Aula teórica 12

Funções reais de variável real.
Funções elementares II: Função exponencial e função logarítmica. Funções trigonométricas e trigonétricas inversas. Funções hiperbólicas.
Continuidade local. Definição à Cauchy. Continuidade e sucessões: definição de continuidade à Heine.

Material de estudo:

Na primeira parte desta aula terminaremos a introdução às funções elementares iniciada na aula anterior e, na segunda iniciaremos o estudo da continuidade e limites de funções reais de variável real. As funções

Contrariamente às funções polinomiais e racionais, que apenas envolvem as operações elementares de soma, diferença, produto e quociente, as funções que vamos rever hoje não podem ser definidas para já com todo o rigor nem podemos proporcionar formas de cálculo baseados apenas nas operações elementares sem antes introduzirmos novos conceitos. Estas funções fazem parte de uma família de funções, designadas por funções analíticas. que poderão ser definidas à custa de séries, como veremos à frente. Para já, vamos admitir que conhecemos essas funções e vamos rever em seguida algumas das suas propriedades que serão usadas ao longo deste curso.

Função exponencial

Designamos a função exponencial de \(x\) por \(f(x)=e^x\), onde o número de Neper \(e\) já foi introduzido noutra aula como sendo \[e=\lim\left(1+\frac{1}{n}\right)^n.\]

Existem várias formas equivalentes de introduzir esta função. Será sempre necessário demonstrar que elas conduzem à mesma função. Como já referimos, podemos e iremos considerar a sua definição mais tarde à custa de séries. De momento, não nos importando em demasia com a sua definição, podemos, no entanto, dizer que ela é também equivalente à propriedade (nada trivial) seguinte: \[e^x=\lim\left(1+\frac{x}{n}\right)^n\,,\quad \text{ para cada } x\in\mathbb{R},\] a qual, também por isso, poderá ser tomada como definição.

Seja como fôr, teremos \(D_f=\mathbb{R}\), \(f(x)\) é estritamente positiva e as seguintes propriedades são verdadeiras:

1) \(e^0=1\),
2) \(e^1=e\),
3) \(e^{x+y}=e^xe^y\),
4) \(e^{xy}=(e^x)^y\),
5) \(e^{-x}=1/e^x\).

Observação: a propriedade 4) só fará sentido depois de esclarecido o significado de \(a^y\) para um valor arbitrário de \(a\in\mathbb{R}^+\), o que faremos de seguida.

As propriedades 1), 2) e 3) permitem obter facilmente \(f(x)=e^x\) para os valores racionais de \(x\), isto é, quando \(x=\dfrac{p}{q}\) com \(p\) inteiro e \(q\) natural:

6) \(e^{p/q}=\left(\sqrt[q]{e}\right)^p\).

É claro que, quando \(x=p\) é um número natural, já conhecíamos o significado de \(e^x\): \(e^p=e\times e\times\dots\times e\), (\(p\) vezes). No entanto, isto não faz sentido quando \(x\) não é um natural. Poderíamos ainda ampliar o significado de \(e^x\) para valores racionais de \(x\), usando a propriedade 6). No entanto, ficaria ainda por definir \(e^x\) para todos os valores irracionais de \(x\). Por essa razão, é necessário acordarmos numa definição que contemple todos os números reais, conforme o referido no início desta secção. (Pode ver, a este respeito, as páginas 245,246 do livro [CF]).

Temos ainda as propriedades seguintes, importantes para a definição do logaritmo:

7) Se \(x>0\), então \(e^x>1\),
8) \(f(x)=e^x\) é estritamente crescente,
9) \(C_f=\mathbb{R}^+\).

É óbvio que 8) e 1) implicam 7). Mas também pode ver que 8) é consequência de 7) e da propriedade 3) (exercício).

