Aula teórica 23

Polinómios de Taylor

Material de estudo:

Observação: Prosseguimos o estudo baseado no texto [AB]. No entanto, o texto abaixo pode ser usado como base de estudo. Nele, além de uma exposição da matéria pode encontrar alguns exemplos que poderão ajudar na resolução de exercícios.

Como a visualização é um elemento que ajuda à compreensão da matéria, inclui-se no fim uma ilustração interactiva dos polinómios de Taylor que se aconselha vivamente a explorarem.

Pode ainda ver as aulas digitais do Prof Miguel Abreu sobre o assunto, mas como desta vez elas diferem de forma substancial (no que se refere à fórmula do erro, principalmente) da forma como é abordado neste curso, não são incluidas nos materiais de estudo para esta aula.

Polinómios de Taylor

Motivação e definição

Em muitas aplicações temos que lidar com aproximações em vez de quantidades exactas. Como sabem, uma boa aproximação para umas situações não são suficientemente boas para outras. Por exemplo, ao escrevermos \(\pi\approx 3,14\), estamos a dizer que o número \(\pi\) é "aproximadamente dado" por \(3,14\) usando algum critério que pode servir para umas situações e não servir para outras. Ao próprio símbolo \(\approx\) não vamos atribuir um significado rigoroso: ele só servirá para dar uma ideia de que estamos a tomar uma quantidade por outra (aproximação) sujeita a um erro que, de uma forma a precisar, será pequeno.

Neste caso o objecto que vamos aproximar é uma função. Vamos aproximá-la por uma outra mais simples: uma função polinomial. Ora, dizer que uma função aproxima outra é inútil se não soubermos dizer quão pequeno é o erro que se comete quando tomamos a aproximação em vez da função exacta. Por isso, vamos dar um resultado que diz como se faz essa aproximação e, além disso, dá uma fórmula para o erro: o teorema de Taylor.

Começemos por uma função \(f\) contínua num intervalo \(I\). Seja \(a\in I\). Relembrando o significado de continuidade, podemos dizer que se \(x\) "se afastar pouco" de \(a\), então \(f(x)\) "afasta-se pouco" de \(f(a)\). Ou seja, numa primeira aproximação podemos dizer, \[f(x)\approx f(a)\] para \(x\) próximo de \(a\). No entanto, esta aproximação é pouco útil porque não reflecte propriedades relevantes de \(f(x)\) em torno do ponto \(a\).

Refinemos um pouco a nossa aproximação. Para isso temos que exigir, não só continuidade, mas também diferenciabilidade à função \(f\), pelo menos em \(a\). Como podemos constatar, para já pelo menos de uma forma intuitiva, a recta tangente ao gráfico em \(a\) fornece uma melhor aproximação da função em torno de \(a\) do que a recta horizontal \(y=f(a)\) dada pela aproximação anterior. Escrevemos então, \[f(x)\approx f(a)+f'(a)(x-a),\] para \(x\) próximo de \(a\). Esta aproximação é mais útil que a anterior porque captura uma propriedade importante de \(f(x)\): a sua monotonia em torno de \(a\).

Constatemos que a primeira aproximação é um polinómio de grau 0 (constante) \(P_0=f(a)\), e a segunda é um polinómio de grau 1, \(\;P_1(x)=f(a)+f'(a)(x-a)\) (ou seja, \(\;c_0+c_1x,\) com \(c_0=f(a)-f'(a)a\,,\; c_1=f'(a)\)). Ora, se quisermos refinar ainda mais a nossa aproximação, é natural recorrermos a um polinómio de grau 2, ou superior. Agora constatem que, \[P_0(a)=P_1(a)=f(a)\,,\qquad P_1'(a)=f'(a).\]

Para obtermos melhores aproximações temos que aproximar por polinómios de ordem superior. Para isso, introduzimos a seguinte

É claro que esta afirmação contem a expressão "que melhor aproxima" que ainda terá que ser clarificada.

