Aula teórica 29

O integral (continuação).
Funções dadas por integrais indefinidos. Aplicação do integral ao cálculo de áreas.

Material de estudo:

O integral (continuação)

Funções dadas por integrais indefinidos

Na aula anterior introduzimos a função conhecida como o integral indefinido de uma função \(f(x)\), \(\varphi_a\) ou, simplesmente, \(\varphi\): para \(f\) definida num intervalo \(D\), integrável em cada intervalo limitado contido em \(D\), define-se o integral indefinido \[\varphi(x)=\int_a^x f(t)\,dt.\] Vimos que esta função tem as seguintes propriedades:

  1. \(\varphi\) é contínua em \(D.\)
  2. Se \(f\) é contínua em \(D\), então \(\varphi\) é diferenciável em \(D\) e é válido o Teorema Fundamental do Cálculo: \[\varphi'(x)=f(x).\]

A última expressão também se pode escrever, \[\left(\int_a^xf(t)\,dt\right)'=f(x).\] Ou seja, se \(f\) é contínua num intervalo \(D\) e \(a\in D\), então o integral indefinido \(F_a\) é uma primitiva de \(f\) em \(D\).

Uma função pode ser dada como sendo o integral indefinido de uma determinada função. Um exemplo importante foi já mencionado na aula anterior: a função erro usado na estatística: \(\operatorname{erf}(x)=\frac{1}{\sqrt{2\pi}}\int_0^x e^{-x^2}.\) Esta função, em particular não tem representação em termos das funções elementares que conhecem.

Referimos aqui que a própria função logaritmo poderia ter sido dada como o integral indefinido \[\ln x=\int_1^x \frac{1}{t}\,dt,\quad\text{para}\quad x>0.\]

Portanto, dada uma função usando o integral indefinido vamos querer estudá-la e, portanto, calcular os seus intervalos de monotonia e extremos, concavidades e assíntotas, como qualquer outra função.

Damos em seguida alguns exemplos de cálculo da derivada de funções envolvendo o integral indefinido \(\varphi(x):\)

Exemplo 1. seja \(f(x)=e^{-x^2}\). Pelo TFC, podemos dizer que se \[\varphi(x)=\int_0^x e^{-t^2}\,dt\qquad \text{então}\qquad \varphi'(x)=e^{-x^2},\quad \forall x.\]

Exemplo 2. \(F(x)=\displaystyle\int_x^{-1}\frac{e^t}{t}dt\quad\) tem domínio \(D=\mathbb{R}^-\). Relembre que \(f(t)=\dfrac{e^t}{t}\) é contínua quer em \(\;\mathbb{R}^-,\;\) quer em \(\;\mathbb{R}^+\), mas o ponto inicial \(-1\in \mathbb{R}^-.\quad\) Assim, se fosse \(\;x\gt 0\;\) o intervalo de integração seria \([-1,x]\) o que incluiria o zero, e a função integranda não seria limitada e portanto não integrável nesse intervalo o que é absurdo.
Temos então, \[F'(x)=\left(\int_x^{-1}\frac{e^t}{t}\right)'=\left(-\int_{-1}^x\frac{e^t}{t}\right)'=-\frac{e^x}{x},\qquad x\lt 0.\]

Exemplo 3. \(G(x)=\displaystyle\int_2^{x^2}\frac{e^t}{t}dt\quad\) tem domínio \(D=\mathbb{R}\setminus\{0\}\).
Temos que olhar para a função \(G\) como a função \(\varphi(b(x))\) composta do integral indefinido \(\varphi(x)=\int_2^x \frac{e^t}{t}\,dt\) com \(b(x)=x^2\).
Como \(f(t)=\dfrac{e^t}{t}\) é contínua em \(\mathbb{R}^+\) então é contínua no intervalo fechado entre \(2\) e \(x^2\)e, logo, \(\varphi'(x)=f(x).\) Usando o teorema da derivada da função composta, \[G'(x)=\left(\varphi(b(x))\right)'=f(b(x))b'(x)=\frac{e^{x^2}}{x^2}2x=\frac{2e^{x^2}}{x}.\]

Exemplo 4. \(\displaystyle G(x)=\int_x^{x^2}\frac{e^t}{t}dt,\qquad\) tem domínio \(D=\mathbb{R}^+\).
Para derivar \(G\) escrevemos, \[G(x)=\int_x^a \frac{e^t}{t}dt+\int_a^{x^2} \frac{e^t}{t}dt=-\int_a^x \frac{e^t}{t}dt+\int_a^{x^2} \frac{e^t}{t}dt.\] Logo, usando o exemplo 3, \[G'(x)=-\frac{e^x}{x}+\frac{2e^{x^2}}{x}.\]