Função logaritmo

Antes de introduzirmos o logaritmo, relembremos o conceito de função inversa. Se \(f:D_f\to\mathbb{R}\) é uma função injectiva (e só neste caso!), define-se a sua função inversa \(f^{-1}\) como a função com domínio \(D_{f^{-1}}=C_f\) e é tal que, \(y=f(x)\,\Leftrightarrow\, x=f^{-1}(y)\). Dito de outra forma, \[f^{-1}(f(x))=x\,,\quad\text{ para todo } x\in D_f\,.\]

Definimos \(\ln x\), a função logaritmo de \(x\), como sendo a função inversa da exponencial (relembre a propriedade 8)). Ou seja, se \(f(x)=e^x\), teremos \(f^{-1}(x)=\ln x\), e, logo, \(D_{\ln x}=C_{f}=\mathbb{R}^+\), de acordo com a propriedade 9) da exponencial. Sendo assim, para todo \(x>0\), \[y=\ln x\,,\quad\text{ sse }\quad x=e^y\,,\] ou ainda, de outro modo,

10) \(e^{\ln x}=x\), para todo \(x>0\),
11) \(\ln e^x=x\), para todo \(x\in\mathbb{R}\,.\)

As contrapartidas das propriedades 1)-5) são, respectivamente:

12) \(\ln 1=0\,,\)
13) \(\ln e=1\,,\)
14) \(\ln (ab)=\ln a+\ln b\,\) (fazendo em 3), \(a=e^x\) e \(b=e^y\)),
15) \(\ln(a^y)=y\ln a\,\) (fazendo em 4), \(a=e^x\)), )
16) \(\ln (1/a)=-a\,\) (fazendo em 5), \(a=e^x\)).
Relativamente a 15), mantem-se a observação feita atrás para a propriedade 4).

Ainda teremos, como consequência, respectivamente, de 7), 8) e de \(D_{e^x}=\mathbb{R}\):

17) Se \(x>1\), então \(\ln x>0 \),
18) O logaritmo é uma função estritamente crescente (relembre que a função inversa de uma função estritamente crescente é igualmente estritamente crescente),
19) \(C_{\ln x}=\mathbb{R}\).

Potências de base positiva e expoente arbitrário. Dado \(a>0\) e um racional \(b=p/q\), com \(p\) inteiro e \(q\) natural, sabemos que, \(a^b=\left(\sqrt[q]{a}\right)^p\) (é fácil ver que, para o mesmo valor de \(b\), o resultado não depende do par (\(p\), \(q\)) escolhido). No entanto, se \(b\) for irracional esta definição não faz sentido. Usamos então a seguinte definição,: \[a^b=e^{b\ln a},\quad\text{ para todo } a>0\,,b\in \mathbb{R}. \]

Deixa-se como exercício ver que, com esta definição e com as propriedades vistas atrás para a exponencial e logaritmo, se recuperam as expressões conhecidas para o caso de \(b\) natural, inteiro (positivo ou negativo) e racional.

Logaritmo na base \(a\in\mathbb{R}^+\). Fixado \(a>0\), para cada \(x>0\) definimos o logaritmo na base \(a\) de \(x\) como sendo o número \[\log_a x=\frac{1}{\ln a}\ln x\,.\]

Daqui resulta, \(\ln x=\ln a\cdot\log_ax\), e portanto, aplicando a exponencial a ambos os membros e usando a propriedade 4), obtemos \[a^{\log_a x}=x\,,\]

pelo que podemos afirmar que, fixado um positivo \(a\), para cada \(x>0\), "\(\log_a x\) é a potência a que tem que ser elevado \(a\) para dar \(x\)". Ou simplesmente, é a função inversa de \(f(x)=a^x\).

Uma questão de notação: \(\ln x\) ou \(\log x\)? Pelo que foi visto atrás, \(\ln x\) é o mesmo que \(\log_e x\). Muitos textos usam o símbolo \(\log x\) para este logaritmo. É o que se passa, nomeadamente, com o livro [CF] e com as aulas em video [MA]. Alguns testes e exames disponíveis na página da disciplina também usam este símbolo. Assim sendo, apesar de preferencialmente usarmos o símbolo \(\ln x\), quando ocorrer o símbolo \(\log x\) em algum dos materiais da disciplina, o aluno deverá interpretá-lo exactamente do mesmo modo. Se, por exemplo, pretendesse referir-se ao logaritmo de base 10 de \(x\), teria obrigatoriamente que escrever \(\log_{10}x\).

