Aula teórica 3

Os números naturais. O método de indução matemática.

Material de estudo:

Os números naturais.

Começemos por introduzir um subconjunto especial de \(\mathbb{R}\): o conjunto dos números naturais, \(\mathbb{N}\). Se vos perguntarem o que são os números naturais vocês vão dizer que são os números \(1,\;2=1+1,\; 3=2+1,\; 4=3+1,\; 5=4+1,\;\dots\quad\) Como o conjunto dos naturais é infinito, por mais naturais que escrevamos nunca vai ser possível enumerá-los todos. Por isso, recorremos aos pontinhos "\(\dots\)". Do ponto de vista intuitivo é claro o que é que os pontinhos querem dizer, mas matematicamente não tem significado, a menos que escrevamos uma expressão (ou uma proposição) que, de uma forma precisa sem ambiguidades, nos caracterize todos os elementos de \(\mathbb{N}\), não só apenas um subconjunto finito, como fizemos atrás (em rigor, só dissemos que os números \(1,2,3,4,5\) são naturais).

Para definirmos o conjunto dos números naturais \(\mathbb{N}\) começemos por introduzir o seguinte conceito:

Definição: Um conjunto \(A\subset \mathbb{R}\) diz-se indutivo se,
A segunda propriedade é conhecida também como propriedade hereditária.

Exemplos de conjuntos indutivos são: \[\mathbb{R},\quad \mathbb{R}^+,\quad \{1\}\cup \left[2,+\infty\right[,\quad \{1,2\}\cup \left[3,+\infty\right[,\quad \{1,2,3\}\cup \left[4,+\infty\right[.\]

Exemplos de conjuntos não indutivos são, qualquer conjunto com um número finito de elementos, \(\mathbb{R}^-\), o conjunto dos inteiros pares e o dos inteiros ímpares, qualquer intervalo \(\left[a,b\right]\) com \(b\) finito.

Vejamos agora, por exemplo, o número \(3\). Se \(A\) é um conjunto indutivo, então \(3\in A\), porque \(1\in A\;\Rightarrow\; 2=1+1\in A\;\Rightarrow\; 3=2+1\in A.\) Este raciocínio é válido para \(2,\;4,\;5,\;6\quad\) ou qualquer outro número que queremos incorporar no conjunto dos números naturais. Ou seja, vamos querer que \(\mathbb{N}\) esteja contido em todos os conjuntos indutivos. Por outro lado, não queremos, em \(\mathbb{N}\), mais números do que os que são obtidos desta forma. Isto motiva a seguinte

Definição: Define-se o conjunto dos números naturais como, \[\mathbb{N}= \text{intersecção de todos os conjuntos indutivos.}\]
Reparem então que se \(A\) é indutivo, então \(\mathbb{N}\subset A\), fazendo de \(\mathbb{N}\) o menor conjunto indutivo possível.

Como \(1>0\), então \(p\in\mathbb{N}\;\Rightarrow\; p>0\), ou seja, \[\mathbb{N}\subset\mathbb{R}^+\subset\mathbb{R}.\]

O método de indução matemática.

Este método resulta da definição de \(\mathbb{N}\) dada atrás. Seja \(A\) um conjunto de naturais (\(A\subset \mathbb{N}\)). Suponhamos que provamos que este conjunto é indutivo. Então, pela definição atrás, \(\mathbb{N}\subset A\). Concluimos então que \(A=\mathbb{N}.\) Seja agora, \(P(n)\) uma proposição, para cada valor da variável natural \(n\) (uma fórmula, uma desigualdade, etc.) Queremos certificamo-nos de que o conjunto \(A\) dos naturais \(n\) que fazem com que esta proposição é verdadeira é mesmo todo o \(\mathbb{N}\). Então, para isso, basta provar que \(A\) é indutivo, ou seja, \(P(1)\) é verdadeira (ou seja, \(1\in A\)) e \(P(n)\;\Rightarrow \;P(n+1)\) (ou seja, \(n\in A\;\Rightarrow\; n+1\in A\)).

Podemos enunciar então:

Teorema (método de indução matemática): Seja \(P(n)\) uma proposição, para cada \(n\in\mathbb{N}\). Se, então \(P(n)\) é verdadeira, para qualquer \(n\in\mathbb{N}\).

A afirmação "\(P(1)\) é verdadeira" designa-se por base de indução.

