Aula teórica 34

Séries:
critérios de convergência.
Séries de termo geral não negativo.
Critérios de comparação.
Critério de d'Alembert e critério da raiz.

Material de estudo:

Nesta aula continua-se o estudo das séries. Não nos vamos agora ocupar com o cálculo de somas de séries. Dada uma série apenas pretendemos responder à questão: a série dada é convergente ou divergente?

Para isso existem os critérios de convergência. Terminámos a aula anterior com um critério aplicável a todos os tipos de séries mas que só será útil para determinar certos casos de divergência: o critério suficiente de divergência. Prosseguimos nesta aula com os principais critérios para séries cujos termos são não negativos, deixando um último, o critério do integral, para o início da próxima aula onde veremos também 2 critérios para séries de termos sem sinal fixo.

Mais uma vez se vê a importância de resolverem exercícios para treinar a escolha dos bons critérios a aplicar em cada caso. Reveja as observações feitas no início do guia de estudo da aula teórica anterior.

Temos então como pricipais objectivos no estudo dos conteudos desta aula:

Material de estudo: além deste texto, pode consultar [AB] nas páginas indicadas no link onde poderão ver os resultados com todas as demonstrações detalhadas e mais alguns exemplos. Note contudo esse texto poderá incluir certos aspectos que não vamos considerar nesta disciplina.
É muto importante, além dos exemplos dados neste guia de estudo, estudarem os exercícios resolvidos 1 e 2 da secção 5.1 da lista [S] .

Séries: critérios de convergência (continuação)

Séries de termos não negativos

Vamos considerar séries \(\;\displaystyle \sum_{n=1}^\infty a_n\;\) com \(\;a_n\geqslant 0.\;\)
Designamos tais séries por séries de termos não negativos, abreviadamente STNN. A razão pela qual estas séries são especiais havendo mais critérios para estas séries do que para as outras, tem que ver com o facto da sucessão das somas parciais de uma STNN ser uma sucessão crescente: \[s_{n+1}-s_n=a_{n+1}\geqslant 0.\] Então, pelo teorema das sucessões monótonas e limitadas:

Propriedade das séries de termos não negativos (STNN)

Uma STNN é convergente sse a sucessão das somas parciais \((s_n)\) é majorada.

Uma série com termos sem sinal fixo pode ser divergente e, ainda assim, ter a sucessão das somas parciais limitada. Relembre o exemplo \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty (-1)^n\) dado na aula anterior. Esta série é divergente e as suas somas parciais só tomam dois valores: \(-1\) e \(0\).

Os critérios específicos para STNN resultam desta propriedade. O primeiro que estudamos é o seguinte:
Critério 2: critério de comparação.

Sejam \(\;0\leqslant a_n\leqslant b_n\;\) para todo \(\;n\in\mathbb{N}.\,\) Então,

  1. se \(\;\sum_{n=1}^\infty b_n\;\) é convergente, então \(\;\sum_{n=1}^\infty a_n\;\) é convergente;
  2. se \(\;\sum_{n=1}^\infty a_n\;\) é divergente, então \(\;\sum_{n=1}^\infty b_n\;\) é divergente.

Demonstração

Relembrando da lógica as propriedades da implicação verificamos que 1. e 2. são proposições equivalentes. Provemos 1.
Considerem-se as somas parciais de ambas as séries: \[s_k=\sum_{n=1}^k a_n\qquad \text{ e }\qquad t_k=\sum_{n=1}^k b_n.\] Obviamente, \(\;s_k\leqslant t_k,\;\) para todo \(k\in\mathbb{N}.\;\) Teremos assim, usando a propriedade das STNN enunciada atrás:
a série \(\;\sum b_n\;\) é convergente \(\;\Rightarrow\;\) a sucessão \(\;(t_k)\;\) é majorada \(\;\Rightarrow\;\) a sucessão \(\;(s_k)\;\) é majorada \(\;\Rightarrow\;\) a série \(\;\sum a_n\;\) é convergente.

Observação importante: como vimos na aula anterior, a convergência de uma série não depende dos primeiros \(p\) termos (\(p\) finito). Logo, o critério anterior ainda é válido se tivermos \(\;0\leqslant a_n\leqslant b_n,\;\) apenas para \(\;n\gt p.\)

Exemplo 4. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{1}{3^n+n}.\;\) Como, \[\;\displaystyle 0\lt \frac{1}{3^n+n}\lt \frac{1}{3^n}=\left(\frac{1}{3}\right)^n\] e a série \(\;\sum\left(\frac{1}{3}\right)^n\;\) é convergente por ser uma série geométrica de razão \(R=1/3\) e logo \(|R|\lt 1,\) concluimos pelo critério de comparação que a série dada é convergente.

Exemplo 5. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{1+(-1)^n}{2^n+1}.\;\) Como, \[ 0\leqslant \frac{1+(-1)^n}{2^n+1}\lt \frac{2}{2^n}=\left(\frac{1}{2}\right)^{n-1}\] e a série \(\;\sum\left(\frac{1}{2}\right)^{n-1}\;\) é convergente por ser uma série geométrica de razão \(R=1/2\) e logo \(|R|\lt 1,\) concluimos pelo critério de comparação que a série dada é convergente.

