Aula teórica 15

Limite de uma função num ponto (Continuação).
Limites laterais.
Limites na recta acabada \(\overline{\mathbb{R}}\): limites infinitos.
Exemplos de cálculo de limites usando os resultados das últimas aulas. Limites notáveis.

Material de estudo:

Observação importante: Continua-se, neste guia de estudo, a apresentar os resultados que necessitaremos sobre esta parte da matéria, não pretendendo ser um texto completo como o é, por exemplo, o livro [CF]. Os alunos só terão a ganhar se complementarem o estudo deste guia com a leitura dum texto como esse. No entanto,

Limite de uma função num ponto (continuação).

Limites laterais.

Na aula anterior, na secção "Propriedades do limite" vimos que, por vezes, é útil considerar separadamente os casos \(x\lt a\) e \(x\gt a\) no cálculo do limite ou para verificar que ele não existe. Para isso, temos uma forma mais sistemática de o fazer usando o conceito de limites laterais. A ideia subjacente, ao falarmos de limite lateral esquerdo em \(a\), o qual designaremos por \(f(a^-)\) ou por \(\displaystyle\lim_{x\to a^-}f(x)\), é o de ignorarmos os valores da função \(f(x)\) para \(x\geqslant a\), e portanto, só nos preocuparmos como \(f(x)\) se "aproxima" de \(f(a^-)\) por valores \(x\lt a\). Analogamente, para o limite lateral direito \(f(a^+)\) ou \(\displaystyle\lim_{x\to a^+}f(x)\), mas agora ignorando os valores de \(f(x)\) para \(x\leqslant a\), e só nos importando com a forma como \(f(x)\) se aproxima de \(f(a^+)\) por valores \(x\gt a\).

Antes de definir estes limites relembremos que, se \(A\subset D_f\) designamos por restrição de \(f\) a \(A\) a função com domínio \(A\), que nesses pontos \(x\in A\) é dada for \(f(x)\). Ou seja, resulta de \(f(x)\) apenas por "redução" do domínio a \(A\). Já usámos este conceito para, por exemplo, definirmos a função \(\sqrt{x}\) (é a inversa de restrição de \(x^2\) a \([0,+\infty[\)), ou o \(\arccos x\) (é a inversa da restrição da função \(\cos x\) a \([0,\pi]\)).

Definição (limites laterais) Definimos os limites laterais esquerdo e direito de \(f(x)\) em \(a\) por, respectivamente,

  • \(\displaystyle f(a^-)=\lim_{x\to a}f_{-}(x)\), onde \(f_-\) é a restrição de \(f\) ao conjunto \(D_f\cap \left]-\infty,a\right[\);
  • \(\displaystyle f(a^+)=\lim_{x\to a}f_{+}(x)\), onde \(f_+\) é a restrição de \(f\) ao conjunto \(D_f\cap \left]a,+\infty\right[\);
  • Resulta desta definição e da definição de limite (quer à Cauchy, quer à Heine) que, se \(a\) é aderente a \(D_f\cap \left]-\infty,a\right[\) e \(\displaystyle b=\lim_{x\to a}f(x)\;\), então, \(\;f(a^-)=b.\) Analogamente , para \(f(a^+)\).

    Exemplo 1. Seja \(f(x)=\begin{cases}1+x,&\text{ se }x\leqslant 2\\ 1-x,&\text{ se }x\gt 2 \end{cases},\quad\) \(D_f=\mathbb{R}\). Então, \[f(2^-)=\lim_{x\to 2^-}f(x)=\lim_{x\to 2^-}(1+x)=1+2=3\\,\qquad\qquad f(2^+)=\lim_{x\to 2^+}f(x)=\lim_{x\to 2^+}(1-x)=1-2=-1.\]

    A justificação do cálculo de \(f(2^-)\) é que, para \(x\lt 2\), \(f(x)=1+x\), e, \(\displaystyle\lim_{x\to 2}(1+x)=3\), que será, por sua vez, igual a \(\displaystyle\lim_{x\to 2^-}(1+x)=3\), pela observação feita antes do exemplo.

