Regras de derivação (conclusão):
Derivada da função inversa. Derivadas de inversas de funções elementares.
Derivadas laterais: aplicação ao estudo da diferenciabilidade num ponto.
Extremos locais
Material de estudo:
[AB] A. Bastos e A. Bravo, Cálculo Diferencial e Integral I.
Texto de apoio às aulas, 2010., páginas 72-75.
[CF] J. Campos Ferreira. Introdução à Análise Matemática, Fundação Gulbenkian, 8a ed., 2005.
Já vimos que
\[f\;\text{ é injectiva e contínua num intervalo } I\quad\Rightarrow\quad f^{-1}\;\text{ é contínua no intervalo } J=f(I).\]
Podemos enunciar um resultado correspodente para a diferenciabilidade dando, simultaneamente, uma expressão ("regra") para o cálculo da derivada
da função inversa:
Teorema (da derivada da função inversa):
Seja \(f\) injectiva e contínua no intervalo \(I.\;\) Seja \(a\) um ponto interior a \(I.\;\) Se \(f\) é diferenciável em \(a,\) com \(f'(a)\not=0,\;\)
então, \(\;f^{-1}\;\) é diferenciável em \(\;b=f(a)\;\) e
\[(f^{-1})'(b)=\frac{1}{f'(a)}=\frac{1}{f'(f^{-1}(b))}.\]
Fazendo a mudança de variável \(\;y=f(x)\;\Leftrightarrow\; x=f^{-1}(y),\;\) para \(\;y\in f(I),\;\) temos que, se \(\;y\to b\;\) então \(\;x\to a,\;\)
já que \(\;f^{-1}\;\) é contínua em \(\;b=f(a).\;\) Por outro lado, de \(\;f'(a)\not=0,\;\) temos numa vininhança de \(a,\;\) \(f(x)\not=f(a)\;\Leftrightarrow\;
y\not=b.\;\) Logo,
\[\lim_{y\to b}\frac{f^{-1}(y)-f^{-1}(b)}{y-b}=\lim_{x\to a}\frac{x-a}{f(x)-f(a)}=\frac{1}{f'(a)},\]
já que \(\;f'(a)\not=0.\)
∎
Não constituindo uma demonstração, mas se soubéssemos de antemão que \(\;f^{-1}\;\) era diferenciável, podíamos muito simplesmente deduzir a regra de derivação
da função inversa a partir da regra de derivação da função composta: da derivação da igualdade
\[f(f^{-1}(y))=y,\]
no ponto \(\;y=b=f(a),\;\) obteríamos, pela regra de derivação da função composta,
\[f'(f^{-1}(b))(f^{-1})'(b)=1\]
donde sai imediatamente o resultado do teorema.
Repare que, se \(f(x)\) satisfizer as condições do teorema em todos os pontos \(x\in I\), teremos:
\(\left.\begin{aligned}&f\;\text{ é injectiva, diferenciável e com }f'\not=0
\text{ num intervalo aberto } I\end{aligned}\right. \quad\Rightarrow\quad f^{-1}\;\text{ é diferenciável em } J=f(I),\)
e, além disso, para todo \(y\in J\),
\[\left(f^{-1}\right)'(y)=\frac{1}{f'(f^{-1}(y))}.\]
Apliquemos este resultado ao cálculo de funções inversas de funções elementares:
Função logaritmo.
Já deduzimos a derivada desta função directamente da definição. No entanto, pode-se também deduzir essa mesma derivada encarando a função
logaritmo como a inversa da exponencial. Fazêmo-lo aqui como uma ajuda à compreensão de como se usa o Teorema da derivada da função inversa. Se,
\[y=f(x)=e^x, \;\text{ com }\;D_f=\mathbb{R}\,,\quad C_f=\mathbb{R}^+\]
então,
\[x=f^{-1}(y)=\ln y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R}^+\,,\quad C_{f^{-1}}=\mathbb{R}\]
Verifique que \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema com \(I=\mathbb{R}\) em todos os pontos.
Logo, podemos usar a expressão atrás, levando em conta que \(f'(x)=(e^x)'=e^x,\):
\[(\ln y)'=\frac{1}{e^{\ln y}}=\frac{1}{y}.\]
Funções raiz.