Exemplo 6. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{1+\cos n}{2^n+n}.\;\) A série converge por comparação com a série \(\displaystyle\sum\left(\frac{1}{2}\right)^{n-1}.\)

Exemplo 7. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{2^{2n}}{3^n-1}.\;\) Como, \[ \frac{2^{2n}}{3^n-1}\gt \frac{2^{2n}}{3^n}=\left(\frac{4}{3}\right)^{n}\gt 0\] e a série \(\;\sum\left(\frac{4}{3}\right)^{n}\;\) é divergente por ser uma série geométrica de razão \(R=4/3\) e logo \(|R|\geqslant 1,\) concluimos pelo critério de comparação que a série dada é divergente.

Observação importante: note que para provar a convergência por comparação (exemplos 4-6) a série com que se compara tem que ter os seus termos maiores ou iguais aos da série dada, enquanto que, para provar a divergência (exemplo 7) a série com que se compara tem que ter os seus termos menores ou iguais aos da série dada.

O critério seguinte permite-nos também comparar séries e em várias situações é mais prático que o anterior:

Critério 3: critério de comparação II:

Sejam \(a_n\geqslant 0,\;\) \(b_n\gt 0,\;\) para \(n\in\mathbb{N}.\;\) se \[\lim\frac{a_n}{b_n}=L\not=0,\infty\] então as séries \(\;\sum a_n\;\) e \(\;\sum b_n\;\) têm a mesma natureza.

Demonstração

Pela definção de limite de sucessão, se \(\lim\frac{a_n}{b_n}=L\), então existe uma ordem \(p\) tal que, para \(n\gt p\) \[\frac{L}{2}\lt \frac{a_n}{b_n}\lt 2L\quad\text{ ou seja, }\quad \frac{L}{2}b_n\leqslant a_n\leqslant 2Lb_n.\] Assim, aplicando o critério 2,

Observação. Se \(\displaystyle\lim\frac{a_n}{b_n}=0\), então, para todas as ordens \(n\) suficientemente grandes teremos \(a_n\lt b_n\). Neste caso, se \(\sum b_n\) converge, conclui-se do critério de comparação que \(\sum a_n\) também converge. No entanto, se \(\sum b_n\) diverge, nada se conclui em relação à convergência de \(\sum a_n.\)

Se tivermos \(\displaystyle\lim\frac{a_n}{b_n}=+\infty\) então, para \(n\) suficientemente grande teremos \(b_n\lt a_n\) e aplica-se um argumento semelhante.

Exemplo 8. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{1}{3^n-n}.\;\) Como, \[\lim\frac{\frac{1}{3^n-n}}{\frac{1}{3^n}}=\lim\frac{3^n}{3^n-n}=1\not=0,\infty,\] pelo critério 3 concluimos que a série dada tem a mesma natureza que a série geométrica convergente \(\displaystyle\sum \left(\frac{1}{3}\right)^n\). Logo, é convergente.

Exemplo 9. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{2^n+3}{3^n+2}\;\) converge, comparando da mesma forma com \(\displaystyle\sum \left(\frac{2}{3}\right)^n\)

Exemplo 10. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty \frac{4^n-n}{3^n-n^2}\;\) diverge, comparando da mesma forma com \(\displaystyle\sum \left(\frac{4}{3}\right)^n\)

Como vemos nos exemplos atrás a ideia é comparar a série dada com uma que sabemos de antemão estudar a sua convergência/divergência. Precisamos assim de ter uma lista de séries referência para usar como comparação. Vamos usar as seguintes:

Exemplos de comparação com séries de Dirichlet

Exemplo 11. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty\frac{1}{n^2+\sqrt{n}}.\;\) A ideia aqui é considerar o termo dominante no denominador do termo geral. Neste caso é \(n^2\) e considera-se a série de Dirichlet \(\;\displaystyle\sum \frac{1}{n^2}.\;\) Como, \[\lim\frac{\frac{1}{n^2+\sqrt{n}}}{\frac{1}{n^2}}=\lim \frac{n^2}{n^2+\sqrt{n}}=1\not=0,\infty,\] pelo critério 3 concluimos que a série dada tem a mesma natureza que a série de Dirichlet com \(\alpha=2\gt 1.\) Logo, é convergente.

Exemplo 12. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty\frac{n^2+1}{n^3+1}.\;\) A ideia aqui é considerar o termo dominante no numerador do termo geral, neste caso é \(n^2\), e no denominador, neste caso é \(n^3\). Comparamos então com \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty\frac{n^2}{n^3}=\sum_{n=1}^\infty\frac{1}{n}\;\), série de Dirichlet com \(\alpha=1\). Como, \[\lim\frac{\frac{n^2+1}{n^3+1}}{\frac{1}{n}}=\lim \frac{n^3+n}{n^3+1}=1\not=0,\infty\] pelo critério 3 concluimos que a série dada tem a mesma natureza que a série de Dirichlet com \(\alpha=1.\) Logo, é divergente.