Funções trigonométricas

O primeiro parágrafo deste guia de estudo mantem-se válido para estas funções. Não tentaremos defini-las, para já, e usaremos o círculo trigonométrico, para estudar as propriedades destas funções de uma forma geométrica. Recordemos as propriedades do seno e cosseno de um número real \(x\) (o valor \(x\) também se designa por arco) que precisaremos:

1) Domínio: \(D_{\text{sen}}=D_{\cos}=\mathbb{R}\),
2) Contradomínio: \(C_{\operatorname{sen}}=C_{\cos}=[-1,1]\),
3) Tanto o seno como o cosseno são funções periódicas de período \(2\pi\), isto é, para todo \(x\in\mathbb{R}\) e todo o inteiro \(n\), \[\operatorname{sen}(x+2n\pi)=\operatorname{sen}x\,,\qquad\qquad \cos(x+2n\pi)=\cos x.\] Qualquer intervalo do tipo \([\lambda,\lambda+2\pi]\), \(\lambda\in\mathbb{R}\), designa-se como um período tanto da função seno como da função cosseno.
4) O seno é uma função ímpar e o cosseno é uma função par, isto é, para todo real \(x\), \[\operatorname{sen}(-x)=-\operatorname{sen}x\,,\qquad\qquad \cos(-x)=\cos x.\] 5) Fórmula fundamental da trigonometria: para todo real \(x\), \[\operatorname{sen}^2 x+\cos^2 x=1.\] 6) Fórmulas do seno e do cosseno da soma: para quaisquer reais \(x,y\), \[\operatorname{sen}(x+y)=\operatorname{sen}x\cos y +\cos x\operatorname{sen}y\,,\qquad \cos(x+y)=\cos x\cos y -\operatorname{sen}x\operatorname{sen}y\,.\]

Exercício: obtenha de 5) e 6) as seguintes propriedades 7) e 8):

7) Duplicação do arco: para qualquer real \(x\), \[\operatorname{sen}(2x)=2\operatorname{sen}x\cos x\,,\qquad\qquad \cos(2x)=\cos^2 x-\operatorname{sen}^2 x\,.\] 8) Para qualquer real \(x\), \[\operatorname{sen}^2x=\frac{1-\cos (2x)}{2}\,,\qquad\qquad \cos^2x=\frac{1+\cos(2x)}{2}\,.\] 9) Sinal e zeros do seno e do cosseno no período \(]-\pi,\pi]\). Como pode relembrar a partir do círculo trigonométrico, \[x\in\left]0,\pi\right[\Rightarrow \operatorname{sen}x\gt 0\,,\qquad x\in\left]-\pi,0\right[\Rightarrow \operatorname{sen}x\lt 0 \,,\] \[x\in\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\Rightarrow \cos x\gt 0\,,\qquad x\in\left]-\pi,-\frac{\pi}{2}\right[\cup\left]\frac{\pi}{2},\pi\right[\Rightarrow \operatorname{cos}x\lt 0\,,\] \[\operatorname{sen} 0 =\operatorname{sen}\pi=\cos\frac{\pi}{2}=\cos\left(-\frac{\pi}{2}\right)=0\] Usando a propriedade de peridiocidade 3), o sinal e todos os zero das funções seno e do cosseno ficam determinados.

10) No período \(]-\pi,\pi]\), o mínimo da função seno é atingido em \(-\frac{\pi}{2}\), e o máximo é atingido em \(\frac{\pi}{2}\), enquanto que o mínimo da função cosseno é atingido em \(\pi\) e o máximo em \(0\) e os seus valores são: \[\operatorname{sen}\left(-\frac{\pi}{2}\right)=-1,\qquad \operatorname{sen}\left(\frac{\pi}{2}\right)=1,\qquad \cos\pi=-1,\qquad \cos 0=1.\]

A função tangente de \(x\) define-se como, \[\operatorname{tg}x=\frac{\operatorname{sen}x}{\cos x}.\] As suas propriedades decorrem das propriedades das funções seno e cosseno:

9) Domínio da função tangente: \(D_{\operatorname{tg}}=\mathbb{R}\setminus\{x\in\mathbb{R}:\cos x=0\}=\mathbb{R}\setminus\{x=\frac{\pi}{2}+n\pi:n\in\mathbb{Z}\}.\)
10) A função tangente é periódica de período \(\pi\): para todo \(x\in D_{\operatorname{tg}}\), e inteiro \(n\), \[\operatorname{tg}(x+n\pi)=\operatorname{tg}x.\]
11) No período \(\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\), temos \[x\in\left]-\frac{\pi}{2},0\right[ \Rightarrow \operatorname{tg}x\lt 0\,,\qquad\, x\in\left]0,\frac{\pi}{2}\right[ \Rightarrow \operatorname{tg}x\gt 0, \qquad \operatorname{tg}0=0.\] 12) A função tangente não é minorada nem majorada em \(\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\).
13) Da fórmula fundamental da trigonometria 5) deduz a igualdade seguinte que será muito útil mais à frente: \[1+\operatorname{tg}^2x=\frac{1}{\cos^2x}.\]

Outras funções trigonométricas definem-se a partir das funções seno, cosseno e tangente:
\[\text{cotangente de }x:\qquad\operatorname{cotg}x=\frac{1}{\operatorname{tg}x},\] \[\text{secante de }x:\qquad\operatorname{sec}x=\frac{1}{\cos x},\] \[\text{cossecante de }x:\qquad\operatorname{cosec}x=\frac{1}{\operatorname{sen}x}.\] Veja, por exemplo, que a propriedade 13) pode ser escrita na forma \[\sec^2 x=1+\operatorname{tg}^2x.\]

Os valores das funções trigonométricas constantes da tabela seguinte podem ser obtidos raciocinando sobre o círculo trigonométrica, sobre o triângulo equilátero para os casos \(\frac{\pi}{3}\) e \(\frac{\pi}{3}\), e o triângulo rectângulo isósceles para o caso \(\frac{\pi}{4}\), por aplicação do teorema de Pitágoras,

\(x\longrightarrow\) 0 \(\dfrac{\pi}{6}\) \(\dfrac{\pi}{4}\) \(\dfrac{\pi}{3}\) \(\dfrac{\pi}{2}\)
\(\operatorname{sen} x\) \(0\) \(\dfrac{1}{2}\) \(\dfrac{\sqrt{2}}{2}\) \(\dfrac{\sqrt{3}}{2}\) \(1\)
\(\cos x\) \(1\) \(\dfrac{\sqrt{3}}{2}\) \(\dfrac{\sqrt{2}}{2}\) \(\dfrac{1}{2}\) \(0\)
\(\operatorname{tg}x\) \(0\) \(\dfrac{1}{\sqrt{3}}\) \(1\) \(\sqrt{3}\) \(.\)

Funções hiperbólicas

Define-se o seno hiperbólico, \(\operatorname{senh}x\), e o cosseno hiperbólico, \(\cosh x\), como as funções de domínio \(\mathbb{R}\) definidas por \[\operatorname{senh}x=\frac{e^x-e^{-x}}{2}\,,\qquad \cosh x=\frac{e^x+e^{-x}}{2}\,.\] Sendo funções importantes nas aplicações, de momento não nos debruçaremos sobre as suas propriedades. No entanto, obtenha a seguinte relação importante, que é a versão da Fórmula Fundamental da Trigonometria para as funções hiperbólicas: \[\cosh^2 x - \operatorname{senh}^2x=1\,.\]

Trigonométricas inversas

A função seno, tal como as funções cosseno e tangente, não é injectiva em \(\mathbb{R}\), é até periódica, o que faz com que, para cada \(y\in\left[-1,1\right]\) a equação \[\operatorname{sen} x=y\,\] tenha infinitas soluções. Logo, não existe inversa para a função seno.

No entanto, se considerarmos \(x\) apenas no intervalo \(\left[-\frac{\pi}{2}, \frac{\pi}{2}\right]\), onde a função \(\operatorname{sen}x\) é injectiva, essa equação apenas vai ter uma solução. A essa solução chamamos \(\operatorname{arcsen}y.\) Matematicamente falando:

  • A função \(\operatorname{arcsen}x\) é a função inversa da restrição da função \(\operatorname{sen} x\) ao intervalo \(\left[-\frac{\pi}{2}, \frac{\pi}{2}\right]\). Como tal, tem domínio \(D_{\operatorname{arcsen}}=[-1,1]\) e contradomínio \(C_{\operatorname{arcsen}}=\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right]\).
  • Temos então a seguinte equivalência: \[ x=\operatorname{arcsen}y\quad \Longleftrightarrow\quad \left\{ \begin{aligned} x&\in\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right],\\ y&=\operatorname{sen}x. \end{aligned} \right. \]