Vejamos então o caso \(n=2:\) Seja então, \(f\) uma função \(2\) vezes diferenciável em \(a\). De acordo com a hipótese de trabalho, vamos calcular o polinómio de grau \(\leqslant 2 \) tal que \[P_2(a)=f(a),\qquad P_2'(a)=f'(a),\qquad P''(a)=f''(a).\]

Consideramos em primeiro lugar, o caso \(a=0.\) O problema é então calcular \(P_2(x)=c_0+c_1x+c_2x^2\) tal que \[P_2(0)=f(0),\quad P_2'(0)=f'(0), \qquad P''(0)=f''(0),\] resultando o sistema, \[\left\{\begin{aligned}c_0+c_10+c_20&=f(0)\\ c_1+2c_20&=f'(0)\\ 2c_2&=f''(0) \end{aligned}\right.\] ou seja, \(\;c_0=f(0)\,,\;c_1=f'(0)\,,\;c_2=\frac{f''(0)}{2}\). Logo, o único polinómio que satisfaz a hipótese de trabalho no caso \(n=2\), com \(a=0\) é; \[P_2(x)=f(0)+f'(a)x+\frac{f''(a)}{2}x^2.\] Vejamos o caso \(a\not=0.\;\) Seja \[P_2(x)=f(a)+f'(a)(x-a)+\frac{f''(a)}{2}(x-a)^2.\] Então, \[\begin{aligned} P_2(a)&=f(a)\\ P_2'(x)&=f'(a)+f''(a)(x-a) \quad\Rightarrow\quad P_2'(a)=f'(a)\\ P_2''(x)&=f''(a) \quad\Rightarrow\quad P_2''(a)=f''(a). \end{aligned}\] Logo, são satisfeitas as condições da hipótese de trabalho. Escrevemos então, \[f(x)\approx f(a)+f'(a)(x-a)+\frac{f''(a)}{2}(x-a)^2,\] para \(x\) próximo de \(a\). Reparem que esta aproximação, além de ser melhor do ponto de vista numérico, como veremos, contem mais informação qualitativa sobre \(f\) em torno de \(a\): além da monotonia dada pelo sinal do coeficiente do termo de 1º grau, dá-nos a concavidade, através do sinal do termo de 2º grau.

Para procurarmos uma melhor aproximação na forma de um polinómio de grau superior, introduzimos a seguinte

Definição. Se \(f\) for \(n\) vezes diferenciável em \(a\) então, define-se o Polinómio de Taylor de ordem \(n\) da função \(f\) em torno de \(a\) como, \[P_n(x)=f(a)+f'(a)(x-a)+\frac{f''(a)}{2!}(x-a)^2+\dots+\frac{f^{(n)}(a)}{n!}(x-a)^n.\]

Temos então o seguinte resultado:

Proposição. Se \(f\) for \(n\) vezes diferenciável em \(a\) então, há um único polinómio de grau \(\leqslant n\), \(P_n(x)\), que satisfaz, \[P_n(a)=f(a),\qquad P_n'(a)=f'(a),\qquad P_n''(a)=f''(a),\qquad\dots\qquad P_n^{(n)}(a)=f^{(n)}(a).\] Esse polinómio é o polinómio de Taylor de ordem \(n\) de \(f\) em torno de \(a\).
(Verifique este resultado para \(n=3\), ordem a partir da qual tem que se usar os fatoriais).

Muitas vezes, para explicitar qual o ponto \(a\) que se está a usar, também se escreve \(P_ {n,a}(x).\)

Escrevemos então, \[f(x)\approx P_n(x),\] para \(x\) próximo de \(a\).