Exemplo 13. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty\frac{2\sqrt{n}+3}{n^2+n+1}.\;\) Compara-se com \(\;\displaystyle\sum \frac{n^{1/2}}{n^2}=\sum \frac{1}{n^{3/2}}\;\) que é uma série de Dirichlet com \(\;\alpha=3/2\gt 1,\;\) portanto convergente. Logo, a série dada é convergente.

Exemplo 14. \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty\frac{n}{(\sqrt{n}+1)(n+1)(\sqrt[4]{n}+1)}.\;\) Compara-se com \(\;\displaystyle\sum \frac{n}{n^{1/2+1+1/4}}=\sum \frac{1}{n^{3/4}}\;\) que é uma série de Dirichlet com \(\alpha=3/4\leqslant 1\). Logo, a série dada é divergente.

Os dois critérios seguintes são muito convenientes porque não envolvem a escolha de uma série para comparação. No entanto, elas baseiam-se na comparação com a série geométrica e têm um campo de aplicação mais restrito.
Critério 4: critério da raiz.

Seja \(a_n\geqslant 0\) tal que existe o seguinte limite em \(\overline{\mathbb{R}}\): \[\lim\sqrt[n]{a_n}=r\,.\]

  1. Se \(\;r\lt 1,\;\) então \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty a_n\;\) é convergente.
  2. Se \(\;r\gt 1,\;\) então \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty a_n\;\) é divergente.

Critério 5: critério de d'Alembert (ou da razão).

Seja \(a_n\gt 0\) tal que existe o seguinte limite em \(\overline{\mathbb{R}}\): \[\lim\frac{a_{n+1}}{a_n}=r\,.\]

  1. Se \(\;r\lt 1,\;\) então \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty a_n\;\) é convergente.
  2. Se \(\;r\gt 1,\;\) então \(\;\displaystyle\sum_{n=1}^\infty a_n\;\) é divergente.

Não damos aqui a demonstração detalhada a qual pode encontrar em [AB]. No entanto, tanto num caso como no outro é fácil ver que o caso \(r\gt 1\) conduz a \(\lim a_n=+\infty\) e , portanto a série será divergente. Para \(r\lt 1\) a demonstração de ambos os critérios baseia-se na comparação com uma série geométrica com razão \(R< 1\).

Observações sobre o uso destes dois critérios: Aparentemente estes dois métodos parecem mais fáceis de usar que os de comparação e há a tendência dos alunos se virarem por sistema para o citério de d'Alembert. No entanto é preciso ter em atenção o seguinte:

Vejam as seguintes aplicações dos critérios 4 e 5:

  1. \(\;\displaystyle\sum\frac{n}{2^n}\) é convergente: critério de d'Alembert:
    Resolução: \[\lim\frac{a_{n+1}}{a_n}=\lim \frac{\frac{n+1}{2^{n+1}}}{\frac{n}{2^n}} =\lim \frac{n+1}{2n}=\frac{1}{2}\lt 1.\]
  2. \(\;\displaystyle\sum\frac{r^n}{n!}\) é convergente: critério de d'Alembert.
  3. \(\;\displaystyle\sum\frac{n!}{n^n}\) é convergente: critério de d'Alembert.
  4. \(\;\displaystyle\sum\frac{n^2+2^n}{2^n+n!}\) é convergente: critério de d'Alembert:
    Resolução: \[\lim\frac{a_{n+1}}{a_n}=\lim \frac{(n+1)^2+2^{n+1}}{2^{n+1}+(n+1)!}\cdot\frac{2^n+n!}{n^2+2^n} =\lim \frac{2^{n+1}n!}{2^n(n+1)!}\cdot \frac{\frac{(n+1)^2}{2^{n+1}}+1}{\frac{2^{n+1}}{(n+1)!}+1}\cdot \frac{\frac{2^n}{n!}+1}{\frac{n^2}{2^n}+1}=\lim\frac{2}{n+1}=0\lt 1.\] (Relembre a escala de sucessões!)

  5. \(\;\displaystyle\sum\left(\frac{n+1}{2n+1}\right)^n\) é convergente: critério da raiz:
    Resolução: \[\lim\sqrt[n]{a_n}=\lim\sqrt[n]{\left(\frac{n+1}{2n+1}\right)^n}=\lim\frac{n+1}{2n+1}=\frac{1}{2}\lt 1.\]
  6. \(\;\displaystyle\sum\left(1-\frac{1}{n}\right)^{n^2}\) é convergente: critério da raiz:
    Resolução: \[\lim\sqrt[n]{a_n}=\lim\sqrt[n]{\left(1-\frac{1}{n}\right)^{n^2}}=\lim\left(1-\frac{1}{n}\right)^{n}=e^{-1}\lt 1.\]
  7. \(\;\displaystyle\sum\left(1+\frac{1}{n}\right)^{n^2}\) é divergente: critério da raiz:
    Resolução: \[\lim\sqrt[n]{a_n}=\lim\sqrt[n]{\left(1+\frac{1}{n}\right)^{n^2}}=\lim\left(1+\frac{1}{n}\right)^{n}=e\gt 1.\]

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