    Observe que, enquanto para todo \(y\in [-1,1]\) se tem, \[\operatorname{sen}(\operatorname{arcsen}y)=y,\] e, para todo \(x\in\left[-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right]\) se tem, \[\operatorname{arcsen}(\operatorname{sen}x)=x,\] a primeira destas igualdades não faz sentido para outros valores de \(y\) e a segunda é falsa para outros valores de \(x\). Veja o seguinte exemplo com \(x=\frac{3\pi}{2}\): \[ \operatorname{arcsen}\left(\operatorname{sen}\frac{3\pi}{2}\right)=-\frac{\pi}{2}. \] Tenha em atenção então que, dado \(y\in[-1,1]\), o valor \(\operatorname{arcsen}y\) apenas dá uma das infinitas soluções da equação \[\operatorname{sen} x=y.\] Todas as soluções desta equação são os valores de \(x\) dados por \[x=\operatorname{arcsen} y+2n\pi\quad\vee\quad x=(\pi-\operatorname{arcsen}y)+2n\pi,\] para qualquer inteiro \(n\). Confira este resultado no círculo trigonométrico.

    Toda a discussão anterior é aplicável às funções cosseno e tangente. Para definir inversas, apenas temos que considerar restrições destas funções a intervalos especiais onde elas são injectivas. Assim, definimos

  • A função \(\arccos x\) é a função inversa da restrição da função \(\cos x\) ao intervalo \(\left[0, \pi\right]\). Como tal, tem domínio \(D_{\arccos}=[-1,1]\) e contradomínio \(C_{\arccos}=\left[0,\pi\right]\).
  • A função \(\operatorname{arctg}x\) é a função inversa da restrição da função \(\operatorname{tg} x\) ao intervalo \(\left]-\frac{\pi}{2}, \frac{\pi}{2}\right[\). Como tal, tem domínio \(D_{\operatorname{arctg}}=\mathbb{R}\) e contradomínio \(C_{\operatorname{arcsen}}=\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[\).
  • Sendo assim, temos as equivalências, \[ x=\arccos y\quad \Longleftrightarrow\quad \left\{ \begin{aligned} x&\in\left[0,\pi\right],\\ y&=\cos x\,, \end{aligned} \right. \] \[ x=\operatorname{arctg}y\quad \Longleftrightarrow\quad \left\{ \begin{aligned} x&\in\left]-\frac{\pi}{2},\frac{\pi}{2}\right[,\\ y&=\operatorname{tg}x\,. \end{aligned} \right. \] Veja os comentários feitos para o caso do \(\operatorname{arcsen}\) e faça as devidas adaptações destes para os casos \(\arccos\) e \(\operatorname{arctg}\). Em particular, veja que, dado \(y\in[-1,1]\), as soluções da equação \[\cos x=y,\] são dadas pelos seguintes valores de \(x\): \[ x=\arccos y +2n\pi \quad\vee\quad x=-\arccos y+2n\pi, \] para qualquer inteiro \(n\). De igual modo, dado um \(y\in\mathbb{R}\), as soluções da equação \[\operatorname{tg}x=y,\] são dadas pelos seguintes valores de \(x\): \[ x=\operatorname{arctg}y +n\pi, \] para qualquer inteiro \(n\). Confira estes resultados no círculo trigonométrico.

    Aconselha-se vivamente o estudo de todos os problemas resolvidos da referência [Fe] do início deste guia.

    Continuidade

    Aqui introduzimos um dos conceitos mais importantes não só desta disciplina mas de toda a Análise Matemática: o de continuidade de uma função num ponto. Este conceito junta-se aos de limite de uma função num ponto e ao de diferenciabilidade para formar o conjunto de ferramentas que usaremos no estudo de funções.

    A continuidade é um conceito que se começa por definir relativamente a um ponto e que tem implicações importantes para a função "perto desse ponto". Essas propriedades são designadas por "propriedades locais da continuidade". Veremos, em aulas posteriores, que o facto de se verificar essa propriedade em intervalos tem implicações sobre a função na globalidade desses conjuntos (como a existência de máximo, por exemplo). Essas propriedades são designadas como "propriedades globais da continuidade".

