Aliás, o conjunto dos termos da sucessão pode ser finito, como acontece com uma sucessão constante, cujo conjunto de termos é singular.

Exemplos:
  1. Para a sucessão \(u_n=1\), que corresponde à sequência \(1,\,1,\,1,\,1,\,1,\,\dots\), o conjunto dos seus termos é o conjunto singular \(\{1\}\).
  2. Tanto para a sucessão \(u_n=(-1)^n\), que corresponde à sequência \(-1,\,1,-1,\,1,-1,\,\dots\), como para a sucessão \[v_n=\begin{cases} 1,& n=1\\ -1,& n\gt 1 \end{cases}\] que corresponde à sequência \(1,-1,-1,-1,-1,\dots\), o conjunto dos termos é \(\{-1,1\}\).
  3. A sucessão \(u_n=n\) tem \(\mathbb{N}\) como o conjunto dos seus termos enquanto que \(v_n=2n\) e \(w_n=2n-1\) têm como conjuntos dos seus termos, respectivamente o conjunto dos naturais pares e o conjunto dos naturais ímpares.
  4. A sucessão \(u_n=\frac{1}{n}\) tem como conjunto de termos o conjunto dos inversos de todos os naturais: \(\{\frac{1}{n}:n\in\mathbb{N}\}\).

Nos exemplos anteriores cada sucessão foi dada pela expressão geral dos seus termos. Outra forma de dar uma sucessão é por recorrência. Neste caso, dá-se o primeiro termo (termo de ordem \(n=1\)), e explicita-se como, sabendo \(u_n\) se pode obter \(u_{n+1}.\)

Exemplos
  1. Progressão aritmética: é qualquer sucessão \(u_n\) tal que \(u_{n+1}-u_{n}=r\) é constante. Um exemplo com \(r=2\): \[\begin{cases} u_1=3& \\u_{n+1}=u_n+2,\quad n\in \mathbb{N}. \end{cases}\] Esta sucessão tem como termo geral \(u_n=3+2(n-1)\) (prove por indução!)
  2. Progressão geométrica: é qualquer sucessão \(u_n\) tal que \(u_{n+1}/u_{n}=r.\) Um exemplo com \(r=2\): \[\begin{cases} u_1=3& \\u_{n+1}=2u_n,\quad n\in \mathbb{N}. \end{cases}\] Esta sucessão tem como termo geral \(u_n=3\cdot 2^{n-1}\) (prove por indução!)
  3. Considere a sucessão dada por recorrência por \[\begin{cases} u_1=1& \\u_{n+1}=(n+1)u_n,\quad n\in \mathbb{N}. \end{cases}\] Esta sucessão tem como termo geral \(u_n=n!\) (prove por indução!)
  4. Sucessão de Fibonacci: \(u_1=u_2=1\) e para \(n\geqslant 3\), cada termo é a soma dos dois anteriores, isto é, \[\begin{cases} u_1=u_2=1& \\u_{n+2}=u_{n+1}-u_n,\quad n\in \mathbb{N}. \end{cases}\] A título de informação, esta sucessão tem como termo geral a surpreendente fórmula: \(u_n=\dfrac{\left(\frac{1+\sqrt{5}}{2}\right)^n-\left(\frac{1-\sqrt{5}}{2}\right)^n}{\sqrt{5}}\).

(Este resultado é um pouco mais difícil de provar por indução que os anteriores. Aceite o desafio e faça-o!)

Notem que, apesar dos exemplos anteriores, na maior parte dos casos não é possível determinar o termo geral de uma sucessão quando esta é dada por recorrência. Introduzimos dois tipos de classificação de sucessões:

Definição: Diz-se que uma sucessão \(u_n\) é Estritamente crescente ou estritamente decrescente, se as desigualdades forem estritas (isto é, \(\gt\) ou \(\lt\)) .
Em qualquer dos casos anteriores, \(u_n\) diz-se monótona.
Definição: Diz-se que uma sucessão \(u_n\) é Uma sucessão simultaneamente minorada e majorada diz-se que é limitada.

