Aula teórica 30

O integral. Definição.
Somas de Darboux.
Definição do integral.

Material de estudo:

O conceito de integral foi introduzido na aula 27 de uma forma intuitiva recorrendo à ideia de área e deduzindo, a partir dessa interpretação, as propriedades básicas do integral e o Teorema da Média. Com base nestes resultados, obtivemos então o Teorema Fundamental do Cálculo e a Regra de Barrow. Ficou feita a ligação entre integral e primitiva, dando simultaneamente métodos práticos de calcular integrais combinando a Regra de Barrow com os métodos de primitivação por partes e por substituição de variável.
Ficou, no entanto, por esclarecer qual o significado matemático do integral, ou seja, a sua definição baseada apenas nos conceitos matemáticos anteriormente estabelecidos e que decorrem, em última instância, da axiomática dos números reais. Embora a forma como se introduziu o integral na aula 27 baseado em argumentos geométricos intuitivos não sirva como definição, vamos usá-lo como guia para estabelecer uma autêntica definição de integral. É muito importante ter uma definição precisa, porque só assim podemos sustentar os importantes resultados referidos atrás de uma forma rigorosa, e podemos estabelecer classes de funções para as quais faz sentido definir o integral para a definição dada. Em particular, veremos que fica justificada a existência de integral para as funções que aparecem em quase todas as aplicações práticas.

O estudo do material desta aula e da próxima terá como objectivo compreender a definição de integral e através do uso das condições de integrabilidade dadas em casos simples (ver em particular os exercícios resolvidos 1-4 da lista [I]). Também deverão saber aplicar os teoremas de integrabilidade das funções contínuas e das funções monótonas e limitadas. No texto [AB] encontram uma exposição detalhada da matéria correspondente a esta aula nas páginas 108-115. No texto em baixo apresenta-se uma motivação e um resumo dos pontos mais importantes.
Vejam e experimentem usar a applet disponibiizada no fim da 1ª secção.
Incentiva-se os alunos a visualizarem as aulas em video [MA] 25 e 26.

O integral. Definição.

Somas inferiores e superiores de Darboux.

Vamos definir integral de uma função limitada definida num intervalo limitado.

Seja então \(f\) uma função limitada (isto é, minorada e majorada) definida num intervalo \(\;I=\left[a,b\right]\;\) com \(a\lt b\) finitos.

Embora a definição de integral não exiga essa propriedade, vamos considerar nas ilustrações que \(f\) é não negativa, uma vez que neste caso fica mais claro o motivo pelo qual a definição que vamos dar corresponde à ideia intuitiva introduzida na aula 27 de "área debaixo do gráfico".

Relembremos que a nossa definição de área, no caso de uma função positiva, deverá ser consentânea com o conceito de área da região do plano \(A\) exemplificada na figura em baixo:

Vamos aproximar essa área pelas somas de áreas de rectângulos de dois modos diferentes: um, por defeito e outro, por excesso, da forma visualizada nas duas figuras seguintes:

Para construir estas aproximações começemos por definir decomposição do intervalo \(I=[a,b]\) como um conjunto \(d\) de pontos interiores de \([a,b],\) \(\;d=\{x_1,x_2,\dots,x_{n-1}\}\) tais que \(a\lt x_1\lt x_2\lt\dots\lt x_{n-1}\lt b\,.\quad\) Os pontos \(a, b\) não fazem parte de \(d\), mas vamos convencionar \(\;x_0=a,\;\) \(x_n=b.\)

Estes pontos decompõem \(I\) em \(n\) subintervalos \(I_1=[a,x_1],\;\) \(I_2=[x_1,x_2],\;\dots\;,\) \(\;I_n=[x_{n-1},b].\) Cada um destes subintervalos constituirá a base de cada um dos rectângulos visualizados em ambas as figuras.