Para provar a segunda parte, assumimos que, para um valor de \(n\), \(P(n)\) é verdadeira - Hipótese de indução. Provamos, em seguida, que essa hipótese implica que \(P(n+1)\) é também verdadeira - Tese de indução.

Exemplo 1: Já conhecem o conceito de sucessão do Ensino Secundário. Seja \(x_n\) uma sucessão dada por recorrência da seguinte forma: \[\begin{cases} x_1=20,\\ x_{n+1}=2x_n,\quad n\in \mathbb{N}. \end{cases}\]

Depois de experimentarmos alguns valores, \(n=2,3,4,\dots\), conjecturamos que é verdadeira a expressão \(x_n=10\cdot 2^n,\) para todo \(n\in\mathbb{N}\). Queremos provar que assim é. A afirmação \(P(n)\) é "\(x_n=10\cdot 2^n\)". Então: O método de indução matemática é útil também para definir termos por recorrência como, por exemplo, o factorial de \(n\): \[\begin{cases} 0!=1,\\ (n+1)!=n!(n+1)\,. \end{cases}\] Exemplo 2: Seja \(y_n\) uma sucessão dada por recorrência da seguinte forma: \[\begin{cases} y_1=2,\\ y_{n+1}=-\dfrac{y_n}{n},\quad n\in \mathbb{N}. \end{cases}\]

Provemos por indução que \(y_n=\dfrac{2\cdot (-1)^{n-1}}{(n-1)!},\) para todo \(n\in\mathbb{N}\). Seja esta propriedade a proposição \(P(n)\) Exemplo 3: Mostrar que, \[1+3+5+\dots+(2n-1)=n^2\]

Seja esta propriedade a proposição \(P(n)\). Provemos que é válida para todo \(n\in\mathbb{N}\). No Exemplo 3, seria mais conveniente usar o símbolo de somatório que se define por recorrência:
Definição: Seja \(a_n\) uma sucessão. Então, define-se por recorrência o somatório: \[\sum_{k=1}^1 a_k=a_1\,,\qquad \sum_{k=1}^{n+1}a_k=\sum_{k=1}^{n}a_k+a_{n+1}.\]

A expressão a provar no Exemplo 3 ficaria: \[\sum_{k=1}^n(2k-1)=n^2.\] Como Exercício faça a resolução deste Exemplo com esta notação.

Exemplo 4: Provar \[1+2+3+\dots+n=\sum_{k=1}^n k=\frac{n(n+1)}{2}.\]

Seja esta propriedade a proposição \(P(n)\). Provemos que é válida para todo \(n\in\mathbb{N}\). Exemplo 5: Dado um real \(r\not=1,\) provar, para todo \(n\in\mathbb{N}_{0},\) \[1+r+r^2+\dots+r^n=\sum_{k=0}^n r^k=\frac{1-r^{n+1}}{1-r}.\]

. Duas observações importantes:
  1. Povar que \(P(n)\Rightarrow P(n+1)\) para todo \(n\in\mathbb{N}\) não é suficiente! Por exemplo, seja \(P(n)\) a afirmação \(n=n+1\) a qual é obviamente falsa, qualquer que seja \(n.\) No entanto, somando \(1\) a ambos os membros da igualdade obtemos \(n=n+1\Rightarrow n+1=n+2\), ou seja, \(P(n)\Rightarrow P(n+1).\)
  2. Para provarmos que \(P(n)\) é verdadeira para todo \(n\geqslant n_0\), fixado \(n_0\in\mathbb{N}_{0}\), começamos por verificar \(P(n_0)\) e provamos \(P(n)\Rightarrow P(n+1)\) como antes, mas considerando \(n\) a partir de \(n_0.\)
Exemplo 6: Desta vez a afirmação \(P(n)\) é uma desigualdade: \[2^n\geqslant n+1,\]

.

Este último exemplo é um caso particular da seguinte importante desigualdade conhecida como desigualdade de Bernoulli, para \(a>0\) fixo: \[(1+a)^n\geqslant 1+na,\] para qualquer \(n\in\mathbb{N}.\) Exercício: mostre o caso \(a=2\), ou seja, \(3^n\geqslant 2n+1.\)

Exemplo 7: Outra desigualdade: \[n!\geqslant 2^n, \quad\text{para } n\geqslant 4.\]

. Exemplo 8: Provar que \(4^n-1\) é múltiplo de \(3\), para qualquer \(n\in\mathbb{N}.\)