Se o conjunto dos termos de uma sucessão \(u_n\) tiver supremo, designamo-lo por \(\sup u_n\). Analogamente para o ínfimo, máximo e mínimo, respectivamente, \(\inf u_n\), \(\max u_n\), \(\min u_n\). Constatamos então que, se \(u_n\) é crescente, então \(\inf u_n=\min u_n=u_1\) e, se \(u_n\) é decrescente, então \(\sup u_n=\max u_n=u_1.\)

Exemplos

Limites de sucessões.

Consideremos, por exemplo, a sucessão \(u_n=\frac{1}{n}\). Temos a noção intuitiva de que, á medida que \(n\) "cresce indefinidamente", e escrevemos \(n\to\infty\), os termos \(\frac{1}{1},\frac{1}{2},\frac{1}{3},\frac{1}{4},\frac{1}{5},\dots\) "tornam-se arbitrariamente próximos" de \(0\), e escrevemos \(u_n\to 0.\) Em muitas situações não é assim tão fácil usarmos essa ideia intuitiva para estudarmos o limite de uma sucessão. É o que acontece, por exemplo, com o estudo de várias sucessões definidas por recorrência tais como \[u_n=\begin{cases}u=1,& \\u_{n+1}=\frac{u_n}{2}+\frac{1}{u_n} &\end{cases}\] Esta é um das razões pela qual temos que ter uma definição precisa de limite a partir da qual podemos extrair propriedades e técnicas úteis em situações concretas.

Lembremo-nos, em primeiro lugar, que a distância de \(x\) a um ponto \(a\) é dada por \(|x-a|\). Então, dizer que "\(x\to a\)" é o mesmo que dizer que \(|x-a|\to 0\). Agora, precisamos de formalizar esta última noção de "aproximação de zero." Para isso, tomemos novamente o exemplo \(u_n=\frac{1}{n}\). Tomemos um positivo qualquer \(\varepsilon\). Todos os termos \(\frac{1}{n}\) para "\(n\) suficientemente grande" estão a uma distância de \(a\) inferior a \(\varepsilon\).

É a ideia expressa na última frase que vamos formular matematicamente dizendo que \(u_n\to a\), e dizemos \(u_n\) converge para \(a\), se a distância \(|x-a|\) puder ser feita tão pequena quanto se queira (\(\lt \varepsilon\) para \(\varepsilon\) positivo "tão pequeno quanto se queira"), para isso, bastando escolher \(n\) suficientemente grande:

Definição: Diz-se que uma sucessão \(u_n\) converge para \(a\) (\(u_n\to a\)) se, dado um \(\varepsilon\gt 0\) arbitrário, existe \(p\in\mathbb{N}\) tal que \[n\gt p\; \Rightarrow\; |u_n-a|\lt \varepsilon.\] Se houver \(a\) nestas condições, diz-se que a sucessão \(u_n\) é convergente. O real \(a\) designa-se por limite da sucessão \(u_n\). Se não houver \(a\) nestas condições, a sucessão \(u_n\) diz-se divergente.

Usando símbolos de quantificação, podemos escrever esta definição de forma mais condensada: \(u_n\to a\) sse \[\forall_{\varepsilon>0}\,\exists_{p}\quad n\gt p\;\Rightarrow\; |u_n-a|\lt \varepsilon.\]

Como é natural, quanto mais próximo exigirmos que \(u_n\) esteja de \(a\) (ou seja, quanto menor for \(\varepsilon\)), maiores ordens \(n\) teremos que considerar. Ou seja, \(p\) dependerá de \(\varepsilon\), em geral aumentando quando se diminui \(\varepsilon\).