O resultado que vamos deduzir, também já o conhecemos: pode ser obtido pela regra da derivada de \(f^g\). No entanto,
pela mesma razão que o logaritmo, apresentamos aqui uma dedução alternativa: Seja \(p\in\mathbb{N}\) e,
\[y=f(x)=x^p, \;\text{ com }\;D_f=\mathbb{R}^+\,,\quad C_f=\mathbb{R}^+.\]
Consideramos apenas \(x\gt 0\), para que \(f\) seja injetiva, quer para \(p\) ímpar, quer para \(p\) par. Então,
\[x=f^{-1}(y)=\sqrt[p]{y}=y^{1/p},\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R}^+\,,\quad C_{f^{-1}}=\mathbb{R}^+.\]
Então, atendendo a que \(f\) satisfaz todos os requisitos do teorema em todos os pontos de \(I=\mathbb{R}^+\), e que, \(f'(x)=px^{p-1}\) teremos então,
\[\left(\sqrt[p]{y}\right)'=\frac{1}{px^{p-1}}=\frac{1}{p(y^{1/p})^{p-1}}=\frac{1}{p}y^{\frac{1}{p}-1}.\]
Inversas trigonométricas
Seja,
\[y=f(x)=\operatorname{sen}x, \;\text{ com }\;D_f=\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right]\,,\quad C_f=\left[-1,1\right].\]
Então,
\[x=f^{-1}(y)=\operatorname{arcsen} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\left[-1,1\right],\quad C_{f^{-1}}=\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right]\,.\]
Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\) e, portanto,
\(\displaystyle J=\left]-1,1\right[\). Sendo assim, teremos para cada \(-1\lt y\lt 1,\)
\[\left(\operatorname{arcsen}y\right)'=\frac{1}{(\operatorname{sen}x)'}=\frac{1}{\cos x}=\frac{1}{\cos(\operatorname{arcsen}y)}
=\frac{1}{\sqrt{1-y^2}}.\]
A última igualdade resulta de \(\operatorname{sen}^2x+\cos^2x=1\), fazendo a substituição \(x=\operatorname{arcsen}y\):
\[y^2+\cos^2(\operatorname{arcsen}y)=1.\]
Daqui sai o resultado, entrando em linha de conta que \(\cos(\operatorname{arcsen}y)\gt 0\) uma vez que \(\operatorname{arcsen}y\in\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[.\)
Seja agora,
\[y=f(x)=\cos x, \;\text{ com }\;D_f=\left[0,\pi\right]\,,\quad C_f=\left[-1,1\right].\]
Então,
\[x=f^{-1}(y)=\arccos y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\left[-1,1\right],\quad C_{f^{-1}}=\left[0,\pi\right]\,.\]
Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left]0,\pi\right[\) e, portanto,
\(\displaystyle J=\left]-1,1\right[\). Sendo assim, teremos para cada \(-1\lt y\lt 1,\)
\[\left(\arccos y\right)'=\frac{1}{(\cos x)'}=\frac{1}{-\operatorname{sen} x}=-\frac{1}{\operatorname{sen}(\arccos y)}
=-\frac{1}{\sqrt{1-y^2}},\]
pela mesma razão apontada anteriormente (verifique!).
Seja agora,
\[y=f(x)=\operatorname{tg}x, \;\text{ com }\;D_f=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\,,\quad C_f=\mathbb{R}.\]
Então,
\[x=f^{-1}(y)=\operatorname{arctg} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R},\quad C_{f^{-1}}=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\,.\]
Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\) e, portanto,
\(\displaystyle J=\mathbb{R}\). Sendo assim, teremos para cada qualquer \(y\in\mathbb{R},\)
\[\left(\operatorname{arctg}y\right)'=\frac{1}{(\operatorname{tg}x)'}=\frac{1}{1+\operatorname{tg}^2x}=\frac{1}{1+y^2}.\]
Inversas hiperbólicas
É possível deduzir as derivadas das inversas das funções hiperbólicas mesmo sem deduzir aquelas inversas explicitamente.
Seja,
\[y=f(x)=\operatorname{senh}x=\frac{e^x-e^{-x}}{2}, \;\text{ com }\;D_f=\mathbb{R}\,,\quad C_f=\mathbb{R}.\]
Então,
\[x=f^{-1}(y)=\operatorname{argsh} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\mathbb{R},\quad C_{f^{-1}}=\mathbb{R}\,.\]
Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(\displaystyle I=\mathbb{R}\) e, portanto,
\(\displaystyle J=\mathbb{R}\). Sendo assim, teremos para qualquer \(y\in\mathbb{R},\)
\[\left(\operatorname{argsh}y\right)'=\frac{1}{(\operatorname{senh}x)'}=\frac{1}{\cosh x}=\frac{1}{\cosh(\operatorname{argsh}y)}
=\frac{1}{\sqrt{1+y^2}}.\]
Deduza a última igualdade, através de um procedimento análogo ao que usou no caso das funções circulares seno e cosseno mas agora usando
\(\cosh^2x-\operatorname{senh}^2x=1\).