Os exemplos 2, 3 e 4 são casos particulares do seguinte resultado:

Se \(a(x)\) e \(b(x)\) são diferenciáveis e \(f\) é contínua, então, \[\left(\int_{a(x)}^{b(x)}f(t)\,dt\right)'=b'(x)f(b(x))-a'(x)f(a(x)).\]
Resulta de considerar o integral indefinido de \(f\), \(\varphi(x)=\int_c^xf(t)\,dt\;\) \(c\) fixo, e escrever, \[\left(\int_{a(x)}^{b(x)}f(t)\,dt\right)'=\left(\int_{c}^{b(x)}f(t)\,dt-\int_{c}^{a(x)}f(t)\,dt\right)' =\left(\varphi(b(x))-\varphi(a(x))\right)'\] e o resultado sai do TFC e da regra de derivação da função composta.

Pode ainda dar-se o caso da expressão integranda envolver \(x\) como no exemplo seguinte

Exemplo 5. \(\displaystyle G(x)=\int_1^{x}\frac{x^2e^t}{t}dt,\quad\) tem domínio \(\mathbb{R}^+\).
Como \(x\) é independente de \(t\), tratamo-lo como uma constante a multiplicar a função integranda. Logo, \[\left(\int_1^{x}\frac{x^2e^t}{t}dt\right)'=\left(x^2\int_1^{x}\frac{e^t}{t}dt\right)'=2x\int_1^{x}\frac{e^t}{t}dt+x^2\cdot\frac{e^x}{x}.\]

Observação O Teorema Fundamental do Cálculo estabelece a ligação entre o Cálculo Diferencial (derivadas) e o Cálculo Integral (integrais). À partida nada nos fazia suspeitar que o conceito de derivada e portanto de primitiva, estivesse relacionado com o conceito de integral. Relembremos as interpretações geométricas aparentemente não relacionadas da derivada e do integral.

Aplicação do integral ao cálculo de áreas

O conceito de "área debaixo do gráfico" foi usado para introduzir o integral na aula anterior. Esse conceito surge agora como uma definição:
Definição (Área - I)

Seja \(f(x)\geqslant 0\), para todo \(x\in[a,b].\quad\) Seja \(A\) o conjunto do plano \(Oxy\) dada por \[A=\{(x,y)\;:\;0\leqslant y\leqslant f(x)\;\wedge \; a \leqslant x \leqslant b\}.\] Define-se a área do conjunto \(A\) como sendo \[\operatorname{Área}(A)=\int_a^b f(x)\,dx,\] se este integral existir.

Por vezes, designamos aquele conjunto \(A\) por \(A_f(a,b)\) quando for preciso dizer qual a função e o intervalo considerados.
Se \(0\leqslant g(x)\leqslant f(x)\) em \([a,b]\) é natural definir a "área entre os gráficos de \(g\) e de \(f\)" como sendo a área do conjunto \(A=A_f(a,b)\setminus A_g(a,b)\) dada por \[\operatorname{Área}(A)=\operatorname{Área}(A_f(a,b))-\operatorname{Área}(A_g(a,b))=\int_a^b f(x)\,dx-\int_a^b g(x)\,dx= \int_a^b (f(x)-g(x))\,dx.\]
Mas, como estamos a considerar \(f\) e \(g\) limitadas, mesmo que elas mudem de sinal no intervalo \([a,b]\), é possível somar uma constante real \(C\) suficientemente grande de forma a que \(f(x)+C\) e \(g(x)+C\) fiquem ambas positivas. Ora, de acordo com o conceito de área que queremos definir, uma translação de uma região do plano não deverá mudar a área dessa região. Logo, a área da região entre as funções \(g(x)\) e \(f(x)\) deverá ser a mesma que a área da região entre \(g(x)+C\) e \(f(x)+C\) e esta diferença é independente do valor de \(C\): \[(f(x)+C)-(g(x)+C)=f(x)-g(x)\,.\]
Logo, faz todo o sentido definir
Definição (Área - II)

Sejam \(f, g\) limitadas tais que, \(g(x)\leqslant f(x)\), para todo \(x\in[a,b].\quad\) Seja \(A\) o conjunto do plano \(Oxy\) dada por \[A=\{(x,y)\;:\;g(x)\leqslant y\leqslant f(x)\;\wedge \; a \leqslant x \leqslant b\}.\] Define-se a área do conjunto \(A\) como sendo \[\operatorname{Área}(A)=\int_a^b \left(f(x)-g(x)\right)\,dx,\] se este integral existir.