Ilustremos então a definição acima com um exemplo:

Exemplos
  1. Mostremos que, segundo a definição de convergência atrás, \(\dfrac{1}{n^2}\to 0\):
    Começemos por ver que condição tem que se impôr a \(n\) para que \(|u_n-a|<\varepsilon\) com \(a=0\) e \(u_n=\dfrac{1}{n^2}\): \[|u_n-a|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\; \left|\frac{1}{n^2}-0\right|\lt \varepsilon\; \Leftrightarrow\; \frac{1}{n^2}\lt\varepsilon \;\Leftrightarrow\; n^2\gt \frac{1}{\varepsilon}\;\Leftrightarrow\; n\gt \frac{1}{\sqrt{\varepsilon}}\] Reparem no que acabámos de provar: dado um \(\varepsilon >0\) qualquer, \[n\gt \frac{1}{\sqrt{\varepsilon}}\;\Rightarrow\;\left|\frac{1}{n^2}-0\right| \lt \varepsilon,\] que é a definição de convergência \(\dfrac{1}{n^2}\to 0\) (note que a ordem \(p\) pode ser um natural qualquer maior que \(\frac{1}{\sqrt{\varepsilon}}\)).
  2. Mostremos que, segundo a definição de convergência atrás, \(\dfrac{1}{\sqrt{n}}\to 0\):
    Começemos por ver que condição tem que se impôr a \(n\) para que \(|u_n-a|<\varepsilon\) com \(a=0\) e \(u_n=\dfrac{1}{\sqrt{n}}\): \[|u_n-a|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\; \left|\frac{1}{\sqrt{n}}-0\right|\lt \varepsilon\; \Leftrightarrow\; \frac{1}{\sqrt{n}}\lt\varepsilon \;\Leftrightarrow\; \sqrt{n}\gt \frac{1}{\varepsilon}\;\Leftrightarrow\; n\gt \frac{1}{\varepsilon^2}\] Reparem no que acabámos de provar: dado um \(\varepsilon >0\) qualquer, \[n\gt \frac{1}{\varepsilon^2}\;\Rightarrow\;\left|\frac{1}{\sqrt{n}}-0\right| \lt \varepsilon,\] ou seja, provámos \(\dfrac{1}{\sqrt{n}}\to 0\) (note que a ordem \(p\) pode ser um natural qualquer maior que \(\frac{1}{\varepsilon^2}\)).
  3. \(\quad\dfrac{(-1)^n}{n^2}\to 0\):
    Começemos por ver que condição tem que se impôr a \(n\) para que \(|u_n-a|<\varepsilon\) com \(a=0\) e \(u_n=\dfrac{(-1)^n}{n^2}\): \[|u_n-a|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\; \left|\frac{(-1)^n}{n^2}-0\right|\lt \varepsilon\; \Leftrightarrow\; \frac{1}{n^2}\lt\varepsilon \;\Leftrightarrow\; n^2\gt \frac{1}{\varepsilon}\;\Leftrightarrow\; n\gt \frac{1}{\sqrt{\varepsilon}}\] e conclui-se a convergência pretendida tal como no exemplo 1.
    Observação: repare que neste caso a sucessão é convergente e não é monótona, pelo que uma coisa não implica a outra.

  4. \(\quad2-\dfrac{1}{\sqrt{n}}\to 2\):
    Começemos por ver que condição tem que se impôr a \(n\) para que \(|u_n-a|<\varepsilon\) com \(a=2\) e \(u_n=2-\dfrac{1}{\sqrt{n}}\): \[|u_n-a|\lt\varepsilon\;\Leftrightarrow\; \left|\left(2-\frac{1}{\sqrt{n}}\right)-2\right|\lt \varepsilon\; \Leftrightarrow\; \frac{1}{\sqrt{n}}\lt\varepsilon \;\Leftrightarrow\; \sqrt{n}\gt \frac{1}{\varepsilon}\;\Leftrightarrow\; n\gt \frac{1}{\varepsilon^2}\] e conclui-se a convergência pretendida tal como no exemplo 2.