Vejamos as alturas desses rectângulos. Na figura da esquerda, a altura \(m_i\) do rectângulo com base \(I_i=[x_ {i-1}, x_i]\) será o ínfimo dos valores de \(f(x)\) para \(x\in I_i\), enquanto, na figura da direita, a altura \(M_i\) do rectângulo correspondente ao mesmo intervalo \(I_i\) será o supremo desses valores: \[m_i= \inf f(I_i),\qquad M_i=\sup f(I_i),\qquad i=1,2,\dots,n\,.\] A soma das áreas dos rectângulos da figura da esquerda designamos por soma inferior relativa à decomposição \(d\) e representaremos por \(s_d\). A soma das áreas dos rectângulos da figura da direita designamos por soma superior relativa à decomposição \(d\) e representaremos por \(S_d\). Ou seja, temos a seguinte

Definição: Dada uma função \(f\) limitada num intervalo \([a,b]\) com \(a\lt b\) finitos, e \(d\) uma decomposição desse intervalo, definem-se as somas de Darboux relativas à decomposição \(d\):

ou, numa forma mais compacta, \[s_d=\sum_{i=1}^n m_i\Delta x_i\;,\qquad\qquad S_d=\sum_{i=1}^n M_i\Delta x_i,\] onde \(\Delta x_i=x_i-x_{i-1}.\;\)

Reparem que, apesar de neste momento para facilitar a interpretação geométrica, estarmos a considerar \(f\) positiva, esta definição apenas requer que a função seja limitada no intervalo limitado \([a,b]\). Nestas condições é sempre possível formar estas somas porque, pelo axioma do supremo, existem o supremo e ínfimo de \(f\) em cada subintervalo \(I_i\).

Vamos ver um exemplo de construção destas somas e daí partir para o cálculo da área do conunto \(A\):

Exemplo ilustrativo de construção de somas de Darboux

Seja \(f:[0,1]\to\mathbb{R}\) a função dada por \[f(x)=x^2\,.\] Para cada \(n\in\mathbb{N}\), consideremos a decomposição de \([0,1]\) formada por \(n-1\) pontos igualmente espaçados, isto é, \[d_n=\{x_1,x_2,\dots,x_{n-1}\}=\left\{\frac{1}{n},\;\frac{2}{n},\;\dots ,\frac{n-1}{n}\right\}\] Então, para \(\;i=1,2,\dots,n,\;\) temos \(\;x_i-x_{i-1}=\dfrac{1}{n}\;\;\) (assumindo \(x_0=0,\; x_n=1\)).

Por outro lado, \[m_i=\inf f([x_{i-1},x_i])=x_{i-1}^2=\frac{(i-1)^2}{n^2},\qquad M_i=\sup f([x_{i-1},x_i])=x_{i}^2=\frac{i^2}{n^2}.\] Substituindo em cima nas expressões das somas inferior e superior de Darboux, ficaremos com, \[\begin{aligned} s_{d_n}&=\frac{0^2}{n^2}\cdot\dfrac{1}{n} +\frac{1^2}{n^2}\cdot\dfrac{1}{n}+\dots+\frac{(n-1)^2}{n^2}\cdot\dfrac{1}{n} =\frac{1}{n^3}\left( 1^2+2^2+\dots+(n-1)^2\right)= \frac{(n-1)n(2n-1)}{6n^3}=\frac{1}{6}\left(1-\frac{1}{n}\right)\left(2-\frac{1}{n}\right),\\ \\ S_{d_n}&=\frac{1^2}{n^2}\cdot\dfrac{1}{n} +\frac{2^2}{n^2}\cdot\dfrac{1}{n}+\dots+\frac{n^2}{n^2}\cdot\dfrac{1}{n} =\frac{1}{n^3}\left( 1^2+2^2+\dots+n^2\right)=\frac{n(n+1)(2n+1)}{6n^3}=\frac{1}{6}\left(1+\frac{1}{n}\right)\left(2+\frac{1}{n}\right), \end{aligned} \] onde se usou a expressão para \(\;1^2+2^2+\dots+n^2\;\) dada no exercício sumplementar 1.c) da ficha 2 das aulas práticas.

Constatemos que \(s_{d_n}\) é crescente em \(n\), que \(S_{d_n}\) é decrescente em \(n\) e que, \[\lim_{n\to\infty}s_{d_n}=\lim_{n\to\infty}S_{d_n}=\frac{1}{3}.\]

Ou seja, faz todo o sentido dizer que a área do conjunto \(A\) neste caso é \(\dfrac{1}{3}\) e, portanto, \[\int_0^1 x^2\,dx=\frac{1}{3}.\] Repare que em rigor, de momento ainda não podemos afirmar este facto uma vez que ainda não definimos o integral, que é o que nos vai ocupar em seguida.