Para o cosseno hiperbólico, temos
\[\cosh x=\frac{e^x+e^{-x}}{2}, \;\text{ com }\;D_{\cosh}=\mathbb{R}\,,\quad C_{\cosh}=\left[1,+\infty\right[.\]
Repare que é uma função par, estritamente crescente em \(\mathbb{R}^+\) (veremos mais tarde), \(f(0)=1\), \(\;\displaystyle\lim_{x\to+\infty}f(x)=+\infty.\)
Tal como fizemos para o cosseno, para inverter temos que considerar uma restrição a um intervalo onde a função seja injectiva. Consideraremos então
\[y=f(x)=\cosh x, \;\text{ com }\;D_f=\left[0,+\infty\right[\,,\quad C_f=\left[1,+\infty\right[.\]
Então,
\[x=f^{-1}(y)=\operatorname{argch} y,\; \text{ com }\;D_{f^{-1}}=\left[1,+\infty\right[,\quad C_{f^{-1}}=\left]0,+\infty\right[\,.\]
Assim, \(f\) satisfaz as hipóteses do teorema em todos os pontos do intervalo aberto \(I\) se tomarmos \(\displaystyle I=\left[0,+\infty\right[\) e, portanto,
\(\displaystyle J=\left]1,+\infty\right[\). Sendo assim, teremos para cada \(y> 1,\)
\[\left(\operatorname{argch} y\right)'=\frac{1}{(\cosh x)'}=\frac{1}{\operatorname{senh} x}=\frac{1}{\operatorname{senh}(\operatorname{argch} y)}
=\frac{1}{\sqrt{y^2-1}}.\]
Podemos agora combinar com o teorema da função composta:
Em geral,
\[\left(\operatorname{arctg}u(x)\right)'=\frac{u'(x)}{1+u^2(x)}\;\qquad
\left(\operatorname{arcsen}u(x)\right)'=\frac{u'(x)}{\sqrt{1-u^2(x)}}\;\qquad
\left(\arccos u(x)\right)'=-\frac{u'(x)}{\sqrt{1-u^2(x)}}\]
Derivadas laterais
O estudo da diferenciabilidade de uma função num ponto, requer por vezes que analizemos separadamente a existência do limite da razão
incremental à esquerda e à direita do ponto, se a função fôr dada por expressões diferentes à esquerda e à direita do ponto. Por isso, é útil
a seguinte
Definição: Definem-se as derivadas laterais esquerda e direita de \(f\) em \(a\), como, respectivamente,
\[f'_{e}(a)=\lim_{x\to a^-}\frac{f(x)-f(a)}{x-a},\qquad f'_{d}(a)=\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)-f(a)}{x-a},\]
se existirem.
Temos então,
Teorema: Seja \(a\) um ponto interior a \(D_f.\) Então \(f\) é diferenciável em \(a\) sse existem \(f'_e(a)\) e \(f'_d(a)\) em \(\mathbb{R}\) e
são iguais. Nesse caso,
\[f'(a)=f'_e(a)=f'_d(a).\]
Exemplo 1. \(\;f(x)=|x|.\;\) Para \(x\lt 0,\) \(f'(x)=-1,\) e, para \(x\gt 0,\) \(f'(x)=1.\;\) Em \(x=0,\) temos,
\[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-} -1=-1,\qquad
f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+} 1=1.\]
Logo, como \(f'_e(0)\not=f'_d(0),\) concluímos que \(f\) não é diferenciável em \(0.\) Portanto, \(D_1=\mathbb{R}\setminus \{0\}\) (no entanto, veja que é contínua em \(0\)).
Exemplo 2. \(\;f(x)=x|x|.\;\) Para \(x\lt 0,\) \(f'(x)=-2x,\) e, para \(x\gt 0,\) \(f'(x)=2x.\;\) Em \(x=0,\) temos,
\[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{x|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-} |x|=0,\qquad
f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{x|x|-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+} |x|=0.\]
Logo, como \(f'_e(0)=f'_d(0)=0,\) concluímos que \(f\) é diferenciável em \(0,\) e \(f'(0)=0.\) Portanto, \(D_1=\mathbb{R}\).