    Reparem que o valor de \(f(x)\) no ponto \(x=2\) não intervem neste cálculo: De facto, para \(f(2^-)\) apenas intervêm os valores de \(f(x)\) em pontos de \(]2-\varepsilon,2[\), e, para \(f(2^+)\) apenas os valores de \(f(x)\) em pontos de \(]2,2+\varepsilon[\), em que, em ambos os casos, \(\varepsilon >0\).

    Mais geralmente, temos,

    Proposição. Seja \(f:D_f\to \mathbb{R}\), e \(a\) aderente, quer a \(D_f\cap\left]-\infty,a\right[\), quer a \(D_f\cap\left]a,+\infty\right[\). Então,

  • Se \(a\in D_f\), então: \[\text{existe }\lim_{x\to a}f(x)=b\in\mathbb{R}\qquad\Longleftrightarrow\qquad \text{ existem }f(a^-),f(a^+),\quad\text{e, além disso, }\;f(a^-)=f(a^+)=f(a),\] sendo \(f(x)\) contínua em \(a\), e, portanto \(b=f(a)\).
  • Se \(a\notin D_f\), então: \[\text{existe }\lim_{x\to a}f(x)=b\in\mathbb{R}\qquad\Longleftrightarrow\qquad \text{ existem }f(a^-),f(a^+),\quad\text{e, além disso, }\;f(a^+)=f(a^-)=b,\]
  • Assim, no exemplo 1., como \(f(2^-)\not=f(2^+)\) concluimos que não existe \(\displaystyle\lim_{x\to 2}f(x).\)

    Definição Se \(f(a)=f(a^-)\) disemos que \(f\) é contínua à esquerda, e se \(f(a)=f(a^+)\) dizemos que \(f\) é contínua à direita.

    É claro que, nas condições da proposição anterior, \(f\) é contínua em \(a\) sse \(f\) é contínua tanto à esquerda como à direita em \(a\). Por exemplo, se tivermos uma função definida por ramos por \[f(x)=\begin{cases}g_1(x)&\text{ se }x\lt a\\ g_2(x)&\text{ se }x\geqslant a \end{cases}\] e se \(g_2\) for contínua em \(a\) então, \(f\) será contínua à direita em \(a\). Em seguida, determinamos a existência de \(g_1(a^-)\): em caso de existência, teremos \(f(a^-)=g_2(a^-)\) e, nesse caso, se, \(f(a)=f(a^-)\) teremos que \(f\) é contínua em \(a\). Por outro lado, da aula passada, já sabemos que \(f\) será contínua nos outros pontos sse \(g_1\) for contínua em \(]-\infty,a[\) e \(g_2\) for contínua em \(]a,+\infty[\) (a continuidade num ponto só depende de uma vizinhança desse ponto).

    Exemplo 2. Função de Heaviside \[H(x)=\begin{cases}1, &\text{ se }x\geqslant 0\\ 0,& \text{ se }x\lt 0.\end{cases}\]

    Se \(a\not=0\,,\) temos que \(H\) é constante numa vizinhança de \(a,\) (0, se \(a\lt 0\), 1, se \(a\gt 0\)). Logo, se \(a\not=0\), \(H\) é contínua em \(a\) e temos, \[\lim_{x\to a}H(x)=0\quad\text { se }a\lt 0,\qquad\text{ e }\qquad\lim_{x\to a}H(x)=1\quad\text { se }a\gt 0.\] Se \(a=0\), \(H(0^-)=0\), \(H(0^+)=1\). Então, \[H(0^-)\not=H(0^+),\] e, portanto, não existe \(\displaystyle\lim_{x\to 0}H(x)\) e \(H\) não é contínua em \(0\). No entanto, como \(H(0^+)=H(0)\), a função \(H\) é contínua à direita.

    Exemplo 3. \(f(x)=\dfrac{\sqrt{x^2}}{x}.\;\) \(D_f=\mathbb{R}\setminus\{0\}\). Esta função também se escreve na forma, \[f(x)=\frac{|x|}{x}=\begin{cases}1,&\text{ se }x\gt 0\\-1,&\text{ se }x\lt 0.\end{cases}\]

    Temos \(f(0^+)=1\not=f(0^-)=-1,\) logo, não existe \(\displaystyle\lim_{x\to 0}f(x)\). Com uma justificação semelhante ao do exemplo anterior, concluimos que \(f\) é contínua em qualquer \(x\not 0\), ou seja, no seu domínio \(D_f\).