    Nesta parte da matéria vamos seguir de perto o texto [AB] nas páginas mencionadas no início deste guia de estudo. Pontos fundamentais:

  • Definição na página 51. Esboçe um gráfico para estudar o seu significado: relembre o significado de vizinhanças e a forma como se lêem os quantificadores. Em português corrente a definição pode-se lêr: "\(f(x)\) é contínua num ponto \(a\) do seu domínio sse, para garantir que \(f(x)\) esteja a uma distância de \(f(a)\) inferior a uma prefixada arbitrariamente pequena, basta garantir que \(x\) esteja suficientemente próximo de \(a\)".
  • Seguindo essa a mesma ordem de ideias, no fim da mesma página está, em linguagem simbólica, a negação da proposição anterior, ou seja, "\(f(x)\) não é contínua num ponto \(a\) do seu domínio sse existe um valor \(\delta>0\) tal que é possível encontrar valores de \(x\) tão próximos de \(a\) quanto se queira, com \(f(x)\) a uma distância de \(f(a)\) superior a \(\delta.\)
  • Estude os exemplos da página 52.
  • Um dos pontos mais importantes do estudo da continuidade é o uso da convergência de sucessões nesse estudo. Isso pode ser feito a partir do conceito de continuidade à Heine e à sua equivalência com a definição dada anteriormente. A introdução de continuidade à Heine está na definição 3.2.18 da página 52, e a sua equivalência com a definição dada anteriormente (também conhecido como "definição à Cauchy") é o teorema 3.2.20.
  • O conceito de continuidade à Heine permite-nos obter resultados mais facilmente do que a definição à Cauchy (com o seu argumento \(\delta\) - \(\varepsilon\)). Isto vê-se nas demonstrações dos teoremas 3.2.21 e 3.2.24 que estabelecem a continuidade das somas, diferenças, produtos, quocientes e compostas de funções contínuas.
  • Vamos admitir sem demonstração (pelo menos, para já) a seguinte afirmação:
    - Todas as funções elementares referidas na aula anterior e nesta são contínuas nos seus domínios.
  • Podemos usar os resultados desta aula sobre continuidade para justificar a continuidade de funções construidas à custa daquelas funções elementares.

    Exemplo: justificar a continuidade em cada \(a\in\mathbb{R}\) da função \(f:\mathbb{R}\to\mathbb{R}\) definida por \[ f(x)=\cos (e^{x^2+1}-x^3-1). \] Resposta: A função \(e^{x^2+1}\) é a composta da função exponencial, portanto contínua em \(\mathbb{R}\), com a função polinomial \(x^2+1\), portanto também ela contínua em \(\mathbb{R}\). Pelo teorema 3.2.24, essa função é contínua em \(\mathbb{R}\). O argumento da função cosseno é, então, a soma da função \(e^{x^2+1}\), que já vimos ser contínua em \(\mathbb{R}\), com a polinomial \(-x^3-1\), também contínua em \(\mathbb{R}\). Pelo teorema 3.2.21, esse argumento é então uma função contínua em \(\mathbb{R}\). A função \(f\) é dada, nesse caso, pela composta da função trigonométrica cosseno, a qual é contínua em \(\mathbb{R}\) com uma função contínua em \(\mathbb{R}\), e logo, é contínua em \(\mathbb{R}\), pelo teorema 3.2.24.

    De uma forma mais sintética podemos justificar a continuidade da função \(f\) anterior dizendo apenas que se trata de uma função que se pode construir à custa de somas e compostas de funções polinomiais, da função exponencial e de uma função trigonométrica, todas elas contínuas nos seus domínios (que neste caso são todos, \(\mathbb{R}\)).

    Observação: no exemplo anterior usámos a expressão "contínua em \(\mathbb{R}\)". De um modo geral, dizemos que "uma função é contínua num conjunto \(A\)" sse a sua restrição ao conjunto \(A\) é contínua em cada ponto \(a\in A\). Sendo assim, uma função é contínua em \(D_f\) sse é contínua em cada ponto \(a\in D_f\).

    Estude a resolução do problema 10. da referência [Co]. Note que, uma vez que ainda não foi dado o limite de uma função num ponto, e o conceito de prolongamento por continuidade, neste momento ainda não pode abordar os outros problemas desta lista.