Exemplo 3. \(\;f(x)=\sqrt{|x|}.\;\) Para \(x\lt 0,\) \(f'(x)=-\frac{1}{2\sqrt{x}},\) e, para \(x\gt 0,\) \(f'(x)=\frac{1}{2\sqrt{x}}.\;\)
Em \(x=0,\) temos,
\[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{\sqrt{|x|}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-}\frac{1}{-\sqrt{|x|}}=-\infty,\qquad
f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{\sqrt{|x|}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+}\frac{1}{\sqrt{|x|}}=+\infty.\]
Logo, como \(f'_e(0)\not=f'_d(0),\) concluímos que \(f\) não tem derivada em \(0\) (nem finita nem infinita). Logo, não é diferenciável em \(0,\) e \(D_1=\mathbb{R}\setminus \{0\}\).
Exemplo 4. Considere a seguinte função definida "por ramos":
\[f(x)=\begin{cases}
\dfrac{\pi x}{2}, & x\leqslant 0,\\ x\operatorname{arctg}\dfrac{1}{x},& x\gt 0
\end{cases}\]
Começemos por ver que, como \(f(0^-)=f(0)=f(0^+)=0,\) sabemos que \(f\) é contínua em \(0.\) Vejamos se é diferenciável em \(0.\) Para isso, calculemos as derivadas
laterais:
\[f'_e(0)=\lim_{x\to 0^-}\frac{\frac{\pi x}{2}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^-}\dfrac{\pi}{2}=\dfrac{\pi}{2},\qquad
f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{x\operatorname{arctg}\frac{1}{x}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+}\operatorname{arctg}\frac{1}{x}=\dfrac{\pi}{2}.\]
Como \(f_e'(0)=f_d'(0)=\dfrac{\pi}{2},\) concluímos que \(f\) é diferenciável em \(0\) com \(f'(0)=\dfrac{\pi}{2}.\)
Nos restantes pontos: se \(x\lt 0,\) \(f'(x)=\dfrac{\pi}{2},\) e se \(x\gt 0,\) \(f'(x)=\operatorname{arctg}\dfrac{1}{x}-\dfrac{x}{x^2+1}\) (verifique!).
Logo, \(D_1=\mathbb{R}.\)
Observação importante: Não confundir
\[f_d'(a)=\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\quad\text{com}\quad f'(a^+)=\lim_{x\to a^+}f'(x).\]
São dois conceitos diferentes que podem não coincidir! Do mesmo modo, para \(f_e'(a)\) e \(f'(a^-).\) Apresenta-se um contraexemplo para ilustrar este facto:
Exemplo 5 Considere a função,
\[f(x)=\begin{cases}
x^2\cos\dfrac{1}{x}, & x\not=0,\\ 0,& x=0.
\end{cases}\]
Então,
\[f'_d(0)=\lim_{x\to 0^+}\frac{x^2\cos\frac{1}{x}-0}{x-0}=\lim_{x\to 0^+}x\cos\frac{1}{x}=0,\quad \text{(por enquadramento!)}\]
Do mesmo modo, pode ver que \(f'_e(0)=0.\) Concluímos que \(f'(0)=0.\)
Vejamos agora \(f'(0^+)\) e \(f'(0^-).\) Para isso, temos que calcular \(f'(x)\) nos outros pontos. Como, para \(x\not=0,\)
\[f'(x)=2x\cos \frac{1}{x}+\operatorname{sen}\frac{1}{x},\]
e já sabemos que não existe o limite desta expressão quando \(x\to 0^+,\) concluímos que não existe \(f'(0^+).\) De igual modo, para \(f'(0^-).\)
Ou seja,
\[\text{existe }f'(0)\text{ mas não existe } \lim_{x\to 0} f'(x).\] Ou seja ainda, \(f\) é diferenciável em \(0\) mas \(f'\)não é contínua em \(0\)!
A recta tangente
Relembrando a interpretação geométrica da derivada dada na aula passada, a recta tangente ao gráfico de \(f\) no ponto de abcissa \(a,\) será
a recta que passa pelo ponto \((a,f(a))\) e tem declive \(m=f'(a).\) Ou seja,
A recta tangente ao gráfico de \(f\) no ponto de abcissa \(a\) (ou, mais simplesmente, "em \(a\)") é a recta de equação,
\[y=f(a)+f'(a)(x-a).\]
Para \(x\) "muito próximo de \(a\)" esta recta dá uma aproximação dos valores de \(f(x).\;\) Mais à frente justificaremos esta afirmação com mais precisão.