    Exemplo 4. Seja \(k\in\mathbb{R},\;\) e, \[f(x)=\begin{cases}\sqrt{x},&\text{ se }x\geqslant 0,\\x+k,&\text{ se }x\lt 0,\end{cases}\qquad D_f=\mathbb{R}\,.\] Temos que \(f\) é contínua em qualquer \(a\not=0,\) já que, para \(a\gt 0\), è dada numa vizinhança de \(a\) por \(\sqrt{x}\), que é contínua em \(a\), e, para \(a\lt 0,\) é dada numa vizinhança de \(a\) por \(x+k\) que é também contínua em \(a\), para qualquer constante real \(k\).

    Para \(a=0\), temos que \(f\) é contínua à direita, porque \(\sqrt{x}\) é contínua à direita em \(0\), e, logo, \[f(0^+)=\lim_{x\to 0^+}\sqrt{x}=0=f(0)\,.\] Por outro lado, \[f(0^-)=\lim_{x\to 0^-}(x+k)=k,\,.\] Assim, \[f\;\text{é contínua em }0\quad\Longleftrightarrow\quad f(0^-)=f(0^+)=f(0)\quad\Longleftrightarrow\quad k=0\,.\]

    Observação. Nem sempre é necessário, nem útil, separar os casos \(a^-\) e \(a^+\) como temos estado a fazer nesta aula. De facto, nos casos anteriores a utilidade dos limites laterais vinham do facto daquelas funções serem dadas por expressões diferentes, quando \(x\gt a\) e quando \(x\lt a.\) Mas, por vezes, uma função \(f\) é dada por expressões diferentes em outros tipos de subconjuntos do domínio, como se vê nos sguintes exemplos:

    Exemplo 5. Função de Dirichlet: \[d(x)=\begin{cases}1,&\text{ se }x\in\mathbb{Q},\\0,&\text{ se }x\notin\mathbb{Q},\end{cases}\qquad D_d=\mathbb{R}\,.\]

    Vamos ver que esta função não tem limite, e não é portanto contínua, em ponto nenhum.

    Para \(a\in\mathbb{R},\) tomamos,

  • uma sucessão \(r_n\in\mathbb{Q},\;\)tal que, \(\;r_n\to a\)
  • uma sucessão \(x_n\in\mathbb{R}\setminus\mathbb{Q},\;\)tal que, \(\;x_n\to a\),
  • o que é sempre possível, já que vizinhanças arbitariamente pequenas de \(a\) contém sempre racionais e irracionais, como já vimos numa aula anterior. Temos então, para todo \(n\in\mathbb{N},\) \(d(r_n)=1\) e \(d(x_n)=0\), e, portanto, \[\lim r_n=\lim x_n=a,\quad\text{ mas, }\quad\lim d(r_n)=1\not=\lim d(x_n)=0\.\] Logo, não existe \(\displaystyle\lim_{x\to a}d(x)\).

    Exemplo 6. \(f(x)=xd(x),\quad\) \(D_f=\mathbb{R}\).

    Para \(a=0\), temos, para qualquer sucessão \((x_n)\) que satisfaça \(x_n\to 0\), temos que \[f(x_n)=x_nd(x_n)\to 0,\] porque \(d\) é uma função limitada e \((x_n)\) é um infinitésimo (ou por enquadramento). Logo, \[\lim_{x\to 0}f(x)=0=f(0)\] e é contínua em \(0.\) É descontínua em todos os outros pontos (Exercício).

    Limites na recta acabada \(\overline{\mathbb{R}}\). Limites infinitos.