Assumindo que \(f,g\) são contínuas, podemos usar a regra de Barrow e calcular a área de regiões bastante gerais.

A seguinte ferramenta do GeoGebra permite visualizar a região \(A\) e calcular a respeciva área. Nos campos adequados pode introduzir as funções \(f(x)\) e \(g(x)\) e, com os cursores, escolher os valores de \(a\) e \(b\).

Exemplos de cálculo de áreas

  1. Área da região plana limitada por \(\;y=x^2-2\;\) e \(\;y=6-x^2\;\).
    Em casos como este, a região \(A\) não é dada de forma completamente explícita: faltam os extremos do intervalo \(a,b\) que têm que ser inferidos da descrição do conjunto. Para isso, é muito útil, por vezes mesmo indispensável, fazer um esboço do gráfico. Faça o esboço neste caso (compare com a ferramenta do GeoGebra) e veja que neste caso particular, tal como em muitos outros, esses pontos são dados pelas interseções entre os gráficos das funções: \[x^2-2=6-x^2\quad\Leftrightarrow\quad x^2=4\quad\Leftrightarrow\quad x=\pm 2.\] Então, \[\operatorname{Área (A)}=\int_{-2}^2\left((6-x^2)-(x^2-2)\right)dx =2\int_{0}^2(8-2x^2)\,dx=2\left[8x-2\frac{x^3}{3}\right]_0^2=\frac{64}{3}.\] Reparem que aqui usou-se o facto da função integranda ser par (fruto da região ser simétrica relativamente ao eixo \(0y\)).
  2. Área limitada por \(\;x=y^2-2\) e \(\;x=6-y^2.\)
    Como no exemplo anterior... (trocamos os eixos).
  3. Área da região limitada por \(\;y=x-1,\;\) \(\;y=-e^x\;\) \(\;y=-2:\)
    Esboçe os graficos.
    Intersecções: \(x-1=-2\;\Leftrightarrow \; x=-1,\quad\) \(-e^x=-2 \;\Leftrightarrow \; x=\ln 2.\) \[\operatorname{Área}(A)=\int_{-1}^0(x-1-(-2))dx+\int_0^{\ln 2}(-e^x-(-2))dx=\left[\frac{x^2}{2}+x\right]_{-1}^{0} +\left[-e^x+2x\right]_0^{\ln 2}=2\ln 2-\frac{1}{2}.\]
  4. Área da região limitada por \(\;y=\operatorname{arctg}x,\;x=1,\;y=0.\) \[\operatorname{Área}(A)=\int_0^1\operatorname{arctg}x\,dx=\frac{\pi}{4}-\frac{1}{2}\ln 2.\]
  5. Área da região \(A=\left\{(x,y):\; 1\leqslant x\leqslant e,\; 0\leqslant y\leqslant \dfrac{1}{x(1+\ln^2x)}\right\}.\) \[\operatorname{Área}(A)=\int_1^e\frac{1}{x(1+\ln^2 x)}\,dx=\left[\operatorname{arctg}(\ln x)\right]_1^e=\frac{\pi}{4}.\]
  6. Área do círculo de raio \(a\gt 0\).
    A equação do círculo de raio \(a\) (centrado na origem) é \(x^2+y^2=a^2\). O quarto de círculo no 1º quadrante será a região \(A=\{(x,y):\; 0\leqslant y\leqslant \sqrt{a^2-x^2},\; 0\leqslant x\leqslant a\}.\)
    Fazendo a substituição de variável \(x=a\operatorname{sen}t,\;\) e usando \(\;\cos^2t=\frac{1+\cos(2t)}{2}\), \[\operatorname{Área}(A)=\int_0^a\sqrt{a^2-x^2}\,dx=\int_0^{\pi/2}\cos^2t\,dt=\left[2t+\operatorname{sen}(2t)\right]_0^{\pi/2}=\frac{\pi a^2}{4}.\] Conclusão: a área do círculo de raio \(a\) é \(4\operatorname{Área}(A)=\pi a^2.\)
Recapitulando: A região pode ser explicitamente dada e, nesse caso podemos logo escrever o integral que dá a área. Este é o caso do exemplo 5. Nos outros casos é necesário interpretar a região e calcular os pontos de intersecção entre as curvas que delimitam a região e perceber-se entre estas intersecções qual são as funções cujos gráficos limitam a região "por cima" e "por baixo".