Exemplo 6. Recta tangente ao gráfico de \(f(x)=\operatorname{sen}x\) no ponto \(a=0:\)
\[y=f(0)+f'(0)(x-0)=x.\]
Num ponto arbitrário \(a\in \mathbb{R},\) a recta tangente será
\[y=\operatorname{sen}a+\cos a(x-a).\]
Veja, na seguinte App do GeoGebra a recta tangente em cada ponto do domínio da função tangente. Deslize o ponto ao longo do gráfico para obter a recta tangente
em cada ponto do domínio da função. Esta App também mostra a função derivada \(f'.\) Também permite visualizar a interpretação da derivada \(f'(a)\) como o declive da recta tangente em \(a\).
Pontos críticos
Os pontos do gráfico em que a recta tangente é horizontal têm uma importância especial no estudo da função e possuem uma designação própria:
Definição: Designa-se por ponto crítico da função \(f\) qualquer ponto \(a\) para o qual,
\[f'(a)=0.\]
Extremos locais
Uma das principais aplicações da derivada é o estudo de funções, nomeadamente a determinação e classificação de mínimos e máximos de funções.
Seja \(f:D\to \mathbb{R}\) e \(x_0\in D.\) Diz-se que
\(\; f\) tem um máximo local em \(x_0\) se
\(f(x)\leqslant f(x_0)\) numa vizinhança de \(x_0.\)
\(f(x_0)\) designa-se por máximo absoluto de \(f\) se for o valor máximo de \(f\) em \(D\), ou seja,
\[f(x)\leqslant f(x_0),\; \text{ para todo }x\in D. \]
\(\; f\) tem um mínimo local em \(x_0\) se
\(f(x)\geqslant f(x_0)\) numa vizinhança de \(x_0.\)
\(f(x_0)\) designa-se por mínimo absoluto de \(f\) se for o valor mínimo de \(f\) em \(D\), ou seja,
\[f(x)\geqslant f(x_0),\; \text{ para todo }x\in D. \]
Em qualquer um dos casos atrás, \(f(x_0)\) diz-se um extremo de \(f\), e \(x_0\) um ponto de extremo (ou extremante ou maximizante ou
minimizante)
O adjectivo "estrito" pode ainda ser aplicado quando, nestas definições os símbolos \(\leqslant\) e \(\geqslant\) são substituidos por \(\lt\) e \(\gt\), respectivamente.
É evidente que "extremo absoluto" \(\Rightarrow\) "extremo local".
Exemplo 7:
\(\;f(x)=1-|x|\;\) tem máximo absoluto, logo também local, em \(x=0\), porque \(f(x)\leqslant 1\), para todo \(x\in\mathbb{R},\;\) e \(\;f(0)=1\).
Exemplo 8:
\(\;f(x)=x^2+1\;\) tem mínimo absoluto, logo também local, em \(x=0\), porque \(f(x)\geqslant 1\), para todo \(x\in\mathbb{R},\;\) e \(\;f(0)=1\).
Exemplo 9:
\(\;f(x)=x\;\) com domínio \([0,1]\) tem mínimo absoluto, logo também local, em \(x=0\), e máximo absoluto, logo também local, em \(x=1,\) porque \(0\leqslant f(x)\leqslant 1\),
para todo \(x\in[0,1],\;\) \(\;f(0)=0\;\) e \(\;f(1)=1\).
Exemplo 10:
\(\;f(x)=\arccos x\;\) (relembrar: \(D=[-1,1]\)) tem mínimo absoluto, logo também local, em \(x=1\), e máximo absoluto, logo também local, em \(x=-1,\) porque
\(0\leqslant\arccos x\leqslant\pi\),
para todo \(x\in[-1,1],\;\) \(\;\arccos (1)=0\;\) e \(\;\arccos(-1)=\pi\).
Exemplo 11:
\(\;f(x)=\operatorname{arctg} x\;\) (relembrar: \(D=\mathbb{R}\)) apesar de ser limitada, não tem extremos, dado que é estritamente crescente em \(\mathbb{R}\) (o seu contradomínio é o intervalo aberto
\(]-\pi/2,\pi/2[\)). No entanto, no intervalo \([0,+\infty[,\) tem mínimo absoluto em \(x=0,\) igual a \(\operatorname{arctg} 0=0.\)
Precisamos de ferramentas para estudar os extremos locais com base nas derivadas. O primeiro resultado nesse sentido é o seguinte:
Teorema Se \(f\) é diferenciável em \(a,\) então,
\[f \text{ tem extremo local em }a\quad\Rightarrow \quad f'(a)=0.\]
Por palavras:
Os pontos de extremo no domínio de diferenciabilidade são pontos críticos da função.