    Relembrando que, por definição, \(\left]-\infty,+\infty\right[=\mathbb{R}\), a recta acabada \(\overline{\mathbb{R}}\) será,

    \[\overline{\mathbb{R}}=\mathbb{R}\cup\{-\infty,+\infty\}=\left[-\infty,+\infty\right].\] Quando falámos de sucessões, alargámos o conceito de limite a limites infinitos, ou seja em \(\overline{\mathbb{R}}\), usando a mesma definição com base em vizinhanças, e definindo as vizinhanças-\(\varepsilon\) de \(-\infty\) e \(+\infty\). Relembremos: \[V_{\varepsilon}(-\infty)=\left[-\infty,-\dfrac{1}{\varepsilon}\right[\,,\qquad\quad V_{\varepsilon}(+\infty)=\left]\dfrac{1}{\varepsilon},+\infty\right]\,,\qquad\varepsilon\gt 0.\] Usa-se \(\dfrac{1}{\varepsilon}\) em vez de \(\varepsilon\) porque a ideia de "\(\varepsilon\) muito pequeno" deve corresponder à ideia de "muito próximo". Assim temos, se "\(\varepsilon\) é muito pequeno", então, \(\;x\in V_{\varepsilon}(+\infty)\;\Leftrightarrow\;x\gt \dfrac{1}{\varepsilon}\;\Rightarrow\;\) "\(x\) é muito grande", que é o que corresponde à ideia de "\(x\) próximo de \(+\infty\)".

    Reveja a definição de \(b=\displaystyle\lim_{x\to a}f(x)\) dada na aula teórica 13 (ver guia de estudo), usando vizinhanças:

  • dado um \(\delta>0\) qualquer, existe \(\varepsilon>0\), tal que, para \(x\in D_f,\) \[x\in V_{\varepsilon}(a)\;\Rightarrow\; f(x)\in V_{\delta}(b).\]
  • Aplicando essa mesma definição com as novas definições de \(V_{\varepsilon}(a)\), com \(a=-\infty,+\infty\), obtemos a definição de \(\;b=\displaystyle\lim_{x\to a}f(x)\;\) para \(a,b\in\overline{\mathbb{R}}\). Escrevemos em baixo alguns exemplos. Como exercício pode completar esta lista com os casos que faltam:

  • Caso \(a=+\infty,\; b\in\mathbb{R}\): \(\;\displaystyle\lim_{x\to +\infty}f(x)=b,\;\) sse, dado \(\delta>0\), existe \(R\gt 0\), tal que, para \(x\in D_f\), \[x\gt R\;\Rightarrow\; |f(x)-b|<\delta.\] Note que, por simplificação, usamos \(R=\dfrac{1}{\varepsilon}\).
  • Caso \(a\in\mathbb{R},\; b=+\infty\): \(\;\displaystyle\lim_{x\to a}f(x)=+\infty,\;\) sse, dado \(K \gt 0\), existe \(\varepsilon\gt 0\), tal que, para \(x\in D_f\), \[|x-a|<\varepsilon\;\Rightarrow\; f(x)\gt K.\] Note que, por simplificação, usamos \(K=\dfrac{1}{\delta}\).
  • Caso \(a=-\infty,\; b=+\infty\): \(\;\displaystyle\lim_{x\to -\infty}f(x)=+\infty,\;\) sse, dado \(K \gt 0\), existe \(R\gt 0\), tal que, para \(x\in D_f\), \[x\lt -R\;\Rightarrow\; f(x)\gt K.\] Note que, por simplificação, usamos \(K=\dfrac{1}{\delta}\), \(R=\dfrac{1}{\varepsilon}\).
  • Exemplo 7. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}\dfrac{1}{x^2}=0,\;\) já que, fazendo \(f(x)=\dfrac{1}{x^2}\), \[|f(x)-b|<\delta\;\Leftrightarrow\;\dfrac{1}{x^2}\lt \delta\;\Leftrightarrow\;x^2\gt \frac{1}{\delta}\;\Leftrightarrow\;x\gt \dfrac{1}{\sqrt{\delta}}\] e, portanto, basta considerar \(R=\dfrac{1}{\sqrt{\delta}}.\)

    Exemplo 8. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\dfrac{1}{x^2}=+\infty,\;\) já que, fazendo \(f(x)=\dfrac{1}{x^2}\), \[f(x)\gt K\;\Leftrightarrow\;\dfrac{1}{x^2}\gt K\;\Leftrightarrow\;x^2<\frac{1}{K}\wedge x\not=0\;\Leftrightarrow\;|x-0|<\dfrac{1}{\sqrt{K}}\wedge x\in D_f\] e, portanto, basta considerar \(\varepsilon=\dfrac{1}{\sqrt{K}}.\)