Observações:

Exemplos

  1. \(f(x)=e^x.\) Temos então, \(f^{(k)}(x)=e^x\) e, portanto, \(f^{(k)}(0)=1\), para \(k=0,1,2,\dots\). Então por exemplo, para \(n=3\) com \(a=0\) teremos \[P_{3,0}(x)=1+x+\frac{x^2}{2}+\frac{x^3}{6}\,.\]
  2. \(f(x)=\operatorname{sen} x.\) Temos então, \(\;f'(2k)=(-1)^k\operatorname{sen} x\;\) e \(\;f'(2k+1)=(-1)^k\cos x\;\), para \(k=0,1,2,\dots\) Então, em \(a=0\), temos \(f^{(2k)}(0)=0\) e \(f^{(2k+1)}(0)=(-1)^k\). Logo, por exemplo, para \(n=3\), \[P_{3,0}(x)=x-\frac{x^3}{6}\]

    Note que \(P_{4,0}=P_{3,0}\) e, portanto o grau de \(P_{4,0}\) será 3.

    Já no ponto \(a=\frac{\pi}{2}\) teremos, \(f^{(2k)}(\frac{\pi}{2})=(-1)^k\) e \(f^{(2k+1)}(\frac{\pi}{2})=0.\) Teremos então, por exemplo, para \(n=4\), \[P_{4,\frac{\pi}{2}}(x)=1-\frac{(x-\frac{\pi}{2})^2}{2}+\frac{(x-\frac{\pi}{2})^4}{24}.\]

Teorema de Taylor

Primeiro introduzimos,

Definição. Seja \(P_{n}(x)\) o polinómio de Taylor de ordem \(n\) de \(f(x)\) em torno do ponto \(a\). Designamos por resto de Taylor de ordem \(n\) a diferença\[R_n(x)=f(x)-P_n(x).\]

Ou seja, \(R_n(x)\) é o erro que se comete ao aproximar-se \(f(x)\) por \(P_n(x)\). Dizer então que \(P_n\) é uma boa aproximação de \(f(x)\) em torno de \(a\) é dizer que \(|R_n(x)|\) é pequeno, para \(x\) próximo de \(a\). Se \(R_n(x)\gt 0\), dizemos que a aproximação é por defeito, se for \(R_n(x)\lt 0,\) dizemos que a aproximação é por excesso.

O seguinte resultado estabelece uma fórmula para este resto, designada por fórmula do resto de Lagrange.
Teorema de Taylor (com resto de Lagrange). Seja \(f\) \(n+1\) vezes diferenciável num intervalo \(I\) e \(a\in I.\) Então, para cada \(x\in I\), \[f(x)=P_n(x)+R_n(x),\] onde,\[R_n(x)=\frac{f^{(n+1)}(c_x)}{(n+1)!}(x-a)^{n+1}.\] para algum \(c_x\) entre \(a\) e \(x\).
Relembre que \[P_n(a)=f(a),\qquad P_n'(a)=f'(a),\qquad P_n''(a)=f''(a),\qquad \dots \qquad P_n^{(n)}(a)=f^{(n)}(a),\] o que tem, como consequência, \[R_n(a)=R_n'(a)=R_n''(a)=\dots=R_n^{(n)}(a)=0\,.\] Por outro lado, como \(P_n^{(n+1)}(x)=0\) , por \(P_n\) ser um polinómio de grau não superior a \(n\), temos \[R_n^{(n+1)}(x)=f^{(n+1)}(x).\] Seja \(g(x)=(x-a)^{n+1}\). Então, é fácil constatar que, por um lado, \[g(a)=g'(a)=g''(a)=\dots=g^{(n)}(a)=0,\] e, por outro, \[g^{(n+1)}(x)=(n+1)!\,.\] Seja \(x\in I\setminus\{a\}\). Então estamos nas condições de aplicação do teorema de Cauchy de ordem \(n\) da aula anterior (verifique!), para concluirmos que existe um ponto \(c_x\) entre \(a\) e \(x\) tal que, \[\frac{R_n(x)}{g(x)}=\frac{R_n(x)-R_n(a)}{g(x)-g(a)}= \frac{R_n^{(n+1)}(c_x)}{g^{(n+1)}(c_x)}=\frac{f^{(n+1)}(c_x)}{(n+1)!}.\] Logo, \[R_n(x)=\frac{f^{(n+1)}(c_x)}{(n+1)!}g(x),\] que é exactamente a expressão do resto de Lagrange enunciado no teorema.

