Aula teórica 31

O integral (continuação).
Critérios de integrabilidade.
Integrabilidade de funções monótonas e limitadas e das funções contínuas em intervalos fechados e limitados.

Material de estudo:

O integral (continuação)

Critérios de inttegrabilidade

O seguinte resultado é o critério geral que se usa para provar que uma função ou família de funções é integravél ou não.

Teorema (critério geral de integrabilidade) Seja \(f\) uma função limitada em \(I=[a,b]\) com \(a\lt b \) finitos. Então,

  1. \(f\) é integrável em \(I\) sse, para qualquer \(\varepsilon>0\) existe uma decomposição \(d\) de \(I\), tal que \[S_d-s_d\lt\varepsilon\,.\]
  2. \(f\) é integrável em \(I\) e \(\;\int_I f=\alpha\;\) sse, para qualquer \(\varepsilon>0\) existe uma decomposição \(d\) de \(I\), tal que \[s_d\gt \alpha-\varepsilon,\qquad \text{e}\qquad S_d\lt\alpha+\varepsilon.\]

A afirmação 2. dá mais informção que a 1. No entanto a primeira é útil quando se pretende apenas provar que uma função é integrável sem ligarmos ao valor do integral.

Podem ver a demonstração deste resultado e do corolário seguinte no texto [AB] (proposição 4.2.1 e corolário 4.2.2).

Talvez a forma mais prática de usar este resultado seja através da seguintre consequência:

Corolário Seja \(f\) uma função limitada num intervalo \(I=[a,b]\) com \(a\lt b\) finitos. Então \(f\) é integrável em \(I\) sse, para cada \(n\in\mathbb{N}\), existe uma decomposição \(d_n\) tal que, \[\lim_{n\to\infty}(S_{d_n}-s_{d_n})=0,\] e nesse caso, \[\int_a^b f(x)\,dx=\lim_{n\to \infty} s_{d_n}=\lim_{n\to \infty}S_{d_n}.\]

Exemplo: exemplo \(f(x)=x^2\) no intervalo \(I=[0,1]\) revisitado:
Neste exemplo da secção anterior que serviu de ilustração de construção de somas inferiores e superiores, considerámos, para cada \(n\in\mathbb{N}\), a decomposição que consistia em dividir \(I\) em \(n\) subintervalos comprimento \(1/n\). Concluimos então que, \[\lim_{n\to \infty}s_{d_n}=\lim_{n\to \infty}S_{d_n}=\frac{1}{3}.\] Na altura tomámos este valor como a área do conjunto "debaixo do gráfico" e motivámos o conceito de integral como sendo esta área. Ora, esta construção serve agora, usando o corolário atrás, para afirmar rigorosamente que a função \(f(x)=x^2\) é integrável no intervalo \([0,1]\) com integral \[\int_0^1 x^2\,dx=\frac{1}{3}.\]

Exercício: Repita o procedimento para a função \(\;f(x)=x\;\) no intervalo \(\;I=[0,1]\;\) mostrando que, neste caso, \[\lim_{n\to \infty}s_{d_n}=\lim_{n\to\infty}S_{d_n}=\frac{1}{2},\] e que, portanto, \[\int_0^1 x\,dx=\frac{1}{2}.\] Repare que se trata da área de um triângulo de base 1 e altura 1.

Também usando este corolário podemos estabelecer o seguinte resultado que cobre uma família importante de casos:

Teorema. Seja \(\;I=[a,b]\;\) com \(\;a\lt b\;\) finitos. Então qualquer função monótona e limitada em \(\;I\;\) é integrável neste intervalo.

Demonstração Suponhamos que \(f\) é crescente. O caso decrescente é análogo e fica como exercício.

Vamos considerar, para cada \(n\in\mathbb{N}\), a decomposição que consiste em dividir o intervalo \([a,b]\) em \(n\) subintervalos de igual comprimento \(\frac{b-a}{n}\): \(d_n=\{a+\frac{b-a}{n},a+\frac{2(b-a)}{n},\dots,a+\frac{(n-1)(b-a)}{n}\}\). Então, para \(i=1,2,\dots,n,\;\) temos, \[m_i=\inf f([x_{i-1},x_i])=f(x_{i-1}),\qquad M_i=\sup f([x_{i-1},x_i])=f(x_i),\] e, portanto, \[\begin{aligned} s_{d_n}&=\sum_{i=1}^n m_i(x_i-x_{i-1})=\sum_{i=1}^n f(x_{i-1})\frac{b-a}{n}\\ S_{d_n}&=\sum_{i=1}^n M_i(x_i-x_{i-1})=\sum_{i=1}^n f(x_{i})\frac{b-a}{n}. \end{aligned}\] Logo, \[S_{d_n}-s_{d_n}=\sum_{i=1}^n (f(x_i)-f(x_{i-1}))\frac{b-a}{n}=\frac{(f(b)-f(a))(b-a)}{n},\] pela propriedade telescópica dos somatórios (repare que esta diferença é a área de um rectângulo de base \(\frac{b-a}{n}\) e altura \(f(b)-f(a)\)). Conclusão: \[\lim_{n\to \infty}(S_{d_n}-s_{d_n})=0\] e segue-se, pelo corolário atrás, que \(f\) é integrável em \([a,b]\).

O seguinte teorema estabelece a integrabilidade numa outra classe importante de funções. A sua demonstração sai fora do âmbito desta disciplina:

Teorema. Seja \(\;I=[a,b]\;\) com \(\;a\lt b\;\) finitos. Então qualquer função contínua em \(\;I\;\) é integrável neste intervalo.

Exemplos

Exemplo 1: \(f(x)=\cos x\) é integrável em qualquer intervalo \([a,b]\) com \(a\lt b\) finitos, porque a função cosseno é contínua em \(\mathbb{R}\).

Exemplo 2:\(f(x)=\operatorname{tg}x\) no intervalo \(I=\left[0,\frac{\pi}{4}\right]\) por que a função tangente é contínua neste intervalo.

Mais geralmente, as funções elementares vistas e suas compostas, somas, diferenças e quocientes são integráveis nos intervalos fechados e limitados nos quais essas funções são contínuas. O que é acontece quando \(f\) não é contínua? Já estudámos a função de Dirichlet como o exemplo de uma função não integrável em nenhum intervalo. Portanto põe-se a questão de como estudar a integrabilidade nesses casos. No entanto, se a função for monótona e limitada em \([a,b]\), mesmo que descontínua, também já sabemos que ela é integrável pelo teorema em cima.

Exemplo 3: A função de Heaviside \(f(x)=\begin{cases}0 &\text{ se }x\lt 0\\ 1 &\text{ se }x\geqslant 0\end{cases}\quad\) no intervalo \(I=[-1,1]\).

\(f\) é crescente (não estritamente, como é óbvio) e é limitada (\(0\leqslant f(x)\leqslant 1\)). Logo, a função de Heaviside é integrável no intervalo fechado e limitado \(I\), apesar de não ser contínua.

Na próxima aula veremos como podemos estudar a integrabilidade de mais algumas classes de funções descontínuas e consideraremos resultados que nos vão ser úteis para o cálculo de integrais.