    Exemplo 9. \(\displaystyle\lim_{x\to -\infty} x^2=+\infty,\;\) já que, fazendo \(f(x)=x^2\), \[f(x)\gt K\;\Leftrightarrow\;x^2\gt K\;\Leftrightarrow\;|x|>\sqrt{K}\;\Leftarrow\;x\lt -\sqrt{K}\] e, portanto, basta considerar \(R=\sqrt{K}.\)

    Limites laterais em \(\overline{\mathbb{R}}\)

    Combinando as definições de limites laterais com limites na recta acabada, temos também limites laterais em \(\overline{\mathbb{R}}\). Por exemplo, se \(a\in\overline{D_f\cap \left]a,+\infty\right[}\), dizemos que \[\lim_{x\to a^+}f(x)=+\infty\] sse, dado \(K\gt 0\), existe \(\varepsilon\gt 0\), tal que, \[0\lt x-a\lt \varepsilon\quad\Rightarrow\quad f(x)>K\,.\]

    Exemplo 10. \(\displaystyle\lim_{x\to 0^+}\dfrac{1}{x}=+\infty,\;\) já que, fazendo \(f(x)=\dfrac{1}{x}\), \[f(x)\gt K\;\Leftrightarrow\;\dfrac{1}{x}\gt K\;\Leftrightarrow\;x<\frac{1}{K}\wedge x\gt 0\;\Leftrightarrow\;0\lt x-0<\dfrac{1}{K}.\] e, portanto, basta considerar \(\varepsilon=\dfrac{1}{K}.\)

    Definição à Heine em \(\overline{\mathbb{R}}\)

    A definição à Heine pode ser transcrita também para limites em \(\overline{\mathbb{R}}\) uma vez que sabemos definir limites de sucessões em \(\overline{\mathbb{R}}\). Por seu lado, a equivalência entre a definição dada (à Cauchy) e a definição à Heine é também válida em \(\overline{\mathbb{R}}\)

    Exemplo 11. \(f(x)=\cos x\). Vejamos que \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty} \cos x\) não existe. Para isso, consideremos as duas sucessões seguintes:

  • \(x_n=2n\pi\), e logo, \(f(x_n)=1\)
  • \(y_n=\dfrac{\pi}{2}+2n\pi\), e logo, \(f(y_n)=0\)
  • teremos assim, \[\lim x_n=\lim y_n=+\infty\quad\text{ e, no entanto, }\quad\lim f(x_n)=1\not=\lim f(y_n)=0.\]

    Por sua vez, como alternativa à definição à Cauchy, podemos usar os limites à Heine e as propriedades já conhecidas das sucessões, para obter os seguintes resultados (faça como exercício!), os quais passaremos a usar, sem necessidade de justificação, cada vez que são usados:

    1. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}x^p=+\infty,\quad p\gt 0\)

    2. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}\dfrac{1}{x^p}=0,\quad p\gt 0\)

    3. \(\begin{aligned}\displaystyle\lim_{x\to -\infty}x^p=-\infty, \qquad &\text{ quando \(p\) é um natural ímpar}\\ \displaystyle\lim_{x\to -\infty}x^p=+\infty, \qquad &\text{ quando \(p\) é um natural par}\end{aligned}\)

    (Observação: se \(p\) não é um número inteiro, não definimos, em geral \(x^p\), quando \(x\lt 0\).)

    4. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}e^{-x}=\lim_{x\to -\infty}e^{x}=0,\)

    5. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}e^{x}=\lim_{x\to -\infty}e^{-x}=+\infty,\)

    6. Vejamos o que se passa com \(f(x)= e^{\frac{1}{x}}\), quando \(x\to 0\). Usando a substituição \(y=\dfrac{1}{x}\), \[f(0^-)=\lim_{x\to -\infty}e^{y}=0,\qquad f(0^+)=\lim_{x\to +\infty}e^{y}=+\infty,\] e, logo, não existe \(\displaystyle\lim_{x\to 0}f(x)\) (neste caso, \(f\) tem uma assíntota vertical à direira em 0).