Visualize na seguinte applet o processo acabado de descrever. Para isso sugere-se que:

  1. Substitua \(f(x)=x^2\) e os limites \(a=0\) e \(b=1\);
  2. Usando a roda do rato para fazer zoom e o botão esquerdo para mover a figura ponha a parte interessante do gráfico por forma a que se veja bem;
  3. Ao mover o cursor, varia o número de pontos da decomposição e, portanto, o número de rectângulos. Visualize as somas inferior (côr mais escura) e superior (cor mais clara) em simultâneo ou separadamente (basta fazer "check" ou "uncheck" nas opções desejadas) e constate o seguinte: Partindo de \(n=1\), aumentando \(n\), Tenha em atenção que os valores apresentados na figura são apenas aproximados.

Em seguida poderá experimentar com outras funções: \(x,\; \cos x,\;\) etc.

Definição do integral (de Riemann)

Antes de considerarmos a definição de integral precisamos das propriedades destas somas enunciadas na seguinte proposição:

Proposição: Seja \(f\) uma função limitada em \(I=[a,b]\), com \(a\lt b\) finitos. Então, para cada decomposição \(d\) deste intervalo, existem \(s_d\) e \(S_d\) e \[s_d\leqslant S_d.\] Se \(d\) e \(d'\) são duas decomposições de \(I\) tais que \(\;d\subset d'\;\) (\(d'\)decompõe \(I\) em mais subintervalos que \(d\)) então, \[s_d\leqslant s_{d'},\qquad S_d\geqslant S_{d'}.\] Se \(d\) e \(d'\) são duas decomposições quaisquer de \(I\), então \[s_d\leqslant S_{d'}.\]

Podem ver as demonstrações destas afirmações no texto [AB] (proposições 4.1.37 e 4.1.38)

Sejam Se \(d=\emptyset\,\) (decomposição vazia), então só há um subintervalo: o próprio \(I\), e nesse caso, \[s_{\emptyset}=m(b-a),\qquad S_{\emptyset}=M(b-a),\qquad\text{onde}\quad m=\inf f(I),\quad M=\sup f(I).\] Pela proposição anterior, temos, para quaisquer \(s_d,\,S_{d'},\) \[m(b-a)\leqslant s_d \leqslant S_{d'}\leqslant M(b-a),\] e, portanto, \(\sigma\) é um conjunto majorado e \(\Sigma\) é um conjunto minorado. Logo, \(\sup\sigma\) e \(\inf \Sigma\) existem em \(\mathbb{R}\). Definimos então,

Definição: Dada uma função \(f\) limitada em \(I=[a,b]\), com \(a\lt b\) finitos, definem-se:

De forma mais compacta poderemos escrever \(\;\underline{\int_I}f\;\) e \(\;\overline{\int_I}f.\)
Grosso modo, no caso de \(f\) positivo, \(\;\underline{\int_I}f\;\) é o melhor que será possível aproximar a "área debaixo do gráfico" usando apenas somas inferiores, enquanto que \(\;\overline{\int_I}f\;\) é o melhor que será possível aproximar a "área debaixo do gráfico" usando apenas somas superiores. No caso da secção anterior estes dois valores eram iguais (=1/3). No entanto, apesar de existirem para qualquer função \(f\) limitada, podem não ser iguais, como veremos num exemplo a seguir. Temos então:

Definição: Seja \(f\) uma função limitada em \(I=[a,b]\) com \(a\lt b\) finitos. Se \[\underline{\int_a^b}f(x)\,dx =\overline{\int_a^b\,}f(x)\,dx=\alpha\] diz-se que \(f\) é integrável em \(I\) e, nesse caso (e apenas nesse caso!), define-se o integral de \(f\) em \(I\): \[\int_a^b f(x)\,dx=\alpha.\] De uma forma mais compacta podemos escrever \(\int_I f\,.\)

Reparem que qualquer função limitada em \(I\) tem os integrais inferior e superior, podendo no entanto, não ser integrável.

A seguir dão-se dois exemplos especiais nos quais conseguimos caracterizar completamente os conjuntos \(\sigma\) e \(\Sigma\) e daí estudar a integrabilidade directamente da definição:

Exemplos

Os dois exemplos atrás são especiais na medida em que somos capazes de usar directamente a definição de integrabilidade. Em geral isso não acontece e precisamos de critérios de integrabilidade para aplicar em casos mais gerais. Ocuparemo-nos desse assunto na próxima aula.