"O Despertar dos Eleitos"
por Ana Alves de Sousa
(Jornal Público - Local - Tribuna do Leitor
- 15/Fev/2005)
Em tempo de eleições veio-me à memória
um artigo publicado num semanário, há cerca de dois anos, sobre
"a história de quatro movimentos de cidadãos em defesa da qualidade de vida nas suas cidades." O tema central do artigo era a questão dos "Novos Movimentos Cívicos", constituídos, muitos deles, por "gente com cursos superiores e profissões liberais decidida a defender a qualidade de vida contra o urbanismo selvagem".[1]
Há já alguns anos que em Portugal se vem escrevendo e falando destas coisas - da sociedade civil, da participação cívica, da cidadania - e todos reconhecem que o papel dos movimentos de cidadãos é cada vez mais determinante É, pois, de estranhar, que a esmagadora maioria dos nossos autarcas ainda não saiba como lidar com esta realidade.
Apesar do discurso formal ser de abertura e convite à participação, na maioria dos casos, tudo se passa a um nível rasteiro: quem quer ser ouvido tem que recorrer ao confronto e ao chinfrim e mesmo os autarcas mais esclarecidos são, regra geral, reticentes, quando ouvem falar de parcerias com a sociedade civil: querem participar? O.K. mas a participação tem que ser q.b., ou seja, não deve ir muito além do alerta sobre o buraco no passeio, a lâmpada fundida, o jardim mal amanhado, o ecoponto transformado em lixeira. Mais do que isso? Torna-se, obviamente, indesejável.
Quando todas as sondagens indicam que os cidadãos desconfiam, cada vez mais, dos políticos locais, é para mim um mistério que os nossos eleitos - sejam eles de que partido forem - não tenham ainda percebido que estes movimentos são dinâmicos, altamente mobilizadores da população e podem ajudá-los a melhorar a sua imagem política e a qualidade do seu desempenho, servindo, de forma mais esclarecida e, consequentemente, com mais acerto e eficácia, as populações que os elegeram.
Frederico Carvalho escrevia no seu artigo que os "autarcas têm dificuldade em responder positivamente quando alguém contesta os planos gerados em gabinetes". Pode ser que seja isso. Mas já vai sendo tempo dos nossos eleitos ultrapassarem essa, ou outras, "dificuldades" e, tal como se passa na maioria dos países civilizados, de fazerem do diálogo descomplexado com os seus eleitores uma rotina política produtiva e estimulante.
Lembro-me que o artigo sobre os novos movimentos cívicos se intitulava "O Despertar dos Cidadãos". A bem de todos nós, espero que o jornalista encontre, em breve, matéria suficientemente abundante para escrever um outro trabalho, desta vez sobre " Os Novos Autarcas".
"O Despertar dos Eleitos" será, sem dúvida, um título aliciante.
Ana Alves de Sousa
Comissão de Moradores do Bairro Azul
[1] O Despertar dos Cidadãos - texto de Frederico Carvalho,
fotografias de Alberto Frias - Única - Expresso nº 1589 -
12 Abril 2003.