    Operações algébricas com limites em \(\overline{\mathbb{R}}\)

    Vejamos agora resultados que nos permitem calcular facilmente limites e estabelecer continuidade de funções. No resultado seguinte, assumimos as convenções já vistas para as operações algébricas em \(\overline{\mathbb{R}}\), eliminando as indeterminações \[\infty-\infty,\quad 0\cdot\infty,\quad \frac{0}{0},\quad\frac{\infty}{\infty}.\]

    Teorema (limite e operações algébricas em \(\overline{\mathbb{R}})\). Se \(\displaystyle\lim_{x\to a}f(x)=b\) e \(\displaystyle\lim_{x\to a}g(x)=c\), com \(a\in\overline{D_f\cap D_g}\), então,

  • \(\displaystyle\lim_{x\to a}(f+g)(x)=b+c,\quad\) se \(\;b+c\;\) não for \(\infty-\infty\);
  • \(\displaystyle\lim_{x\to a}(fg)(x)=bc,\quad \) se \(\;bc\;\) não for \(0\cdot\infty\);
  • \(\displaystyle\lim_{x\to a}\frac{f}{g}(x)=\frac{b}{c},\quad\) se \(\;c\not=0\;\) e se \(\;\dfrac{b}{c}\;\) não for \(\;\dfrac{\infty}{\infty}\).
  • A demonstração pode fazer-se exactamente como no caso de limites finitos, ou seja, usando limites à Heine, mas agora em \(\overline{\mathbb{R}}\).

    NOTAS:

    1. Se \(c=0\) e \(g(x)>0\) numa vizinhança de \(a\), então \(\displaystyle\lim_{x\to a}\dfrac{f(x)}{g(x)}=\pm \infty\), dependendo de \(b\gt 0\) ou \(b \lt 0\). Simbolicamente na prática, para simplificar, podemos usar os símbolos \(0^+\) e \(0^-\) neste contexto, tendo em atenção que não são números mas sim símbolos que traduzem que \(\g(x)\to 0) por valores positivos. Por exemplo,

    Exemplo 12. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\dfrac{1}{x^4}=\dfrac{1}{0^+}=+\infty.\)

    2. Na versão em \(\overline{\mathbb{R}}\) do teorema dos limites por enquadramento, pode ocorrer a seguinte situação: para uma vizinhança \(V_{\varepsilon}(a),\) \[\forall_{x\in V_{\varepsilon}(a)\setminus\{a\}}\quad f(x)\leqslant g(x),\quad\text{ e }\quad\lim_{x\to a}f(x)=+\infty\,.\] Podemos concluir que \(\displaystyle\lim_{x\to a}g(x)=+\infty\) (obviamente não é necessária a terceira função \(h(x)\) que é necessária no caso do limite finito.)

    3. Se \(b=c=0\) o limite \(\displaystyle\lim_{x\to a}\dfrac{f(x)}{g(x)}\), dá-nos uma comparação da ordem dos infinitésimos \(f(x)\) e \(g(x)\), quando \(x\to a\).

    4. Se \(b=c=+\infty\) o limite \(\displaystyle\lim_{x\to a}\dfrac{f(x)}{g(x)}\), dá-nos uma comparação da ordem dos infinitamente grandes \(f(x)\) e \(g(x)\), quando \(x\to a\).

    Nos seguintes exemplos estudam-se vários limites usando os resultados que temos vindo a estudar nas últimas aulas:

    EXEMPLOS:

    Exemplo 13. \(\displaystyle\lim_{x\to 0^+}\dfrac{x-2}{\sqrt{x}}=\dfrac{-2}{0^+}=-2\cdot(+\infty)=-\infty.\)

    Exemplo 14. \(\displaystyle\lim_{x\to 2^+}\dfrac{2+\sqrt{x-2}}{\operatorname{sen}(\pi x/4)}=\dfrac{2}{1}=2.\)