Observações.

Exemplos

  1. \(e^x=1+x+\frac{x^2}{2!}+\dots+\frac{x^n}{n!}+R_n(x)\,,\quad\)em que, \[R_n(x)=\frac{e^c}{(n+1)!}x^{n+1}\] para algum \(c\) entre \(0\) e \(x\).

    Suponhamos que nos restringimos ao intervalo \([-1,1]\), ou seja, \(|x|\leqslant 1\). Então, \(e^c\leqslant e\lt 3,\) e o resto vem, \[|R_n(x)|\lt \frac{3}{(n+1)!}\] Se quisermos um erro \(\lt 10^{-3}\), tomamos \(n\) tal que \((n+1)!\gt 3\cdot 10^3,\quad\) por exemplo, \(n=6\), (\(7!=5040\)). Em particular, para \(x=1\), temos, \[e\approx 1+1+\frac{1}{2}+\frac{1}{6}+\frac{1}{24}+\frac{1}{120}+\frac{1}{720}\,,\qquad\text{ com erro }\lt 10^{-3}.\] Se quisessemos um erro \(\lt 10^{-4}\), tomaríamos \(n=7\).

  2. Para aproximar \(\sqrt{e}\): usamos o exemplo anterior, desta vez com \(x=\frac{1}{2}\) e, portanto, \(e^c\lt e^{1/2}\lt 2,\;\) dado que \(c\in]0,\frac{1}{2}.[\) Logo, \[R_n(1/2)=\frac{e^c}{(n+1)!2^{n+1}}\lt\frac{1}{(n+1)!2^n}.\] Temos, \[\sqrt{e}\approx P_n(1/2)=1+\frac{1}{2}+\frac{1}{2!4}+\dots+\frac{1}{n!2^n},\] em que, Por exemplo, se nos chegar um erro \(\lt 0.005\) podemos tomar \(n=3\): \[\sqrt{e}\approx 1+\frac{1}{2}+\frac{1}{8}+\frac{1}{48}.\]
  3. \(\operatorname{sen}x=x-\frac{x^3}{3!}+\frac{x^5}{5!}+\dots+(-1)^n\frac{x^{2n-1}}{(2n-1)!}+R_{2n-1}(x)\,,\;\) em que, para algum \(c\) entre \(0\) e \(x\) \[\text{Erro}=|R_{2n-1}(x)|=\frac{|\operatorname{sen}(c+n\pi)|}{(2n)!}|x|^{2n} \lt \frac{|x|^{2n}}{(2n)!}.\] Para \(|x|\lt 1,\) temos por exemplo, \(\operatorname{sen}x\approx x-\frac{x^3}{3!}\) com Erro\(\lt 10^{-2}\) (Exercício: prove esta estimativa. Note que \(P_3=P4 \dots)\)

Ilustração interactiva

Na Applet abaixo, pode visualizar polinómios de Taylor (gráfico a vermelho) e compará-los com a função respectiva (gráfico a azul). Pode escolher a função, mas veja principalmente o \(\cos x\) e \(e^x\). Pode escolher com o rato o ponto \(a\) em torno do qual se faz a aproximação e pode escolher com o cursor qual a ordem do polinómio de Taylor. Para o \(\cos x\), veja em especial \(n=1\) (recta tangente), \(n=2\) (aproximação por uma parábola quadrática) e veja que com \(n=10\) e \(a=0\) o polinómio praticamente não se distingue da função, para \(x\in [-\pi,\pi]\), o que é notável, ainda por cima sabendo que \(P_{10}(x)\) para o \(\cos x\) com \(a=0\), só tem 6 termos não nulos: os correspondentes às potências \(x^k\), com \(k=0,2,4,6,8,10\).

Do site do  GeoGebra, autor: Arménio Correia

_________________________________________________________________________________