Demonstração:
Vamos demonstrar para o caso em que \(f\) tem um máximo local em \(a\). O caso do mínimo fica como exercício.
Como existe \(\varepsilon\gt 0,\) tal que \(f(x)-f(a)\leqslant 0,\;\) para todo \(\;x\in ]a-\varepsilon,a+\varepsilon[,\) temos, para as derivadas laterais esquerda e direita:
\[f'_e(a)=\lim_{x\to a^-}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\geqslant 0,\qquad f'_d(a)=\lim_{x\to a^+}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\leqslant 0.\]
Logo, como, por hipótese, \(f\) é diferenciável em \(a\) temos que ter necessariamente,
\[0\leqslant f'_e(a)=f'_d(a)\leqslant 0,\]
e, portanto, \(f'(a)=0.\)
∎
Observações importantes:
O teorema é uma implicação, não uma equivalência! Ou seja, se \(f\) for diferenciável em \(a\), a condição \(f'(a)=0\) não implica que \(f\) tenha
um extremo local em \(a\). Ou seja,
Pode haver pontos críticos em que a função não tem extremo.
Exemplo 12.
A função \(f(x)=x^3\), \(D_f=\mathbb{R}\) é diferenciável em todos os pontos e \(f'(0)=0\). No entanto, \(f\) não tem extremo local em \(x=0\), uma vez que é
estritamente crescente.
Na realidade temos que perceber o que é que o teorema permite
concluir e o que não permite concluir.
A implicação \(\Leftarrow\) é falsa, como se viu. No entanto, pelas propriedades lógicas da implicação, é verdade que
\[ f'(a)\not=0\quad\Rightarrow\quad f\;\text{ não tem extremo local em }\;a.\]
Por isso, este teorema permite-nos justificar, no exemplo 11 atrás, que a função não pode ter extremos locais quando consideramos o domínio \(D=\mathbb{R}\).
O teorema exige, à partida, que a função seja diferenciável no ponto que estamos a considerar. Ou seja, o teorema nada diz no caso em que não existe \(f'(a)\) finita.
Na realidade,
Uma função \(f\) pode ter extremos locais em pontos onde \(f\) não é diferenciável (não existe \(f'(a)\) em \(\mathbb{R}\)).
Essa "não diferenciabilidade" pode decorrer, simplesmente de estarmos a considerar um ponto não interior ao domínio da função. É o que acontece atrás, com os exemplos 9 e 10. Repare que nestes exemplos, embora existam mínimo e máximo locais (e absolutos), não
existem pontos críticos.
No entanto, é possível que estejamos a considerar um ponto interior ao domínio e, nesse caso, essa "não diferenciabilidade" pode ter várias outras justificações:
Exemplo 13.
\(\;f(x)=H(x)-x^2=\begin{cases}1-x^2,& x\geqslant 0\\ -x^2,& x\lt 0 \end{cases}.\quad\) Esta função tem máximo absoluto (logo, local) em \(x=0:\) \(f(0)=1.\;\) Mas, neste ponto,
\(f\) não é contínua e, portanto, não é diferenciável.
Exemplo 14.
\(f(x)=|x|\) no domínio \(D_f=\mathbb{R}\) tem \(\min f(x)=f(0)=0\) (mínimo absoluto, logo, relativo). No entanto, não existe nenhum ponto onde \(f'(0)=0.\) Neste caso, o extremo
relativo ocorre num ponto do interior do domínio, mas \(f\) não é diferenciável nesse ponto.
Este é também o caso do exemplo 7. Outro exemplo pode ser \(f(x)=\sqrt{|x|}\) (verifique!).
Isto significa que, no estudo dos extremos da função \(f\), a condição \(f'(x)=0\) só serve para identificar candidatos a pontos de extremo no interior do domínio, onde \(f\) é diferenciável,
os quais ainda têm que ser analisados por outros processos para podermos concluir se é ou não extremo. À parte destes ainda temos que analisar os pontos nos extremos do domínio (Exemplos 9 e 10) e aqueles
que, sendo interiores ao domínio, não são contudo pontos de diferenciabilidade de \(f\), uma vez que \(f\) pode ter aí extremos relativos (Exemplos 7, 13 e 14).