    Exemplo 15. Funções hiperbólicas: \[\begin{aligned} \lim_{x\to +\infty}\operatorname{senh}x&=\lim_{x\to +\infty}\frac{e^x-e^{-x}}{2}=\frac{+\infty-0}{2}=+\infty,\\ \lim_{x\to -\infty}\operatorname{senh}x&=\lim_{x\to -\infty}\frac{e^x-e^{-x}}{2}=\frac{0-(+\infty)}{2}=-\infty,\\ \lim_{x\to +\infty}\cosh x&=\lim_{x\to +\infty}\frac{e^x+e^{-x}}{2}=\frac{+\infty+0}{2}=+\infty,\\ \lim_{x\to -\infty}\cosh x&=\lim_{x\to -\infty}\frac{e^x+e^{-x}}{2}=\frac{0+\infty}{2}=+\infty. \end{aligned}\]

    Exemplo 16. \(\displaystyle\lim_{x\to \pm \infty}\dfrac{\operatorname{sen}x}{x}=0,\) por enquadramento.

    Exemplo 17. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}(x+\operatorname{sen}x)=+\infty,\quad\) dado que \(\;x+\operatorname{sen}x\geqslant x-1,\;\) e que \(\;\displaystyle\lim_{x\to +\infty}(x-1)=+\infty.\)

    Atenção: Neste caso não pode ser aplicado o teorema do limite das operações algébricas (neste caso, seria da soma), uma vez que o limite de \(\operatorname{sen} x\) em \(+\infty\) não existe.

    Exemplo 18. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}\dfrac{\operatorname{arctg}x+\operatorname{sen}x}{x+\operatorname{sen}x}=0.\quad\) De facto, para \(x\gt 1\), o denominador é positivo e, nesse caso, \[-\frac{\frac{\pi}{2}+1}{x+\operatorname{sen}x}\leqslant \dfrac{\operatorname{arctg}x+\operatorname{sen}x}{x+\operatorname{sen}x}\leqslant\frac{\frac{\pi}{2}+1}{x+\operatorname{sen}x}.\] O resultado sai do exemplo 17 e do teorema dos limites por enquadramento.

    Limites notáveis: Vamos admitir, sem demonstração para já, os seguintes limites notáveis, os quais não podem ser deduzidos apenas dos resultados apresentados, uma vez que são casos \(\frac{0}{0}\), portanto excluidos do teorema das operações algébricas (neste caso quociente): \[\lim_{x\to 0}\frac{\operatorname{sen}x}{x}=1,\qquad \lim_{x\to 0}\frac{e^x-1}{x}=1,\qquad \lim_{x\to 0}\frac{\ln(x+1)}{x}=\lim_{x\to 1}\dfrac{\ln x}{x-1}=1.\]

    Exemplo 19. \(\displaystyle\lim_{x\to +\infty}x^{\frac{3}{2}}\operatorname{sen}\dfrac{1}{\sqrt{x}}=1,\;\) por mudança de variável \(y=\dfrac{1}{\sqrt{x}}\).

    Exemplo 20. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}x^{\frac{3}{2}}\operatorname{sen}\dfrac{1}{\sqrt{x}}=0,\;\) por enquadramento.

    Exemplo 21. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\cos\left(x^{\frac{3}{2}}\operatorname{sen}\dfrac{1}{\sqrt{x}}\right)=\cos 0=1,\;\) pelo exemplo 20 e, pela continuidade de \(\cos x\).

    Exemplo 22. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\dfrac{e^{2x^2}-1}{x^2}=\lim_{y\to 0}2\dfrac{e^{2y}-1}{2y}=2,\;\) por mudança de variável \(y=x^2\).

    Exemplo 23. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\dfrac{\operatorname{arctg}^2x}{2x^2}=\lim_{x\to 0}\dfrac{1}{2\cos^2x}\left(\dfrac{\operatorname{sen}x}{x}\right)^2=\dfrac{1}{2}.\)

    Exemplo 24. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}\dfrac{\ln \cos x}{1-\cos x}=\lim_{y\to 1}\dfrac{\ln y}{1-y}=-1.\;\) por mudança de variável \(y=\cos x.\)

    Exemplo 25. \(\displaystyle\lim_{x\to 0}(1+x)^{\frac{1}{x}}=e^{\lim_{x\to 0}\frac{\ln(1+x)}{x}}=e^1=e.\)

    (Relembre que \(1^\infty\) é um caso indeterminado.)

    Aconselha-se veementemente o estudo dos exercícios resolvidos das listas [Co] e [LF].